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Futebol de bairro

Por Matthew Shirts
Atualizado em 5 dez 2016, 13h48 - Publicado em 21 nov 2014, 23h00

Domingo de manhã jogo futebol com meu caçula, Samuel, de 11 anos, em uma quadra de cimento na Avenida Sumaré. Fica do lado direito para quem desce em direção à Marginal Tietê. O local é público e mal cuidado. As cestas de basquete foram arrancadas faz um bom tempo. As traves do gol sofreram ataques semelhantes, percebe-se, mas sobreviveram (sem rede, claro). Acumula-se ali lixo aos montes. Mas dá para jogar. É o que importa. O melhor da “quadrinha”, como nós a chamamos, é que ela existe. Sem esse espaço, dificilmente aconteceriam as nossas peladas. Não há nas redondezas outro campo de tão fácil acesso. É bonito até, à sua maneira, diga-se, bem grafitado e, por isso, colorido.

Quem inventou as partidas de domingo foi o fotógrafo pernambucano João Quesada. Há seis anos ele começou a levar seu filho Zeca, mais alguns amigos da Escola Alecrim, ali perto, para aprender a jogar futebol direito. O programa fez sucesso. Outros alunos aderiram e, com eles, seus pais, primos, amigos e mesmo algumas mães e filhas, pelo menos de vez em quando. Passaram a participar vizinhos da quadrinha, como Lorenzo, que recebeu o apelido improvável de Bob Marley, graças à camiseta com a foto do rei do reggae vestida na sua primeira partida. Sem falar do Aranha, cuja alcunha resulta, quero crer, das suas qualidades como goleiro. Inaugurou-se nessa época, também, a tradição de jogar a última partida do dia entre os pais, de um lado, e os filhos, do outro. Era “fofo” o confronto, no início, quando os meninos tinham 5 anos. Hoje, seis verões mais tarde, nós, os velhos, sofremos para derrotá-los. As crianças jogam cada vez melhor, enquanto os veteranos dali, como eu e o fotógrafo Hélcio Nagamine, já ultrapassamos os pontos áureos da nossa carreira de boleiros, um pouco como acontece agora com o ídolo tricolor Rogério Ceni.

Nunca houve nenhuma restrição à participação ali, nem poderia. Como vinha dizendo, a quadrinha é do povo como o céu é do avião. Participam, por vezes, operários de obras de construção nas redondezas, recém-chegados a São Paulo, e também sem-teto, que atuam descalços no concreto. O segredo dos campeonatos do pedaço é saber organizar os times. Dá certo trabalho. Hélcio é bom nisso.

No último domingo um amigo meu ali do bairro passeava na Avenida Sumaré com o cachorro. Percebeu que era eu no gol e começou a pôr em dúvida, aos brados, o desempenho dos americanos no esporte bretão. É do jogo. Quem sai na chuva é para se queimar, dizia Vicente Matheus, o saudoso presidente do Corinthians. Assistia a tudo, do fundo da quadra, um sem-teto, que dormira ali, debaixo da árvore, bem instalado, com direito a cobertores, travesseiro e um sistema de som, movido a pilha (imagino). Ouvia, juro, deitado ainda, a trilha sonora do filme Pulp Fiction, de Quentin Tarantino. Isto é futebol de rua, pensei. São Paulo é uma cidade e tanto.

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