Quem são os jogadores que conquistaram a América
O talismã, o polivalente, a muralha e outros heróis que brilharam no campeonato
“Sabe o que o corintiano faz quando ganha uma Libertadores? Desliga o videogame e vai dormir.” “O Corinthians foi eliminado na semifinal em 2000, nas oitavas em 2010 e na Pré em 2011. Na próxima Libertadores, vai cair já no sorteio.” “Se Cristóvão Colombo fosse corintiano, nunca teria conquistado a América.” Mais do que uma estrela na camisa ou uma relíquia na sala de troféus, a grande alegria do torcedor da Fiel será ver a extinção dessas piadas surradas, repetidas à exaustão pelos rivais há anos.
+ Corinthians vence a Libertadores com apoio da torcida
Após um século de história e nove eliminações, o Timão chega ao topo da América sem um craque emblemático: não houve um Neto, um Marcelinho Carioca nem um Carlitos Tevez para emprestar sua imagem à conquista. Dentro de campo, o time equilibrado teve carioca malandro, pit bull caladão, caipira bom de bola e até um monstro debaixo das traves.
Abaixo, veja o perfil dos principais destaques da campanha:
O malandro destemido
Autor dos dois gols antológicos que garantiram o título inédito da Libertadores, Emerson escreveu seu nome para sempre na história do clube. Mas, mesmo que não tivesse balançado as redes na final no Pacaembu, o tricampeão brasileiro (Flamengo-2009, Fluminense-2010 e Corinthians-2011) mereceria levar o prêmio de melhor jogador da decisão, o que de fato ele foi. A verdade é que o atacante mandou no jogo. Com a bola nos pés, foi incansável, correu e batalhou por todo o ataque, deu passes brilhantes e protagonizou vários lances individuais em arrancadas. Sem a redonda, esteve ainda mais infernal e, com seu jeitão provocador, conseguiu a suprema proeza de irritar os jogadores do Boca, time célebre por fazer o mesmo com os adversários. Essa marra, que o levou a cair no gosto da Fiel, fica ainda mais evidente nos microfones. Já antes da final, quando seus companheiros adotavam um discurso comedido diante do papão de títulos do continente, ele disparou frases como “Riquelme tem de falar menos” e “Sou de Nova Iguaçu, favelado e não tenho medo de nada”. A trajetória do craque é bem enrolada. Aos 18 anos de idade, adulterou sua idade (para 15) e trocou de nome (o original é Márcio) na certidão de nascimento para ter mais chance nas categorias de base do São Paulo, ou seja, fez o chamado “gato”. Em 2006, acabou detido por agentes federais no Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, ao tentar embarcar para os Emirados Árabes com um passaporte frio. Ainda é réu em um processo de lavagem de dinheiro pela compra de um carro que teria sido importado irregularmente. O caso, que também envolve o volante Diguinho, do Fluminense, tramita na Justiça. Naturalizado cidadão do Catar em 2008, defendeu a seleção do país, onde virou ídolo, razão para o apelido de Sheik. Depois, descobriu-se que ele já havia atuado pela seleção brasileira sub-20, o que não permitiria vestir a camisa de outro escrete nacional. Devido a isso, o Catar chegou a ser ameaçado de punição pela Fifa, a entidade máxima do futebol mundial.
O monstro de luvas
Aos dezessete minutos do segundo tempo da partida de volta das quartas de final, Diego Souza, do Vasco, arrancou sozinho e ficou livre diante de Cássio para abrir o placar. Durante sete segundos, o Pacaembu parou de respirar. Nem o mais fiel torcedor sabia o que esperar do desconhecido goleiro de queixo e testa proeminentes — por causa dessas características, recebeu dos colegas o carinhosíssimo apelido de Frankenstein — que havia se tornado titular apenas um mês antes. O grandalhão cabeludo e espalhafatoso, no entanto, teve sangue-frio para esperar o toque do atacante carioca, esticou seu corpanzil de 1,95 metro e, com a ponta dos dedos, desviou a bola para a linha de fundo. Foi como se tivesse marcado um gol — àquela altura, uma bola na rede provavelmente representaria a eliminação. Sorte? “Aquilo foi treino, muito treino”, diz, com sua fala mansa e pausada.
O onipresente
A imagem de Paulinho trepado no alambrado do Pacaembu — com a camisa puxada pelo escudo por um torcedor após marcar contra o Vasco aos 42 minutos do segundo tempo e colocar o Corinthians na semifinal — é simbólica. Representa a importância deste volante versátil, que parece estar em todos os cantos do campo, marcando adversários e gols. Um dos jogadores de toque mais refinado em um grupo celebrado pela aplicação tática, ele deu qualidade à saída de bola, além de aparecer como elemento-surpresa e anotar três vezes na Libertadores. Faz o que se espera de um volante moderno — tem vitalidade para o combate e inteligência para a armação. Foi ele que deu o passe a Emerson para marcar o gol da vitória sobre o Santos, na Vila Belmiro, além de ter desarmado o craque Riquelme na jogada que culminou no gol de Romarinho contra o Boca, na Argentina. Sua trajetória ainda inclui uma redenção: uma de suas primeiras partidas como titular foi diante do Tolima, na sofrida eliminação da Libertadores de 2011.
O corte italiano
Com apenas quatro gols sofridos, o Corinthians se tornou o sexto time da história a ser campeão invicto da Libertadores. Símbolo da sólida defesa, Leandro Castán não pensa duas vezes se tiver de despachar a bola para a frente com um chutão. “Quando cheguei ao Corinthians, falei que queria fazer parte da história do clube. E uma campanha invicta, passando por Vasco, Santos e Boca Juniors, é para ninguém botar defeito”, afirma o zagueiro, que levanta a torcida a cada corte perfeito na intermediária. Uma precisão, aliás, de alfaiate italiano. De malas prontas, Castán fez, possivelmente, sua despedida do Corinthians na final da última quarta: após uma temporada praticamente sem falhas, acertou sua transferência para a Roma por cerca de 13 milhões de reais. Por lá, já é chamado de “o novo Lúcio”, em alusão ao ex-zagueiro da Inter de Milão e da seleção brasileira.
O pit bull silencioso
Se o sistema defensivo foi o destaque do Corinthians, grande parte do sucesso se deve a Ralf, que tem a responsabilidade de frear o avanço adversário. E ele faz isso com classe, cara fechada e poucas palavras — é avesso aos holofotes e microfones. Apesar da grande força física, desarma sem fazer faltas e, em seu terceiro ano pelo clube, ainda não foi expulso. O jornal esportivo argentino “Olé” derreteu-se com sua atuação na primeira partida da final, em La Bombonera: “Um dos mais lúcidos, ganhou o meio”. Na Libertadores, anulou craques com marcação implacável e fôlego invejável. “Dificilmente tomaríamos o gol de Neymar se o Ralf estivesse na jogada. Isso é muito claro para mim”, declarou o técnico Tite após o empate contra o Santos — o camisa 5 não participou do lance da segunda partida da semifinal, pois havia levado uma cotovelada que deixou um corte em sua testa. Saiu de campo para ser atendido e voltou em seguida com uma bandana para estancar o sangue, o símbolo de um jogador amado pela torcida por sua raça em campo.
O caipira decisivo
No fim de 2009, quando o Corinthians buscava um meia experiente para a Libertadores do ano seguinte, optou por… Riquelme. O argentino do Boca recusou a proposta e os dirigentes foram atrás de Danilo — campeão do torneio em 2005 pelo São Paulo — para ser o maestro na conquista inédita da América. No entanto, a identificação com o clube do Morumbi — no qual havia recebido o apelido de “Zidanilo” — era forte demais. Recebido com desconfiança, o meia mineiro, com seu jeito matuto e cara de jogador antigo, era criticado pela falta de velocidade. Virou o “Danilento”. Mas o fato é que, a partir da arrancada para o título brasileiro de 2011, ele se tornou o ponto de equilíbrio. Com frieza na hora de decidir — como mostrou contra o Santos, quando garantiu a vaga na final —, fez quatro gols, todos quando a equipe estava zerada no placar. Ainda deu o passe de calcanhar para Emerson fazer o primeiro da final e brilhar contra a equipe de… Riquelme.
O talismã de dreadlocks
O roteiro que o destino reservou ao jovem atacante beira o realismo fantástico. Recém-chegado do Bragantino, o garoto de dreadlocks à la Djavan estreou em um clássico contra o Palmeiras, há duas semanas. O Corinthians atuava com a equipe B — os titulares foram poupados para a final da Libertadores — e Romarinho marcou dois golaços. Três dias mais tarde, já estava em Buenos Aires, incluído de surpresa na delegação que enfrentou o Boca. O jogo estava 1 a 0 para os argentinos quando, aos 38 minutos do segundo tempo, Tite o chamou e pediu para ele atuar apenas pelo lado direito. “Só ali?”, perguntou. Era isso mesmo. Em sua primeira participação (pela direita, claro), o garoto iluminado recebeu de Emerson e, como se estivesse em uma pelada na rua, com frieza e absoluta precisão, deu uma “cavadinha” para encobrir o goleiro Orión. O lance fez parte da imprensa internacional pensar que a intimidade com a bola vinha do fato de ele ser filho do artilheiro Romário. Nada: seu nome é resultado da mistura dos nomes do pai (Ronaldo) e do avô (Mário). Após o confronto, deu entrevistas com uma tranquilidade assombrosa, como se tivesse passado a vida marcando gols históricos.
O mestre da invencibilidade
Criador de termos curiosos como “treinabilidade” — o sufixo virou uma marca, uma espécie de “qual-quer-coi-si-bi-li-da-de”, em palavras que ele costuma pronunciar separando bem as sílabas —, o técnico Tite foi o responsável por montar um mecanismo de aplicação tática e defesa sólida que levou o time ao título sem uma única derrota. A força esteve sempre no funcionamento preciso do conjunto, na interação azeitada das peças. Foi uma equipe quase europeia, com atacantes empenhados na marcação, coisa rara no Brasil. De quebra, mostrou coragem ao barrar o insolúvel e caro Adriano, afastar o seu goleiro titular Júlio César, em crise, e apostar em nomes desconhecidos como Cássio e Romarinho. A Fiel aprovou e ele passou a ser visto quase como uma figura folclórica, a ponto de misturar-se à massa no Pacaembu e virar mais um do “bando de loucos” ao ser expulso do jogo contra o Vasco, pelas quartas de final. Na arquibancada, recebeu o celular de um torcedor para acompanhar o tempo de jogo, ouviu conselhos aos gritos (“Tira o Alex!”), passou instruções no alambrado e vibrou em coro com o estádio no gol salvador de Paulinho. Campeão invicto da Libertadores, ele agora pode repetir com orgulho: “in-ven-ci-bi-li-da-de”.