Carolina demorou três anos para chegar. Longa viagem. Não havia nascido ainda quando a convidamos. Fomos preparando devagar um lugarzinho bom para ela em nossos corações, em nossa casa, em nossa vida e na vida dos que amamos. Sabíamos que ela precisaria do amor de todos para ser feliz, e felicidade era o nosso compromisso maior com ela. É um presente que merecem todos os que nascem, mas que a alguns é negado.
Minha mulher acredita que, quando Carol nasceu, há oito meses, sem um lar para chamar de seu, o seu Deus determinou: esta lindinha aqui vai para aquele casal que espera há 23 anos por um bebê, casal formado por aquela loura expansiva e aquele cronista do tipo vamos com calma. A soma do jeito deles de ser há de fazer bem à pequena.
A notícia da vinda de Carol provoca pequenas perplexidades entre meus netos. Bebel, de 12 anos, pergunta, entre encantada e intrigada: “Mãe, eu vou ter uma tia bebê?”. Helena, de 7, que mora na Flórida, teme perdas: “Mãe, o vovô Ivan não vai ser mais meu avô?”. João, o pensador, que já tem 13, acha piada: “Vai ser engraçado chamar ela de tia”.
Entre os amigos, senhores ou senhoras, novos ou antigos, a boa-nova levanta um clima de encantamento, como se a adoção de um bebê nesta altura da vida — eu tenho 80, minha mulher, 56 — trouxesse uma carga tal de otimismo que transbordasse o ato em si, passando a mensagem de que o peso das incertezas de hoje com relação ao país e o mundo não deve minar as esperanças.
Vai dar trabalho, ah, vai. Sem babá. Mães e pais que trabalham fora precisam dessa ajuda; não nós, aposentados. Madrugadas em claro, que sempre acontecem quando há bebês na parada, serão encaradas como um tipo de boemia. Em compensação, serão só nossos os beijos babados. Não pensamos delegar a missão das fraldas, das mamadeiras esterilizadas, das roupinhas em ordem, das enxugadas do nariz escorrendo, dos passeios de carrinho pelas ruas e parques — até em manifestações na Avenida Paulista, se ainda houver, por que não? Pode ser que eu não corra atrás de uma bola, mas para lá dos 90 ainda espero estar empinando pipa.
É oito ou oitenta, diz o ditado. No meu caso e da Carol, é oito e oitenta; no período entre os 80 anos meus e os 8 meses dela, a ciência e a tecnologia operaram maravilhas, mas foram tirando a importância das coisas do espírito, tirando o valor das coisas não materiais, e foram seduzindo as pessoas para a aquisição das maravilhas tecnológicas. Vamos fazer o possível para que Carolina harmonize os dois mundos, o de onde eu vim e o para onde ela está indo.
Carolina nos impõe outra maneira de estar no mundo. Mais responsabilidade com a saúde, com a gerência do dinheiro, mais atenção ao outro, à vida. Há alguns anos, no resort da Praia do Forte, na Bahia, nós nos encontramos com a repórter e apresentadora Glória Maria, que estava lá com suas duas filhas. Lindas. Minha mulher, que sonhava ainda ser mãe, apesar de já ter passado dos 50, perguntou qual a sensação de ser mãe naquela idade. “É a melhor coisa do mundo!”, disse Glória, superlativa. E, hoje, minha mulher pôde dizer, no mesmo tom: “É mesmo!”.
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