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Animais abandonados ganham recomeço em lares paulistanos e abrigos

Com milhares de pets vivendo nas ruas da capital, alguns deles tiram a sorte grande e conseguem uma nova chance

Por Carolina Giovanelli Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 14 fev 2020, 15h59 - Publicado em 17 ago 2018, 06h00
A vira-lata Milagres com as donas (Marcelo Justo/Veja SP)
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Animal de estimação não é descartável. Apesar da obviedade da constatação, muita gente parece pensar o contrário. Vê a mascote como um produto, um brinquedo. Ao enjoar do pet ou ao menor sinal de transtorno, livra-se dele — muitas vezes de maneira cruel. Os motivos para a rejeição são diversos. Uma pesquisa realizada há três anos pelo Instituto Waltham em parceria com o Ibope Inteligência mostrou que apenas 41% dos tutores entrevistados (26% deles da capital) levariam seu bicho junto caso mudassem de casa.

Além da migração de endereço, alguns donos apontam como justificativa para o abandono latidos em excesso, bagunça, sujeira, crescimento aquém do esperado, não ter com quem deixar o pet nas férias, gravidez, e por aí vai. “Às vezes, de um dia para o outro, o tutor se desfaz de um companheiro de anos”, conta Cintia Tancredi, uma das fundadoras da ONG Vira-Lata É Dez, responsável por quase 1 000 cães e gatos.

Não há dúvida de que os bichos sofrem no processo. O zootecnista Alexandre Rossi explica que a separação do dono pode causar ansiedade, stress e outras complicações. “Isso costuma trazer cicatrizes emocionais bastante sérias ao animal”, afirma. Alguns desses bichos tiraram a sorte grande ao ser recolhidos das ruas e ter garantidos abrigo e cuidados de novas famílias ou de ONGs especializadas (conheça a história de parte deles abaixo).

A maioria desses “órfãos”, entretanto, segue ao relento. Não há número oficial para o tamanho do problema, mas só o Instituto Luisa Mell, uma das maiores entidades do tipo, recebe cerca de 180 solicitações de resgate por dia. “Conseguimos atender a média de oitenta pedidos por mês”, contabiliza a ativista.

Todos os abrigos de grupos de proteção da área estão transbordando, praticamente sem vagas e com dificuldades financeiras. A prefeitura também não possui estrutura para recolher todos os peludos à deriva. Dispõe só da Divisão de Vigilância de Zoonoses (DVZ), em Santana, onde vivem cerca de 200 cães e gatos. O órgão se concentra em ações como acolher animais sem dono que atacaram alguém ou oferecem risco à saúde pública.

Nesse cenário, sobram pets pelas ruas, que contam apenas com a bondade de estranhos. Nem as leis existentes coíbem o sufoco. Vale lembrar: o abandono tem punições previstas nas esferas estadual e federal, com pena de três meses a um ano de detenção, mais multa.

“Elas se escolheram”

Animais  abandonados
A vira-lata Milagres com as donas (Marcelo Justo/Veja SP)
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O amor é mútuo. A vira-lata Milagres veio para mudar a vida da menina Ana Laura, e vice-versa. Após ser largado na rua, o pet acabou atropelado e deixado para morrer. Teve afundamento de crânio, perdeu um olho e estava quase morto quando foi resgatado pelo Instituto Luisa Mell, em 2016. O nome Milagres veio de sua força para reviver. Quando já estava curada, no ano passado, a mascote foi levada para uma feira de adoção em um shopping paulistano. Ali, conheceu Ana Laura, 11. “Foi paixão à primeira vista, elas se escolheram”, lembra a mãe, a acompanhante terapêutica Vanessa Patricio. A garota, que é autista, se sente agora mais segura, perdeu o medo de cachorros e tem uma ligação muito forte com a companheira canina.

Aposentadoria para o frajola

animais abandonados
Dudu: gatinho idoso recebe tratamento de rei (Alexandre Disaro/Veja SP)

No fim de 2015, o gato Dudu, de aproximadamente 14 anos, foi deixado fechado em uma residência, na Zona Leste, junto de outros treze pets. Os felinos passaram fome durante dias (chegaram a comer filhotes que tinham morrido no local) até ser resgatados pela ONG Catland, que cuida de 400 bichanos. Após dois anos no abrigo, o “vovô” ganhou uma nova casa para curtir uma aposentadoria digna de rei, na companhia de outros dois irmãos felinos. “Senti que ele estava sempre meio triste. Não aguentei e acabei adotando- o”, afirma a dona do frajola, a doceira Nicole Marques. “Hoje, nem parece um animal idoso, adora brincar.”

À espera, na portaria 

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Dembe, abandonado pelos antigos donos (Divulgação/Veja SP)

O gatinho Dembe, 4, começou a ficar muito agitado no ano passado. Para se verem livres dos miados, seus donos resolveram botá-lo para fora do prédio onde morava, em Itaquera. O bichano não desistiu de voltar ao lar e esperava pelos tutores na portaria, pedindo para entrar — sem sucesso. Ao saber da situação, uma protetora castrou o pet, processo que costuma acalmar o animal. Ainda assim, os antigos donos negaram o retorno do bichano, alegando que uma de suas filhas tinha alergia a pelos. Carinhoso, ele perambulou pelo bairro até ser levado para a ONG Adote um Gatinho, onde segue aguardando por adoção. Se tiver interesse em levá-lo para casa, escreva para informacoes@adoteumgatinho.org.br.

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Labrador ligado no 220

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O labrador Zeus: deixado para trás (Marcelo Justo/Veja SP)

Um casal decidiu se divorciar, mas acabou também se separando do cachorro. O ativo labrador Zeus, de 5 anos, foi deixado para trás, sozinho, no antigo lar dos donos. Uma vizinha o alimentou através do portão até a equipe do Instituto Luisa Mell conseguir resgatá-lo, dias depois. Há um ano, após um mês na ONG, foi adotado pela família do analista Eric Oliveira. Hoje, há espaço só para ele na casa da Zona Sul, e o cão é paparicado até dizer chega. “Ele é ligado no 220”, brinca Oliveira. “Sinto pena desse tipo de pessoa que consegue abandonar um cachorro. Se você estiver deitado no chão, o labrador vai estar junto com você. O Zeus mudou todo nosso astral.”

Atropelamento e (quase) fuga

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O jabuti: processo de recuperação após atropelamento (Alexandre Battibugli/Veja SP)

No começo do mês, um jabuti de pelo menos 25 anos chegou bastante machucado ao Centro de Recuperação de Animais Silvestres (Cras), do Parque Ecológico do Tietê, gerido pelo governo do estado. Havia sido atropelado na casa em que vivia e apresentava sangramento na cabeça. Sem quererem bancar o tratamento, os donos resolveram entregálo à instituição. O réptil, cuja expectativa de vida é de oitenta anos, está em fase de recuperação. Quando possui vagas livres, o centro recebe na faixa de oitenta bichos do tipo por mês. “Muita gente vê o jabuti quase como um enfeite de jardim”, afirma a coordenadora do local, Liliane Milanelo. “No inverno, eles costumam ficar entocados. Há casos de tutores que esquecem da existência do animal e deixam de alimentá-lo, por exemplo.”

Filhote desamparado

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O macaquinho: chegou por aqui através do tráfico de animais (Alexandre Battibugli/Veja SP)
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O sagui da foto abaixo, com cerca de 1 mês de vida, foi parar no Cras do Parque Ecológico do Tietê, pois sua compradora descobriu que a nota fiscal do bicho era falsa — ou seja, o macaquinho veio do tráfico. Para evitar problemas, ela entregou ao lugar o pequeno primata, pelo qual desembolsou mais de 2 000 reais. A equipe da instituição de preservação de bichos exóticos ouve todos os dias uma sorte de motivos para as doações. Esse saguizinho, por exemplo, é agora uma fofura, mas cresce e vive até a faixa dos 18 anos. “Ele faz barulho, tem cheiro forte, demanda alimentação especial e veterinário específico”, explica a coordenadora Liliane Milanelo. A maior parte dos bichos recebidos no Cras apresenta problemas de desnutrição e comportamento. A ideia é que o sagui se desenvolva e seja devolvido a seu local de origem na natureza, no Nordeste, em, no mínimo, quatro meses.

Jogada da ponte

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A vira-lata Karen: cadela foi jogada de um viaduto na região do Rodoanel (Divulgação/Veja SP)

Há dois anos, a vira-lata Karen era um filhote de apenas 6 meses de idade. Na época, a cadela acabou vítima de uma maldade que a marcou pelo resto da vida. Foi jogada de um viaduto na região do Rodoanel em uma tentativa de se livrarem dela. A peluda, entretanto, sobreviveu à queda. A pessoa que a resgatou escutou um bater de porta de carro na estrada e, em seguida, viu “algo” ser arremessado da ponte. O animal foi levado às pressas, com muita dor, para a ONG Clube dos Vira-Latas, na região de Ribeirão Pires. Mesmo depois do tratamento, o pet perdeu a capacidade de andar. Vive desde então no abrigo da entidade. Talvez por algum trauma, não gosta de homens. Karen espera agora por mais uma reviravolta, como o acolhimento de uma nova família que possa cuidar dela. Se você quiser adotá- la, escreva para contato@ clubedosviralatas.org.br

PARA EVITAR O ABANDONO

O que se deve saber antes de adotar um pet

Ninguém precisa ser rico, mas, assim com o um filho, as mascotes demandam gastos. Programe o orçamento.

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Quando a adoção se dá durante a fase de filhote, saiba que é quase impossível prever o tamanho e o temperamento do pet no futuro. Esteja preparado para qualquer cenário.

A raça da moda pode ser esta ou aquela, mas seu bichinho provavelmente vai viver mais do que a tendência. Cachorro não serve para dar status.

Caso não sejam castradas e tenham acesso à rua, as fêmeas podem ficar prenhes. A responsabilidade das crias é do tutor.

Se for dar um peludo de presente a alguém, tenha certeza de que a pessoa deseja um animal e consegue cuidar dele. Afinal, é um mimo que “durará” por muitos anos.

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