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“Do pastel à degustação, muito freguês não se cuida”, conta feirante

Comerciante atua na Zona Leste e relata descaso de consumidores com relação às medidas de segurança contra o coronavírus

Por Rodrigo Jalloul, 34 anos, em depoimento a Mariani Campos
Atualizado em 27 Maio 2024, 17h57 - Publicado em 3 jul 2020, 06h00
O feirante Rodrigo Jalloul: consumidor quer degustar os produtos mesmo com a covid-19 (Rogério Palletta/Veja SP)
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“Quando tudo isso começou, as pessoas não levaram a sério. Ninguém de máscara, e a feira continuou normalmente. Passados os primeiros quinze dias de quarentena, e com o número de mortos aparecendo, as pessoas começaram a se cuidar mais. Nós, os feirantes aqui da Zona Leste, entramos em comum acordo de oferecer álcool em gel em toda barraca, além de máscaras. Cortamos a degustação também, tudo pensando em não sofrer restrições da prefeitura.

Nosso movimento caiu em torno de 40%. As pessoas ainda vêm à feira, mas não compram quase nada. Mantivemos todos os nossos funcionários, claro, mas tivemos de cortar despesas em casa: nada de compras parceladas ou gastos supérfluos. Meu pai estava com um projeto de construir algumas casas para alugar, mas cancelamos. Quem sabe em 2021.

Ainda que a gente tome todos os cuidados, nossa maior dificuldade tem sido os clientes. Veja bem: instalamos pias de inox perto de várias barracas, principalmente da do pastel e do caldo de cana, para as pessoas higienizarem as mãos. Muitas se recusam, dizem que não precisa. Fora as que continuam comendo na frente da barraca, desrespeitando a norma de “pastéis, só para viagem”. Com medo de perderem o freguês, os donos das tendas de comida não falam nada, e o problema fica por isso mesmo.

A barraca da minha família vende queijos. Meu pai, com mais de trinta anos de feira, gosta de oferecer degustações aos clientes, mas cortamos essa prática logo no início da quarentena. Mesmo assim, tem gente que chega aqui e pede para provar. Alguns, quando ouvem a nossa recusa, ainda falam “mas não tem ninguém olhando”. A questão não é essa, estamos em pandemia, os casos estão aumentando, então precisamos ter consciência. Você oferece álcool em gel à pessoa e ela se recusa a passar, diz que já se higienizou no carro. Oferecemos máscaras, com custo que sai do nosso bolso, mas mesmo assim tem cliente que só diz não, que é bobeira. Meu pai tem 64 anos, é cardíaco e precisa continuar trabalhando. Fico com medo de ele se contaminar, de eu pegar. Recentemente perdemos um parente, que também trabalhava com queijos, para a Covid-19. No começo achou que não tinha nada, continuou indo trabalhar. Depois de um tempo foi internado e não durou uma semana, já veio a óbito.

feirante diário dos sem-quarentena
“Nosso movimento caiu em torno de 40%. As pessoas ainda vêm à feira, mas não compram quase nada.”, conta o comerciante (Rogério Pallatta/Veja SP)
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Querendo ou não, é uma linha de frente, né? Atendemos de 500 a 600 pessoas por dia de feira. Eu sei que estou me cuidando, mas e o próximo? Já presenciei pessoas de idade falando “essa porcaria não vai me pegar, não”. É difícil lidar com isso. Eu não me sinto deprimido nem nada, acho que por estar saindo de casa não me afetou dessa forma, mas eu vivo com um constante medo de me contaminar.

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Nós, feirantes, temos feito todo o possível para evitar o contágio. Além das medidas básicas, suspendemos a xepa, por acumular muitas pessoas em busca dos preços mais baixos. Estamos trabalhando com os valores numa média entre o que custa no começo da feira e no final, assim nem cliente nem feirante são prejudicados. Mas sempre tem os que não cooperam. Tivemos o caso de um comerciante aqui da Zona Leste que pegou o coronavírus e continuou vindo para a feira, disse que iria trabalhar de qualquer jeito. Quem nos avisou foi a própria esposa dele, que não queria que ele saísse de casa. Fomos até a sua barraca e dissemos que aqui ele não iria vender nada, fizemos ele ir embora. Não tem como deixar uma coisa assim acontecer.

Muitos clientes de mais idade gostam de vir aqui conversar, temos amizade com eles. Durante todo esse tempo, eles se mantiveram em casa, mas depois de três meses já não aguentam mais ficar isolados, sentem falta de sair, de colocar a conversa em dia. Temos orientado que venham de manhã bem cedo, assim não tem aglomeração e eles não correm tanto risco. E mantemos a distância, claro.

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Em casa somos eu, meu pai, minha tia, meu tio e meu primo. Quando nós voltamos do trabalho, tiramos toda a roupa, deixamos em um cesto separado só para isso e lavamos as peças em máquinas diferentes: uma para as roupas da feira e outra para as que não usamos para sair. Dentro de casa passamos álcool nas superfícies toda hora, e uma vez por semana nosso quintal, que é grande, é higienizado com cloro junto com o caminhão que leva os produtos.

É importante ressaltar que tem muito feirante fazendo trabalho voluntário em meio a esse caos. Temos doado caixas de frutas e verduras a comunidades como a da Brasilândia, muito afetada pela doença. Outros têm contratado moradores de rua, ex-presidiários, pessoas que encontram dificuldade para conseguir emprego. Temos de nos unir.”

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 8 de julho de 2020, edição nº 2694. 

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