Contra brechas, prefeitura quer inserir regras na Lei Cidade Limpa
Proposta é limitar a exposição e o tamanho dos painéis luminosos na fachada de lojas e prédios
Implantada em 2007, a Lei Cidade Limpa baniu outdoors, faixas e letreiros, em uma das maiores transformações no visual de São Paulo em décadas. Nos últimos anos, no entanto, a norma vem sendo ameaçada por uma brecha, que favoreceu a proliferação dos chamados painéis de LED. Essa gambiarra poderá ser extinta na próxima terça (14), em reunião da Comissão de Proteção à Paisagem Urbana (CPPU), subordinada à Secretaria de Urbanismo e Licenciamento e composta de membros da prefeitura e da sociedade civil.
Até agora, a legislação liberava qualquer placa publicitária no interior dos estabelecimentos, desde que estivesse a no mínimo 1 metro de distância da entrada e fosse exclusiva dos produtos vendidos ali. O objetivo original era permitir que uma loja anunciasse suas mercadorias ou promoções aos pedestres na calçada próxima.
Essa abertura na lei, no entanto, possibilitou que as empresas passassem a instalar luminosos de grande alcance, modalidade cada vez mais numerosa nas ruas da capital. Na Avenida Paulista, por exemplo, a academia Smart Fit recortou parte da fachada e instalou uma tela, fechada com um vidro transparente, na qual exibe vídeos com temas esportivos. Teoricamente está dentro da regra, mas as imagens podem ser visualizadas até por quem está do outro lado da espaçosa via de oito faixas.
A 3 quilômetros dali, no Shopping Light, no centro, um letreiro de LED divulga publicidade de lojas instaladas dentro do empreendimento, como Adidas e Lacoste. “Embora legais, esses anúncios nada mais são do que subterfúgios que voltam a poluir a paisagem urbana, como ocorria há onze anos”, diz o arquiteto Fernando Túlio, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB). Procurado, o Shopping Light afirma que respeita a lei e que se adequará a quaisquer alterações na legislação. A Smart Fit, que também está de acordo com as normas vigentes, não se pronunciou.
A proposta da CPPU é limitar o tamanho dos painéis de LED a 1,5 metro quadrado, o que equivale a uma TV de 71 polegadas, para aqueles localizados a 1 metro de distância da fachada. Telas maiores poderão ser instaladas mais no fundo da loja. Outra medida que será apresentada é a obrigatoriedade do desligamento dos anúncios às 22 horas. “Esses estardalhaços na paisagem estão com os dias contados”, afirma a arquiteta e urbanista Regina Monteiro, presidente da CPPU e criadora da lei durante a gestão do prefeito Gilberto Kassab. Em reuniões futuras da comissão, será debatida a luminosidade dos equipamentos.
A tentativa de criar regras mais rígidas para os luminosos surge ao mesmo tempo que aumentam as irregularidades envolvendo esse modelo de publicidade. Na Avenida Paulista, a fachada de um prédio próximo à Estação Trianon-Masp do Metrô apresenta um telão de 50 metros de largura com propagandas de bebidas — negócio sem nenhuma relação com as empresas situadas no condomínio comercial. Responsável pelo painel, a Elemidia diz respeitar a legislação vigente, mas ainda assim acabou multada pela prefeitura em 64 000 reais na semana passada.
Próximo dali, na Avenida Juscelino Kubitschek, no Itaim, por onde passam 112 000 carros por dia, a empresa Mídia Channel oferece propaganda digital em um totem de 33 metros quadrados instalado sobre a fachada de uma loja de baterias de carro. O preço: 82 400 reais por mês, com direito a 8 960 inserções no total. Na última segunda (6), uma empresa de fast-food era a única que aparecia na tela. Procurada, a Mídia Channel afirma obedecer a todos os preceitos municipais.
No ano passado, a prefeitura aumentou o número de multas por desrespeito à Lei Cidade Limpa em 80% em relação ao período anterior, chegando a 925 autuações. Neste ano, foram 620 notificações até julho, o que representa um aumento de 14% na média mensal. Por outro lado, a quantidade de contribuintes que quitaram o débito cai ano a ano. Em 2018, apenas 9% pagaram a multa, contra 19% no ano anterior e 30% em 2016. As dívidas não pagas são inscritas no cadastro municipal de inadimplentes e poderão ser cobradas judicialmente. Hoje a multa começa em 10 000 reais — este valor aumenta em caso de reincidência.
Há um ano, um escândalo envolveu fiscais de prefeituras regionais, acusados de receber propina de empresários do mercado imobiliário para fazer vista grossa para irregularidades, como a distribuição de panfletos e a instalação de placas com logotipo das companhias. O episódio ficou conhecido com a “Máfia da Cidade Limpa”.
Na ocasião, o chefe de gabinete da Prefeitura Regional da Lapa, Leandro Benko — irmão do então secretário estadual de Turismo, Laércio Benko —, foi exonerado, e agora ele responde criminalmente por corrupção ativa. O caso segue em tramitação na Justiça. Quatro outros funcionários também acabaram afastados.
Agora, para fugir da proibição, as empresas, sobretudo as incorporadoras imobiliárias, continuam com promotores nas ruas, mas os materiais não possuem logotipos e os panfletos foram transformados em jornais informativos. Em vez de os expositores utilizarem setas indicativas dos locais em construção, a sinalização é estampada em camisetas. “Mais um ‘cambalacho’ que vamos combater em uma próxima etapa”, promete Regina Monteiro.