Destaque de escola de samba cai e mata cronista no desfile das escolas de São Paulo.” Essa chamadinha de jornal passa pela minha cabeça enquanto assisto às tentativas de colocar uma dançarina exuberante e pouco vestida na parte de cima do mesmo carro alegórico onde me encontro, junto com dezenas de amigos da velha guarda. Corre o ano de 2014.
É a oitava vez, se não me engano, que saio na Pérola Negra, agremiação recreativa e musical dedicada ao samba e aos desfiles de Carnaval, com sede na Vila Madalena, perto de onde moro. Estou na área de acesso à pista do Sambódromo (palavra essa que adoro). Acompanham a dançarina, numa plataforma de madeira, pendurada no ar por cabos de aço de um guindaste movido a óleo diesel, um bombeiro e uma estilista pessoal, encarregada da maquiagem e da roupa da carnavalesca.
O objetivo é instalá-la no alto do carro alegórico, 10 metros acima da minha cabeça. Está difícil. O bombeiro não consegue embarcar a dançarina. Para tanto, ele precisa laçar a estrutura do veículo com uma corda, como um caubói, e puxar a plataforma até conseguir amarrá-la, ali, junto ao carro, provisoriamente. O guindaste ronca e solta fumaça preta. A plataforma gira, vai para a frente e volta para trás. A dançarina solta gritinhos.
Sempre que se aproxima docarro, o bombeiro aproveita o embalo e joga a corda, sem sucesso. Passam-se cinco, dez, quiçá quinze minutos nesse vaivém aéreo. Chego a prender a respiração. A concentração no Sambódromo antes do desfile das escolas é um dos meus momentos favoritos no Carnaval. Nunca vi essa aglomeração devidamente fotografada, dig ase. Personagens exóticos e fantasiados se movimentam sem muito rumo por entre carros alegóricos gigantescos e surreais, garis uniformizados e policiais. Tem-se a sensação de estar em outro planeta.
O cenário é muito louco, mesmo, mas há regras nesse universo paralelo. Não se permite nenhum tipo de discriminação, seja sexual, racial, por escola ou fantasia, o que for. A hierarquia é tênue e determinada pelo samba. Quanto melhor é o músico, o dançarino, o figurino, ou menor é a roupa, mais respeito merece. Os mais velhos também são tratados com certa deferência. O horário, acredite, é suíço. Três minutos de atraso põem a perder o espetáculo. E o ambiente, surpreendentemente, é de competição.
A ordem se mantém com a ameaça constante, muitas vezes repetida, de “perder pontos”. É por isso que ninguém desfila com uma lata de cerveja na mão, embora a embriaguez — desde que moderada — seja tolerada. Desfilar de cara limpa diante de milhares de espectadores e câmeras de televisão não é para qualquer um. Trata- se, afinal, de uma festa.
No fim, conseguiram embarcar a dançarina no carro alegórico, que partiu, comigo e com toda a velha guarda no andar de baixo, empurrado por diversos integrantes da escola. Emociono-me nessa hora, todo ano. Acho extraordinário um país que tem como principal festa cívica o Carnaval. Há uma sabedoria nisso, que é bonita, é bonita, é bonita.