O teste das faixas de ônibus
Pistas exclusivas aumentaram a velocidade dos coletivos, mas algumas vias ainda estão subaproveitadas
Há dez anos, dificultar o tráfego de carros em avenidas arteriais de São Paulo era como estacionar em fila dupla em porta de colégio: confusão na certa. Foi o que ocorreu em 2004, à época da inauguração do corredor de ônibus da Avenida Rebouças. A chiadeira de motoristas de veículos particulares, espremidos em duas faixas de rolamento, chegou a parar na Justiça, com uma ação do Ministério Público. De lá para cá, no entanto, com o agravamento do caos no trânsito, as vias exclusivas para transporte coletivo se tornaram quase um consenso.Uma pesquisa do Datafolha divulgada na semana passada mostra que 88% da população é a favor da medida. Mesmo entre os “prejudicados”, os donos de carros, a aprovação é alta: 77%. O assunto ganhou importância com a proliferação massiva da iniciativa nos últimos meses. Desde março foram implantados 169 quilômetros de faixas para ônibus, mais que os 122 existentes na capital no fim de 2012 — até o fim do ano, a prefeitura promete mais 51 quilômetros. A cada semana surge uma nova faixa exclusiva, inclusive em locais movimentados como as avenidas Paulista e 23 de Maio e as marginais Pinheiros e Tietê. Em breve elas chegarão à Rua Heitor Penteado e às avenidas Sumaré, na Zona Oeste, e Luís Inácio de Anhaia Melo, na Zona Leste. Um anel também está sendo implantado no centro, passando por avenidas como Ipiranga e São Luís. Os resultados não demoraram a aparecer: a velocidade média dos coletivos na cidade aumentou 50% nos últimos seis meses. O que já é suficiente para reduzir o stress do condutor Lazaro Pereira Batista, que realiza três viagens por dia entre os bairros de Santana, na Zona Norte, e Jabaquara, na Zona Sul. “Se o trânsito anda devagar, os passageiros ficam irritados e acham que é nossa culpa. Agora estão mais tranquilos”, diz ele, que passou a economizar meia hora por trajeto. “Alguns colegas têm até reclamado por fazer menos horas extras”, afirma.
A questão é que nem sempre o espaço banido para os carros está sendo usado da melhor forma possível. Um levantamento realizado por VEJA SÃO PAULO em doze avenidas que receberam faixas neste ano contabilizou o número de coletivos trafegando por ali. Em mais da metade delas, a quantidade registrada ficou abaixo da ideal. “Uma via exclusiva deve receber pelo menos quarenta ônibus a cada meia hora, para não ficar subaproveitada”, afirma o consultor de trânsito Alexandre Zum Winkel. Em cinco delas, demorou mais de um minuto para passar algum veículo. Na Avenida Engenheiro Caetano Álvares, na Zona Norte, a ociosidade era tanta que, das 18 horas às 18h30 da última segunda (16), passaram mais ciclistas do que coletivos — quinze contra catorze. No mesmo dia, na Avenida 23 de Maio, enquanto a pista de automóveis estava congestionada, apenas 28 ônibus passaram na faixa exclusiva entre 11 horas e 11h30. Para Winkel, a via poderia ser mais utilizada por pessoas que vão da Zona Leste à Sul, caso algumas linhas fossem transferidas para lá. A prefeitura está estudando a reorganização da rede com base na nova demanda. “Mas é normal que as faixas pareçam vazias, pois se houver muitos veículos elas acabam travando”, diz o secretário municipal de Transportes, Jilmar Tatto.
O aumento da velocidade média dos ônibus foi outra consequência. Segundo estudo da Secretaria dos Transportes divulgado nesta semana, o ritmo aumentou de 14 para 21 quilômetros por hora. Ainda abaixo do que foi apresentado como meta pelo prefeito Fernando Haddad: 25 quilômetros por hora. Das 77 vias analisadas pela secretaria, somente oito alcançaram esse nível. O resultado mostra que a solução adotada neste ano tem uma limitação. “As faixas ajudam como solução rápida e necessária, mas os corredores são muito mais eficientes porque têm menos interferência dos carros”, aponta o engenheiro de tráfego Adauto Martinez Filho. Ao contrário das vias inauguradas neste ano, os corredores ficam à esquerda da rua, o que diminui o número de carros que entram para virar à direita em alguma rua ou garagem. O problema é que são mais caros e demoram pelo menos dois anos para ficar prontos, pois é preciso construir uma plataforma de embarque. Já para fazer uma faixa basta pintar a rua e colocar algumas placas de sinalização. O estagiário de direito João Pierson usa como passageiro de ônibus os dois tipos de pista exclusiva no trajeto entre sua casa, em Santo Amaro, e o escritório, em Perdizes. Leva 45 minutos, quinze a menos do que no começo do ano, mas diz que o trânsito flui melhor no corredor. A prefeitura promete construir pelo menos 150 quilômetros de trechos desse tipo até 2016. Segundo Tatto, eles terão pista de ultrapassagem — para evitar filas de ônibus —, ciclovias e um sistema de pagamento da passagem no terminal, o que agilizará o embarque.
Soluções bem estruturadas para o trânsito são essenciais para utilizar melhor o aperto inevitável dos carros. E os impactos nos congestionamentos já estão ocorrendo. De acordo com a empresa MapLink, que monitora o trânsito, a velocidade média dos automóveis na Marginal Pinheiros às 18 horas no sentido Interlagos caiu de 39 para 33 quilômetros por hora entre junho, antes da implantação da faixa, e agosto, logo depois. No primeiro dia da nova via de 1 quilômetro na Avenida Ipiranga, na segunda (16), o taxista Valdemir Vieira da Silva notou maior lentidão. “Está complicado, levei pelo menos dez minutos a mais para cruzar a rua”, afirma ele, que precisou transferir seu ponto para a Avenida São João após dez anos na Ipiranga. “Mas, se as pessoas passarem a deixar o carro em casa, vão usar mais táxis”, pondera. As multas para a invasão do espaço dos ônibus também explodiram. De acordo com a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), foram aplicadas cerca de 350 000 de janeiro a agosto deste ano, 64% a mais que no mesmo período do ano passado. Já é a quarta infração mais aplicada em 2013. Apesar dos problemas, a criação de vias exclusivas é um caminho sem volta na opinião dos especialistas. “O sistema viário da cidade está saturado, há uma disputa muito grande por espaço e o transporte coletivo precisa ser privilegiado”, acredita o professor Jaime Waisman, da Escola Politécnica da USP.