Durante anos meu rosto foi redondo como o de um porquinho. Quando emagreci, a pele da papada caiu. Fiquei semelhante a um pelicano.
– A única solução é plástica – sugeriu um amigo.
Reagi. Sempre fui contra. Muita gente exagera nas intervenções e fica com cara de pequinês. E mais: plástica exige anestesia, cuidados médicos, repouso. Fazê-la não pode ser uma decisão frívola. Mas, cada vez que eu via minha pele dependurada, me irritava. Procurei um amigo de vinte anos, Rogério, cuja biografia conheço bem. Não é um cirurgião da moda – possui um trabalho sério na reconstituição de queimados. Fiz a consulta.
– Quero dar uma melhorada – confessei. – Mas sem repuxar a ponto de me transformar em chinês.
Ele me acalmou.
– Tiro o papo e dou uma leve esticada na parte de baixo do rosto. Com anestesia local.
Concordei. Realizei uma bateria de exames para evitar surpresas. Marquei o dia. Cheguei à clínica na hora do almoço, em jejum. A assistente do médico me fez uma deliciosa massagem facial. Quando terminou, comentei:
– Estou tranquilo. Soube que não dói nada.
– Só é desconfortável por causa do capacete – respondeu ela.
Saltei na cama.
– Capacete? Que capa…
Uma enfermeira já me aplicava na veia remédio para adormecer. Caí no sono com a palavra ecoando: “capacete”, “capacete”…
Acordei transformado em uma múmia, com um capacete de gaze duríssimo envolvendo minha cabeça. De fora, os dois olhos, os buraquinhos do nariz e o biquinho da boca. Rogério me observava com um sorriso de felicidade:
– A operação foi ótima. Como está se sentindo?
– Eu te odeio! – grasnei.
Ele avisou que o artefato seria retirado em 24 horas. Saiu, lépido. Senti ondas de pânico. Eu ia pirar com aquele negócio. Ergui as mãos, pronto para arrancá-lo. Como ficaria meu rosto? Respirei fundo. E comecei a murmurar para mim mesmo:
– Não vou entrar em pânico, não vou entrar em pânico… Socorro, não vou entrar em pânico!
Veio o jantar. Uma sopinha. Mal consegui engolir algumas colheradas com o biquinho. Imaginei: “E se a guerra nuclear estourar agora? Ou houver um terremoto? E eu ficar abandonado, sozinho com esse capacete?”.
Adormeci com o rosto para cima. No dia seguinte acordei à vontade, como se tivesse nascido com aquele horrendo capacete de gaze. É incrível a capacidade de adaptação de um ser humano! Quando o retiraram, horas mais tarde, até achei estranho!
Fui para casa com a recomendação de dormir com o rosto para cima. Apaguei as luzes, pronto para repou-sar confortavelmente. A luz, mesmo apagada, começou a piscar. Em cima dos meus olhos! Surgira um problema elétrico no quarto. E assim passei a noite inteira.
Diante do espelho me de–frontava com o rosto costurado e uma constelação de manchas roxas. Já me sentia arrependido. Bobagem! Dez dias depois retirei os pontos. Faz pouco mais de um mês e ninguém diz que fiz plástica! Só as orelhas continuam meio adormecidas por causa da anestesia. Garante o médico que daqui a semanas voltam ao normal. Ah, sim, agora tenho de fazer barba atrás das orelhas, mas isso é detalhe.
Não me tornei um jovenzinho, mas estou me sentindo melhor! Mais… apresentável! Uma amiga aconselhou:
– Não conte que fez plástica.
Por que não? Sou de um tempo em que homem não podia ter vaidade. Procurar o cirurgião, nem pensar! Mas o mundo mudou. Ainda bem. Envelhecer com dignidade não é necessariamente despencar! Afinal de contas, cuidar da própria aparência é um dos poucos gestos de liberdade que ainda restam a cada ser humano.