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Shopping Cidade Jardim tem mais de 100 relógios Rolex roubados

Centro de compras pretende instalar detectores de metal

Por Por Alessandro Duarte, Henrique Skujis, Maria Paola de Salvo e Mariana Barros
Atualizado em 5 dez 2016, 10h19 - Publicado em 16 jun 2010, 19h13

Os roteiristas de filmes de ação de Hollywood costumam abusar de uma velha fórmula: sugerem um estado de calmaria para então desencadear na sequência, sem que a plateia tenha nem mesmo tempo de piscar, uma tremenda confusão. Foi exatamente esse o clima que tomou conta do Shopping Cidade Jardim na última segunda (7). Considerado um dos templos do luxo na cidade, o centro de compras foi cenário de um assalto — o segundo em 23 dias — digno de um campeão de bilheteria. Em apenas cinco minutos, de doze a quinze homens entraram no local, invadiram a loja Corsage, revendedora da relojoaria Rolex, no piso térreo, roubaram relógios avaliados em 1,5 milhão de reais e saíram em disparada pela Marginal Pinheiros. Divididos em três grupos, os bandidos atuaram simultaneamente em vários locais. Comunicaram-se entre si por celulares e rádio. “Parecia uma guerrilha”, relatou um funcionário da segurança.

Durante roubo, assaltante entrou na Montblanc

Tudo foi filmado pelo circuito interno de TV. Às 12h44, três homens de óculos escuros, dois deles de terno e outro de traje esporte, chegam à entrada de pedestres, na Marginal Pinheiros. Acessam o elevador em direção ao piso térreo. Impacientes, apertam pelo menos cinco vezes os botões dos andares. Um deles checa o celular a todo instante, demonstrando ansiedade. São atrapalhados por duas mulheres, com quem conversam. Gastam cerca de dois minutos para deixar o elevador. Enquanto isso, um Citroën C4 encosta no estacionamento do subsolo. Dele saem quatro rapazes que parecem ter acabado de deixar um escritório.

“Passei por dois deles e jamais desconfiei que fossem bandidos”, afirma outro funcionário da equipe de segurança. “Depois que percebi a confusão, tentei intervir, mas fui ameaçado por um cara armado com um fuzil.” Minutos depois, o bando do C4 dá cobertura do lado de fora da loja. Lá dentro, os três homens que estavam no elevador rendem vendedores, quebram o mostruário e levam relógios de até 120 000 reais em algumas sacolas. “Levaram tudo”, diz o delegado José Antônio do Nascimento, da Unidade de Repressão de Roubo a Joias da capital, que esteve no local no dia do assalto.

Um quarto ladrão se dirige à vizinha Montblanc, ameaça vendedores, mas não chega a levar as mercadorias que recolheu. Do lado de fora, um carro entra na contramão pela Rua Joapé, na lateral do shopping, atrapalhando a passagem de outros veículos. Chama a atenção de um agente da CET e de três taxistas. Segundos de- pois, os quatro são rendidos pelos ocupantes do veículo. Outro carro, parado na Marginal Pinheiros, simula estar enguiçado para dar cobertura aos comparsas. Pouco antes das 12h50, sete ladrões correm em direção à saída da Marginal Pinheiros. Ouvem-se cinco disparos para o alto. Um tiro atinge o carro blindado de um cliente e um último é disparado contra uma viatura, parada e vazia, da empresa de segurança GP. Árvores do jardim da entrada do shopping encobrem a visão das câmeras de vigilância e o cenário da fuga. Às 12h51, já não há mais rastro dos bandidos.

Depois do roubo, as vitrines da Corsage foram embaladas em papel opaco, para evitar que se avistasse seu interior — até a última quinta, não havia previsão de quando a loja seria reaberta. Foi o triste replay de uma cena que ocorrera quando a joalheria Tiffany & Co., localizada no mesmo andar, fora alvo de outra ação armada. Em 16 de maio, um domingo, um grupo munido de submetralhadoras e escopetas levou cerca de 1,5 milhão de reais em mercadorias. Os assaltantes estacionaram seus veículos na rampa de acesso e adentraram a porta principal. Seis deles desembarcaram e se dirigiram à joalheria: dois ficaram vigiando os corredores enquanto os outros quatro renderam os funcionários e exigiram que anéis, brincos, colares e pulseiras fossem depositados nas sacolas que portavam. Carregados, os criminosos fugiram levando um segurança como refém. Mo – mentos depois, o homem acabou liberado perto da Ponte Estaiada Octavio Frias de Oliveira, nas proximidades do local. Nas semanas seguintes, quatro suspeitos foram presos, e outros dois identificados pela polícia. Até o momento, porém, nenhuma das joias, fala-se em 72 peças, foi recuperada.

Quando a polícia foi chamada, nada mais havia a fazer a não ser ouvir depoimentos de quem presenciou o assalto cinematográfico. A primeira hipótese levantada foi a de ligação entre os dois roubos. Especulava-se que ao menos um bandido teria participado das duas ações. Depois de tentar, sem sucesso, encontrar pistas em uma loja suspeita de receber joias roubadas no centro da cidade e de não andar muito na investigação, a polícia foi presenteada com uma denúncia que apontou moradores do Parque Bristol, na Zona Sul, como autores do assalto. Segundo Kátia Regina Cristófaro Martins, titular da De legacia de Investigações sobre Entor pecentes (Dise) de São Bernardo do Campo, os policiais seguiam os passos dos suspeitos fazia mais de vinte dias, muito antes, portanto, do roubo ao shopping. A suspeita é que eles estavam envolvidos com tráfico de drogas e roubos menores.

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No dia seguinte ao assalto, a mesma fonte anônima contou à polícia que os suspeitos haviam participado de uma ação de grande repercussão. Após uma campana em um galpão no bairro, os policiais deram o bote e detiveram oito homens. Levados à delegacia, quatro deles foram reconhecidos pelo supervisor da empresa de segurança que presta serviço ao shopping. Quatro carros foram apreendidos, entre eles um Fiat Siena vermelho no qual, em um fundo falso atrás do banco traseiro, foi encontrada uma pistola 380 niquelada, idêntica à utilizada no assalto. Na viatura que levou os suspeitos à delegacia, a polícia encontrou vários chips de celular quebrados.

A investigação para comprovar o envolvimento dos suspeitos no crime ainda segue, mas todos foram enviados para o Centro de Detenção Provisória de São Bernardo do Campo. Na noite de quinta foi decretada a prisão temporária dos envolvidos. Segundo a delegada, a detenção de outros dois bandidos que aparecem nas imagens é uma questão de dias. “Um familiar deles veio até nós e disse que reconheceu os dois.” Até a tarde da última quinta (10), não havia nenhum indício do paradeiro dos relógios.

A ousadia dos bandidos provou que um raio pode, sim, cair duas vezes num mesmo lugar. Especialistas são unânimes em afirmar que o calcanhar de aquiles do Cidade Jardim é a localização das joalherias. Elas ficam no térreo e, ainda por cima, próximas às saídas de emergência, como é o caso da Corsage e da Tiffany. Para piorar, essas áreas de escape acabam na Avenida Magalhães de Castro, espécie de pista local da Marginal Pinheiros.

“Basta cair numa via expressa como essa para que os bandidos fujam rapidamente”, afirma o consultor Hugo Tisaka, diretor executivo da National Security Academy Brasil. “O projeto de um empreendimento também tem de ser pensado para favorecer a segurança.” Segundo a arquiteta especialista em segurança patrimonial Katia Beatris Rovaron, as portas de emergência deveriam terminar no estacionamento ou em outro local dentro do Cidade Jardim. Há tempos a Associação dos Joalheiros do Estado de São Paulo (Ajesp) recomenda a seus associados que se instalem longe de vias movimentadas. “Não por acaso, as últimas três joalherias assaltadas em shoppings da cidade estavam a poucos passos da rua”, diz Arnaldo G. Filho, diretor de segurança da Ajesp.

Até mesmo a empresa de segurança que presta serviços ao shopping, a GP, afirma que a localização é um ponto de vulnerabilidade. “Aceitaria de bom grado a mudança dessas lojas para outro piso, mas isso depende da administração”, conta José Jacobson Neto, um dos diretores da empresa, que garante que seu esquema de vigilância não falhou. “Não dá para enfrentar homens de fuzil com calibre 38, o máximo que a lei nos permite utilizar.” A Corsage também teria errado ao não contratar equipe própria para proteger as mercadorias. Outras joalherias do mesmo andar, como a H. Stern e a Tiffany, têm essa proteção extra. “Boa parte das seguradoras exige esse cuidado na hora de fazer a apólice”, diz Carlos Almeida, diretor da corretora Marsh Brasil.

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O curto intervalo entre os dois roubos aumentou a sensação de insegurança de funcionários e clientes. Previsões de venda para o Dia dos Namorados tiveram de ser revistas para baixo. “Até agora, ninguém entrou na loja”, confessou uma vendedora às 13h30 da última terça-feira, um dia após o segundo assalto e quatro antes da romântica data. Inaugurado há dois anos, o Shopping Cidade Jardim reúne grifes estreladas como Chanel, Louis Vuitton, Hermès, Carolina Herrera e Ermenegildo Zegna. Não há praça de alimentação, mas entre uma compra e outra pode-se apreciar o menu de restaurantes como Nonno Ruggero, Due Cuochi Cucina e Pobre Juan. Até a batata assada ali é grã-fina: entre as opções da Baked Potato, há recheio de caviar. Frequentemente, a quantidade de clientes nos corredores se equipara à de seguranças, e muitas lojas podem ser encontradas apenas com vendedores em seu interior. A administração do centro, no entanto, afirma que as vendas têm crescido e o gasto médio a cada visita é de impressionantes 2 800 reais.

Logo após o assalto à joalheria Tiffany, a JHSF, proprietária do Shopping Cidade Jardim, reforçou a segurança. Aos 160 homens das equipes própria e terceirizada foram acrescidos mais cinquenta. Nesta semana, outros vinte passaram a circular pelos corredores. Uma consultoria internacional foi contratada pela JHSF para reavaliar todo o esquema de segurança do shopping.

Já está decidido que o centro de compras vai dificultar o acesso a seus corredores. Apesar de não se saber exatamente como isso será feito para não criar constrangimento aos clientes, é certo que algumas entradas terão detectores de metal. Os carros passarão por uma triagem mais rígida que a atual. Motoristas de veículos com insulfilm poderão ser convidados a abrir os vidros antes de passar pelas catracas, por exemplo. Não está sendo cogitada a mudança de joalherias para espaços mais afastados da entrada ou mesmo para outros andares. “A segurança cumpriu à risca os procedimentos que visam a preservar a integridade física de clientes e funcionários”, afirma Robert Harley, diretor da JHSF para a área de shopping centers. “Para nós, isso foi o mais importante.”

 

O que é o Cidade Jardim

O complexo na Marginal Pinheiros reúne edifícios residenciais e comerciais (em construção), spa e shopping center.

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18 000 pessoas passam pelo shopping diariamente

160 lojas espalham-se pelos três pisos

2 800 reais é, segundo a administração, o gasto médio dos clientes

66% é a taxa de conversão (porcentagem de clientes que efetivamente fazem compras)

322 apartamentos ficam nas nove torres residenciais do complexo. Os valores variam de 2 milhões a 20 milhões de reais

1 200 reais é a mensalidade do spa instalado no 5º andar, para quem não é morador do condomínio

 

O caminho dos relógios roubados

Segundo especialistas, as mercadorias são encomendadas. Normalmente, receptadores e compradores encontram-se no exterior.

■ Bandidos repassam os relógios a intermediários que atuam no centro da cidade, nas proximidades das ruas da Consolação e Sete de Abril.

■ Os mediadores vendem os produtos a receptadores brasileiros com bom poder aquisitivo. Um relógio de 10 000 reais é comprado por, no máximo, 2 000 reais. Seus escritórios ocupam, na maioria das vezes, salas em edifícios comerciais acima de qualquer suspeita, na Avenida Paulista, nos Jardins ou em outros bairros de classe média alta.

■ Depois de algumas negociações, os relógios são vendidos a receptadores internacionais de cidades da América Latina, como Buenos Aires, e dos Estados Unidos, principalmente Miami e Nova York. O mesmo Rolex chegará ao consumidor final por até 7 000 reais.

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Fonte: Arnaldo G. Filho, diretor de segurança da Associação dos Joalheiros do Estado de São Paulo (Ajesp) e do Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos

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