Ex-motoboy lança CD em que rima as dificuldades da profissão
Entre uma entrega e outra, Marcelo Veronez, hoje motorista de ambulância, criou os primeiros versos do álbum 'Poeta dos Motoboys - Arte e Consciência'
Os versos começaram a brotar sob o capacete. Sentado no banco da moto, acelerando entre uma entrega e outra, Marcelo Veronez procurava a melhor opção para rimar as ideias que lhe vinham à cabeça. A velocidade, os perigos do trânsito e o temor pela própria segurança embalaram suas composições, criadas ao longo dos dez anos em que trabalhou como motoboy pelas ruas de São Paulo.
Levou a ‘vida louca’, gíria dos motoqueiros para esse cotidiano de correria, até o dia em que encarou a brutalidade da profissão que escolhera: testemunhou um colega ser atropelado e perder uma das pernas, no Minhocão. Em vez de afligir-se ou entrar em desespero, Veronez sentiu-se determinado a ajudar. Fez com que um ônibus turístico parasse para obter gelo e, assim, tentou ganhar tempo para salvar o companheiro. Tamanho esforço e sangue-frio logo se revelaram em vão, pois a vítima morreu antes de chegar ao hospital.
O impacto da experiência fez com que Veronez decidisse sair da empresa em que trabalhava. “Pedia a Deus para não ter mais de subir numa moto”, relembra. Sem dinheiro, saiu da casa onde morava. Mudou-se provisoriamente para o próprio carro, um Fiat 147 que, meses depois, foi vendido a um ferro-velho — por 130 reais. Estava na pindaíba quando surgiu a oportunidade de tomar outro rumo. Por um anúncio de jornal, soube de um concurso que lhe interessou de imediato: havia uma vaga para motorista de veículos de resgate. Trocou os pedais da moto pelos das ambulâncias do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). “Perdi a conta de quantos motoboys atendi”, diz.
Com a quilometragem de quem levou muito espelhinho retrovisor no guidão e já ajudou muito motoqueiro estatelado no chão, Veronez agora se aventura numa outra estrada. Acaba de lançar o CD ‘Poeta dos Motoboys — Arte e Consciência’ (15 reais, sob encomenda), com patrocínio de uma empresa de autopeças. Leva a palavra ‘poeta’ tatuada no braço, apelido ganho devido às rimas que entoava aos antigos colegas. “Percebi que podia cantar para alertá-los de que nenhuma entrega vale a vida de ninguém”, afirma. Na faixa que abre o disco, as palavras se combinam para dar o recado: “Se você é inconsequente, sua sorte já foi lida / Seja cauteloso, duas rodas, uma vida”.