Cao Hamburger: “’Avatar’ é uma cópia barata da cultura do índio brasileiro”
Diretor quer chamar a atenção do público para a questão indígena em “Xingu”
Não seria um exagero dizer que “Xingu” é um épico: orçado em 15 milhões de reais – valor nada modesto para o cinema nacional –, com cenas que chegam a ter mais de 300 figurantes, o filme que narra a fundação do maior Parque Indígena do mundo, na década de 60, demorou cinco anos para ficar pronto, entre a pesquisa de roteiro até o corte final.
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O ambicioso projeto de Cao Hamburger, de “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias”, colheu elogios no Festival de Berlim e, no final do mês, segue para Tribeca, importante mostra de cinema de Nova York. O público brasileiro poderá conferir o longa a partir desta sexta (6). Só em São Paulo, “Xingu” estará em mais de 25 salas.
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Em entrevista à VEJA SÃO PAULO, Cao Hamburger falou do complicado processo de filmagem e da mensagem de “Xingu” – relembrar a importância da questão do índio brasileiro, uma cultura, segundo ele, tão rica que já inspirou filmes de Hollywood: “Os americanos vieram aqui e roubaram essa riqueza. A base de ‘Avatar’, por exemplo, é uma cópia barata da cultura do índio brasileiro”.
VEJA SÃO PAULO — O roteiro de “Xingu” é assinado por você, Helena Soares e Anna Muyalert. De onde surgiu a ideia de fazer o filme?
Cao Hamburger — Na verdade, foi o filho do Orlando Villas-Bôas quem nos procurou, dizendo que a história de seu pai e de seu tio estava sendo esquecida. Nós gostamos da ideia e começamos a pesquisar. A única condição que impusemos foi ter liberdade total. Não iriamos aceitar interferências da família. Foi um processo bastante difícil, pois a expedição dos Villas-Bôas tem poucos registros. Fizemos entrevistas com familiares, pessoas que trabalharam com eles, e com alguns indígenas com quem tiveram contato.
VEJA SÃO PAULO — Quanto tempo durou todo esse processo?
Cao Hamburger — Demoramos um ano e meio para chegar ao roteiro final. O resultado é uma costura de vários episódios, momentos pelos quais passaram os Villas-Bôas durante a expedição. Ao todo, o filme demorou cinco anos para ficar pronto, entre o roteiro, a pré-produção, as filmagens, a edição e o lançamento.
VEJA SÃO PAULO — Desse tempo todo, o quanto foi gasto com as filmagens e como foi a experiência de realizá-las?
Cao Hamburger — Ficamos quatro meses no norte do Mato Grosso. Foi uma operação arriscada. Trabalhamos em condições difíceis, num lugar distante, de difícil acesso, sob calor muito intenso. Sofremos alguns imprevistos também. Mas nem tudo foi ruim: ficamos hospedados nas ocas indígenas, onde fomos muito bem tratados.
VEJA SÃO PAULO â O filme chama a atenção para a questão indígena, mas não é panfletário. Esse tom brando foi uma escolha?
Cao Hamburger — Acho que o filme tem uma mensagem direta e atual. Fala mais do que de terras indígenas. Para mim, “Xingu” trata de uma questão pertinente a toda a nossa civilização. Fala de como estamos numa encruzilhada. Temos de decidir que modelo de progresso vamos adotar daqui para frente: esse modelo antigo, do milagre econômico, do século XX, que ainda estamos usando, ou algo inovador, sem matar ou desmatar.
Você considera ousada a posição dos Villas-Bôas de quererem fundar um parque nacional no Brasil nos anos 60?
Cao Hamburger — Uma das coisas que mais me surpreendeu é que eles se colocaram numa posição muito conflituosa: ao mesmo tempo em que tinham de avançar, seguir com a expedição, eles dependiam totalmente dos índios. Isso gerou muito sofrimento e cada um reagiu de uma forma. Você pode ver os diversos conflitos familiares que surgiram. Ainda hoje, esse encontro de duas civilizações é algo muito difícil, muito dramático. Isso só reforça que cada vez mais é importante proteger o Xingu. O parque está cada vez mais ameaçado no seu entorno e também pela votação do novo Código Florestal.
VEJA SÃO PAULO â Você considera o Xingu uma utopia?
Cao Hamburger — Uma utopia que deu certo. E, para continuar dando certo, é preciso lembrar da importância de proteger. E não somente o patrimônio físico, mas o que pra mim é a maior riqueza do Brasil, que é a cultura indígena, tão linda e tão evoluída. Os americanos já perceberam isso, vieram aqui e a roubaram. O maior exemplo disso é o filme “Avatar”, cuja base é uma cópia barata, banal, da cultura do índio brasileiro.