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Ela quer ser a pediatra da família

Hamilton Marques fala sobre o cotidiano com Júlia, que tem síndrome de Vater

Por Mauricio Xavier
Atualizado em 14 Maio 2024, 12h05 - Publicado em 13 ago 2011, 00h50

“Júlia foi uma criança muito desejada. Eu estava casado havia três anos, com a vida estabilizada, e planejamos bastante sua chegada. No ultrassom morfológico da 25ª semana de gestação, surgiu a possibilidade de ela ter a síndrome de Vater, uma anomalia que pode afetar a coluna, os rins, o coração e outros órgãos. Foi um baque. Você nunca imagina seu filho com uma deficiência. Ainda mais uma doença com nome estranho, que eu não conhecia: pensei que ela ficaria na cama para sempre.

Acabou sendo um alívio ver que não foi tão complicado quanto era esperado. Conforme descobrimos depois, nossa menina é portadora de um grau mais leve da doença. Seu desenvolvimento no aprendizado é normal. Mesmo assim, ela já passou por quatro cirurgias: duas do aparelho urinário, uma do coração e uma da coluna. Ela tem no corpo catorze parafusos e duas placas de fixação que lhe permitem ficar reta. Não existe a expectativa de que deixe de usar muleta. Terá sempre restrição para andar.

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No começo, evitávamos sair na rua com ela. Era difícil enfrentar os olhares das outras pessoas. Nos dois primeiros anos, nós a cercamos de cuidados, preservamos muito o bebê, ficamos praticamente vivendo dentro de casa.

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Com o tempo, percebemos que Júlia se adapta bem e é mais forte do que imaginávamos. Até porque já passou por muito nessa vida. Hoje quero que minha filha tenha uma rotina normal. Adoramos, por exemplo, passear com Titã, o cãozinho dela. Mas sei que ela não vai conseguir fazer tudo o que deseja. Vira e mexe, surgem dificuldades nas brincadeiras na rua. As colegas da mesma idade têm quase o dobro do tamanho de Julia.

Às vezes, ela se queixa: ‘A minha amiga não quis brincar comigo porque eu não consigo ir atrás da bola’. Digo que nada a impede de se divertir, dentro da sua restrição. Em algumas ocasiões, chegou a ficar muito chateada. No geral, porém, supera tudo e acaba se integrando. A mudança recente para uma nova escola é um sinal disso. Foi bem tranquila. Eu até estava preocupado, porque a matrícula já havia sido recusada em três colégios: disseram que não tinham estrutura para recebê-la. Por direito, eram obrigados a aceitar. Mas penso que, se eu forçar, não vai ficar uma situação legal.

Minha filha sempre chama atenção. Parece que tem uma luz. O tempo todo me mostra que, mesmo com dificuldades, a gente pode se adaptar, passar por cima e atravessar os obstáculos. Não sei se é porque frequentou muitos hospitais desde pequena, mas Júlia diz que será ‘médica de criança’ quando crescer. Vou fazer o que estiver ao meu alcance para realizar esse sonho.

Hamilton Marques, 43 anos, veterinário, pai de Júlia, 6, com síndrome de Vater

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