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Negócio do bem: empresas de impacto social geram soluções para a capital

Uma geração de empreendedores cria companhias que geram lucros e lançam mudanças

Por Juliene Moretti Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Tatiane de Assis Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 22 mar 2019, 12h51 - Publicado em 22 mar 2019, 06h00
Confecção na Galeria Metrópole: emprego para ex-detentos (Alexandre Battibugli/Veja SP)
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Atualmente, 1 002 empresas de impacto social positivo atuam no Brasil com foco nos problemas sociais. Em 2017, eram 579, portanto houve um crescimento de mais de 70% em dois anos. Esses são os números identificados e divulgados na terça- feira (19) no segundo Mapa de Negócios de Impacto Social + Ambiental, realizado pela principal empresa de mapeamento do setor, Pipe.Social. São negócios desvinculados tanto do terceiro setor quanto do poder público que operam em áreas de educação, saúde, serviços financeiros, cidadania, cidades e tecnologias verdes. Como definir se a empresa é do bem ou visa só ao lucro? “Usamos os conceitos estabelecidos pela Aliança pelos Investimentos e Negócios de Impacto, com quatro diretrizes”, explica Lívia Hollerbach, sócia-fundadora da Pipe.Social. Passam no crivo projetos que têm a resolução de um problema (social ou ambiental, por exemplo) como missão, compromisso com a medição do impacto, caráter autossustentável (que não dependa de filantropia) e comunicação direta com a comunidade afetada. No levantamento recente, 38% dos negócios com essas características encontram-se no Estado de São Paulo.

Muitos dos empreendedores são jovens adultos, de 30 a 39 anos. “São pessoas da geração Y, que questionam tudo, até mesmo a busca desenfreada pelo lucro, e que agora começam a chegar à posição de comando e ter acesso a investimentos”, diz Daniel Izzo, sócio da Vox Capital, que promove acelerações para negócios de impacto. Desde a criação da Vox, em 2009, 23 empresas já receberam recursos por intermédio dela — um movimento que soma 80 milhões de reais. “Ainda existe bastante espaço para ocupar e crescer, vários projetos não são postos em prática porque os investimentos estão concentrados”, explica Maure Pessanha, da Artemisia, ONG aceleradora de start ups com foco na população de baixa renda. “É um processo complexo e com muitos desafios pela frente, até porque o lucro não é imediato. Se ONGs, políticas públicas e os negócios de impacto estiverem em sintonia, o benefício será para todos”, completa Maure. “É um mercado ainda bem jovem no Brasil, mas que já se mostra um caminho sem volta”, diz Lívia.

Inclusão social entre costuras

Um dos responsáveis pela produção de camisetas e ecobags de algodão orgânico da Panosocial, o paulistano Rodrigo Alves da Silva, 30, faz movimentos um tanto geométricos com as mãos para explicar seu dia a dia: “É tudo matemática, tem de encaixar a modelagem e os diferentes tamanhos para não desperdiçar o tecido”. Criado pela produtora de moda Natacha Lopes, 42, e pelo designer austríaco Gerfried Gaulhofer, 46, em 2014, o empreendimento na Galeria Metrópole emprega egressos do sistema penitenciário. “Depois que saí da cadeia, entreguei vários currículos, mas nunca ninguém ligou de volta. O pessoal aqui abriu as portas para mim”, relembra Silva, contratado desde outubro para compor a equipe de onze pessoas. “Falta mão de obra no ramo de confecção, enquanto os ex-detentos têm dificuldade de encontrar oportunidades. Unimos uma necessidade com uma demanda”, afirma Natacha. A lista de clientes, que inclui Greenpeace, WWF e MAM, mantém a receita mensal na casa dos 70 000 reais, valor ainda insuficiente para cobrir todos os gastos. “É preciso que haja uma mudança na legislação para que empresas como a nossa consigam algum abatimento nos impostos”, defende ela.

Guilherme Brammer
Guilherme Brammer: trabalho conjunto com cooperativas de reciclagem (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Reciclando tampinhas

Bem antes de os olhares se voltarem para os canudinhos, o engenheiro Guilherme Brammer, 42, decidiu dar novo uso a outros produtos triviais que iriam parar no lixo, como tampinhas de xampu e recipientes de amaciante. Na Boomera, fundada em 2011 como WiseWaste e rebatizada em 2017, ele transforma o polietileno e o polipropileno das peças em expositores de mercadorias em supermercados, por exemplo, para criar uma economia circular. “Queria fazer algo para melhorar o mundo”, afirma Brammer. Além de beneficiar o meio ambiente, a Boomera, que trabalha com gigantes como a Procter & Gamble, atua na capacitação de cooperativas de reciclagem. “Pensamos sobre as condições de trabalho e a eficiência da produção.” Neste ano, a previsão de faturamento é de 60 milhões de reais.

Lima, Assad e Coelho
Lima, Assad (no centro) e Coelho: obras parceladas em até trinta vezes (Alexandre Battibugli/Veja SP)
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Reforma de baixo custo

Depois de trabalharem com prefeitura e governo na construção de habitações populares, Fernando Assad, 35, Igiano Lima, 38, e Marcelo Coelho, 39, identificaram uma necessidade. “Vimos que a readequação da moradia era mais interessante do que a casa nova do outro lado da cidade”, diz Assad. Sem iniciativas específicas para reformas, eles desenharam em 2014 o Programa Vivenda, no Jardim Ibirapuera, na Zona Sul. O interessado compra “kits” que podem ser parcelados em até trinta vezes, com mensalidades a partir de 90 reais. No de banheiro, por exemplo, o serviço contempla conserto de vazamentos e colocação de azulejos. Além do material, está inclusa a mão de obra das reformas, que levam em média seis dias e custam cerca de 8 000 reais. Os três já contabilizam mais de 1 200 obras. “Os moradores tinham vergonha de chamar os vizinhos para sua casa, hoje não mais”, explica Assad. Nesta semana, uma nova loja foi aberta, no Campo Limpo. “Vimos que o modelo funciona, e agora é preciso escalonamento para deixá-lo autossustentável”, afirma.

Carlos Barros - empresas de impacto social positivo
Carlos Barros: independência financeira para a baixa renda (Ricardo D'Angelo/Veja SP)

Microcrédito para contas do mês

Os sócios Carlos Barros, 48, e Fernando Silva, 53, analisaram fintechs, empresas financeiras de tecnologia, da África para chegar ao modelo da plataforma Jeitto. Clientes que não possuem conta em banco ou a usam apenas para receber o salário conseguem crédito de até 200 reais para pagar faturas de luz, água, gás e telefone. O empréstimo tem data de vencimento e cobrança de tarifas fixas, em vez de taxas de juros. “Uma operação pode custar 2,99 reais, por exemplo”, explica Barros. Com cerca de 30 000 clientes, a empresa já recebeu investimentos de 12 milhões de reais desde a sua criação, em 2014. Neste ano, a expectativa de faturamento é de 4,5 milhões de reais. “A ideia é que as pessoas tenham independência financeira”, diz Barros.

Alex e Rafael Seibel
Os primos Alex e Rafael Seibel: produtos de limpeza por e-commerce (Alexandre Battibugli/Veja SP)
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Limpeza sustentável

“Uma rede de pesca leva até 6 000 anos para se decompor”, diz o empresário Alex Seibel, 32. Pensando nisso, ele criou uma parceria com uma artesã em Santa Catarina e com os pescadores da cidade. Materiais que não servem mais, em vez de ser jogados fora, seriam transformados em buchas de lavar louça. “Substituem a palha de aço, por exemplo”, afirma. A POSITIV.A, que Seibel fundou em 2016 ao lado de seu primo, Rafael, 35, também fabrica produtos de limpeza como lava-louça, multiúso e lava-roupa feitos com óleo proveniente da laranja e do coco. “Produtos que não possuem petrolatos são mais saudáveis para o meio ambiente e para quem os usa”, explica. A linha de trinta itens inclui ainda panos de prato de algodão orgânico e buchas vegetais, que podem ser comprados pelo e-commerce ou em oitenta lojas parceiras. O faturamento do ano passado chegou a 2 milhões de reais.

Bonjean
Bonjean: “Em média, a pessoa precisa de 2 600 reais para organizar seu negócio” (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Inteligência artificial para novo empreendedor

Bernardo Bonjean, 42, trabalhou anos no mercado financeiro e tinha como hobby fazer rally de motocross pelo interior. Em suas viagens, encontrava pequenos empreendimentos de proprietários que se desdobravam para continuar com as portas abertas. “São pessoas invisíveis para os bancos, que não têm condições de pedir empréstimos tradicionais”, conta. A Avante ocupa esse espaço com tecnologia de inteligência artificial, que consegue traçar o perfil do empreendedor e a viabilidade do negócio. Nos sete anos de funcionamento, já são mais de 100 000 clientes pelo Brasil, que fizeram empréstimos de 250 milhões de reais. Segundo ele, 70% das propostas dão certo e a faixa de inadimplência não passa dos 8%, considerada baixa. “Em média, o interessado precisa de cerca de 2 600 reais para organizar seu negócio”, diz.

Juan Muzzi
O artista plástico e empresário Muzzi em sua bicicleta ecológica: venda para 22 países (Ricardo D'Angelo)
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Bicicletas feitas de caixas de leite

Aos 70 anos, o empresário e artista uruguaio radicado no Brasil há mais de quarenta Juan Carlos Calabrese Muzzi lançou a Muzzicycles. O quadro das bicicletas, vendidas a partir de 980 reais, é produzido com materiais que seriam descartados, como caixinhas de leite e garrafas Pet. Inventor da mola maluca, brinquedo com uma série de espirais coloridos que fez a alegria da criançada nos anos 90, Muzzi produziu sete protótipos de bikes antes de chegar à versão final, agora disponível em 22 países, como Áustria e Alemanha (só no Brasil, mais de 5 000 unidades já foram comercializadas). “Elas são como esculturas dinâmicas, construídas com material reciclável. O segredo de tudo é observar a natureza: ela nos diz o que fazer”, explica. Depois de feito o pedido no próprio site da fábrica, é preciso esperar até quinze dias para a confecção da peça, que pesa entre 12 e 16 quilos e não é compatível com motor elétrico. Só no ano passado, as bicicletas sustentáveis garantiram a Muzzi o faturamento de 800 000 reais.

Alvimar Alves da Silva
Alvimar Alves da Silva e a filha Aline Landim: o próximo passo é o app próprio (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Mobilidade na periferia

De cabelos grisalhos e fala acelerada, o paulistano Alvimar Alves da Silva, 50, é o fundador da Jaubra, apelidada pelos moradores da Brasilândia, na Zona Norte, de “Uber da quebrada”. A empresa, criada em 2017, tem cinquenta motoristas em atividade e atende a cerca de 3 000 chamadas por mês. Além de gerar renda para profissionais do próprio bairro, a iniciativa preenche a lacuna de mobilidade deixada pela deficiência do transporte público e também pelos demais aplicativos de transporte, que não disponibilizam atendimento na região. “Durante a semana, as pessoas nos procuram para ir ao médico, ao supermercado e ao trabalho”, conta Silva, que recebe as demandas dos clientes via WhatsApp. Neste ano, a empresa obteve uma verba de 32 000 reais do edital Vai Tec, da prefeitura, o que tornou possível alugar uma sede com escritório e sala ampla para reuniões. Aline Landim, filha de Silva e responsável pela guinada tecnológica do negócio, está à frente do projeto do aplicativo próprio, para automatizar os pedidos. A nova ferramenta possibilitará cadastrar mais motoristas (há 500 na fila de espera) e atender a parte das 2 500 chamadas que hoje eles não têm como dar conta.

Pluv.On
Santos, Tolezano, Godoy e Mariana com a estação meteorológica: análise do tempo para enviar alertas de risco de enchentes (Antonio Milena/Veja SP)
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Mensagens de São Pedro

Há três anos, o quinteto formado pelos engenheiros Diogo Tolezano e Pedro Godoy, pelo administrador Murilo Souza, pela designer Mariana Marcílio e pelo cientista de dados Hugo Santos, todos na faixa dos 30 anos, começou a debater como a internet das coisas e a inteligência artificial poderiam minimizar as perdas geradas pelas enchentes. Mas bateram de frente com um problema: não havia dados suficientes para traçar um plano. “Demos um passo atrás e criamos uma estação meteorológica com tecnologia nacional”, diz Tolezano. Foi então que nasceu a Pluvi.On. Os aparelhos, de cerca de 40 centímetros, são capazes de refinar e detalhar a previsão do tempo. Depois de ser acelerado pelo Google, Facebook, Artemisia e Din4mo, o projeto foi incluído na plataforma United Smart Cities, da ONU. Teve suas primeiras experiências em novembro de 2016, em parceria com a Prefeitura Regional da Lapa, e agora está em fase de instalação no Jardim Pantanal, na Zona Norte. Até o momento, encontram-se em pleno funcionamento 23 estações na cidade, montadas principalmente em empresas. O objetivo é abrir as vendas diretas, iniciar um crowdfunding para estar em 350 pontos e desenvolver um sistema de avisos via celular. “Será o São Pedro Bot, para o envio de mensagens sobre os riscos para comunidades.

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 27 de março de 2019, edição nº 2627.

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