“Nos conhecemos em uma instituição para idosos”
Maria Acácia conta que Akio, 82, nunca havia tido um relacionamento até conhecê-la em 2021. Hoje, sonham com um casamento e lua de mel na Bahia
“Eu vim morar na Casa Verde (Instituição de Longa Permanência para Idosos Casa Verde), na Zona Norte, em 2021. Apesar de os quartos serem separados entre homens e mulheres, existem espaços de convivência, onde podemos sentar todos juntos, ver TV e conversar. Foi assim que conheci o Akio. Não minto: seus olhos amendoados foram o que me chamou atenção de primeira.
Ao contrário dele, sou muito comunicativa, gosto de bater papo e cantar. Eu acho que o fato de eu ser verdadeira — quando gosto ou não de algo, eu falo mesmo! — é o que fez ele se apaixonar por mim. Akio nunca foi casado, nem teve filhos. Diz ele que a única garota que apareceu em sua vida ele recusou.
Pouco tempo depois de chegar, Akio veio até mim e perguntou se eu queria namorar. Respondi que era divorciada e que queria sim. Ele é tão cavalheiro que pediu minha mão à minha irmã.
Ele está aqui desde 2014, quando quebrou a perna e começou a ter dificuldades para se locomover. Na época, Akio, de pais japoneses, trabalhava em Suzano vendendo pipoca em um carrinho — um carrão, na verdade. Ele diz que, na cidade, havia cinco vendedores, mas nenhum lucrava como ele. O carrinho caiu em cima de sua perna e, desde então, ele precisa de uma cadeira de rodas.
+“Éramos quase vizinhos, mas só a conheci décadas depois pela internet”
A cadeira de rodas não nos impede de nada. Só é complicado namorar e passar um tempo juntos em uma casa onde moram tantas pessoas. Damos um beijinho enquanto vemos TV, ficamos abraçados, e é isso. Temos de respeitar os outros.
As funcionárias da casa sempre conversam com a gente sobre afeto, carinho e sexualidade, de como é normal vivenciar essas experiências mesmo após a terceira idade. No ano passado, no início do nosso namoro, houve uma palestra sobre isso e eu e o Akio participamos. Nós estamos em todas as atividades e festas juntos.
Algo que temos em comum é a paixão por artesanato: eu faço roupas de cama e sabonetes perfumados, enquanto ele faz tapetes. Às vezes eu peço para subir até o quarto dele para fazermos juntos, mas não deixam. São as regras da casa. Por isso, temos a esperança de, no futuro, nos casar, morar juntos e viver da venda do nosso trabalho.
Apesar de ele ser budista, eu quero que a cerimônia seja em uma Igreja Católica. Akio, que quando jovem colecionava uma pilha de discos de vinil, escolheu umas músicas tristes para o casamento. Eu já disse que essas não vão tocar, que quero uma festa feliz, com muita música sertaneja e os sucessos do Roberto Carlos. Nós amamos o Roberto Carlos.
Meu sonho era que nossa lua de mel fosse em Salvador, mais perto da minha terra, o Ceará. Mas o Akio tem medo de viajar de avião por causa de um acidente que aconteceu com conhecidos muitos anos atrás. Decidimos, então, que iremos de ônibus. São três dias de viagem, mas é o único jeito de chegarmos a um acordo, não é?
Devido a alguns problemas de saúde, Akio fala bem devagar e também não enxerga de um dos olhos. É difícil para algumas pessoas entender o que ele fala, tem de prestar muita atenção e ouvir direitinho. Comigo é diferente. Nossa conexão é muito grande e eu compreendo tudo o que ele diz.”
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Publicado em VEJA São Paulo de 8 de junho de 2022, edição nº 2792