Após projeto de despoluição, margem do Pinheiros ganhará novo parque
Com a eliminação de 86% do despejo de esgoto, local terá, em junho, o Parque Bruno Covas, área de lazer com quase metade do tamanho do Ibirapuera
“Esse caminho era conhecido como ‘Faixa de Gaza’. Sempre foi abandonado, perigoso. Agora, venho andar de bicicleta três vezes por semana aqui”, diz o músico e ex-apresentador Luiz Thunderbird, 61, que na manhã do último dia 4 pedalava pelo futuro Parque Bruno Covas, na altura do Panamby. A inauguração está marcada para junho, mas eventuais interessados — como o carismático “Thunder” — já podem frequentar a nova área de lazer da cidade, ainda com obras em curso.
O parque terá aproximadamente 650 000 metros quadrados (ou 40% do Ibirapuera) e ocupará a margem oeste do Rio Pinheiros (o lado do Morumbi) entre as pontes João Dias e Cidade Jardim. Um segundo trecho, até a ponte do Jaguaré, deve ficar pronto no fim do ano. Tudo feito só com dinheiro privado: 58 milhões de reais, investidos por um grupo de empresários com negócios na região, que vai explorá-lo até 2025. Na prática, claro, a ideia só se tornou viável graças ao projeto de 2,8 bilhões de reais de despoluição do rio, que saneou 558 000 imóveis na bacia do Pinheiros nos últimos dois anos e meio. Ou seja, 1,5 milhão de pessoas, o equivalente à população de Porto Alegre, deixou de despejar esgoto em suas águas, cuja mudança no aspecto — e no cheiro — é evidente.
Antes uma “Faixa de Gaza”, a ciclovia do parque ganhou o mesmo acabamento da pista que funciona na margem oposta, recuperada nos últimos anos. Com uma diferença: enquanto a via que fica junto ao trem da CPTM só permite a entrada de bicicletas, o novo parque será aberto a pedestres, skatistas, patinetes e até animais domésticos — haverá uma área de 4 000 metros quadrados especialmente dedicada à diversão dos pets. Terá mais cafés, restaurantes e lojas: serão cinquenta pontos comerciais, enquanto a margem oposta tem vinte.
Uma pista de corrida vai acompanhar toda a extensão da ciclofaixa. O percurso será preenchido por parquinhos, espaços de convivência, banheiros, totens para encher garrafas d’água, pista de skate, um mirante flutuante e quadras de basquete e beach tênis (veja o mapa abaixo). Vai englobar, ainda, a futura Usina SP, uma empreitada de cerca de 550 milhões de reais (também privados) que transformará a Usina de Traição em um complexo multiúso moderno — uma das sócias é a JHSF, autora de projetos como o shopping Cidade Jardim e a Fazenda Boa Vista, no interior do estado.
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No início, o parque terá apenas cinco pontos de acesso. Só não tem mais por culpa de um faraônico empecilho: o monotrilho inacabado, em obras no lado oposto do rio. Duas entradas serão passarelas flutuantes sobre as águas — cena difícil de imaginar tempos atrás — que vão conectar as ciclovias das duas margens: uma em frente ao Parque do Povo (prevista para o segundo semestre) e outra na altura do Parque Global (para junho), megaempreendimento imobiliário próximo ao Panamby que é um dos principais patrocinadores da área verde.
“Nosso sonho é transformar o parque em algo similar ao Madrid Rio (na capital espanhola) ao longo do tempo”, diz Adalberto Bueno Netto, sócio do empreendimento. A construtora vai instalar uma passarela sobre as pistas da Marginal Pinheiros naquele ponto, ligando o parque a um estacionamento privado. A quarta entrada, na ponte Laguna, já existia. A quinta ficará na Ponte João Dias. Haverá ainda três estacionamentos: o do Parque Global (150 carros), um ao lado da Usina SP (100 carros) e o outro próximo ao Projeto Pomar, na ponta sul do parque (150 carros), trecho mais arborizado do trajeto.
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Desde a inauguração, portanto, será possível fazer uma pedalada de 17 quilômetros à beira-rio sem dar meia-volta: você acessa a ciclofaixa pela Ponte Cidade Universitária, vai até a passarela flutuante do Parque do Povo, atravessa ali para o Parque Bruno Covas, segue até a altura do Panamby, cruza a outra passarela flutuante e avança pela margem leste até a estação Jurubatuba, onde tem uma saída para a cidade. Terá percorrido dois terços dos 25 quilômetros do Rio Pinheiros, que vai da Billings ao Cebolão.
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A transformação das margens é resultado de um dueto afinado entre poder público e iniciativa privada. Após décadas de promessas não cumpridas de limpeza do rio, o empresariado inicialmente relutou em abraçar o novo projeto. “Até hoje, quando converso com bancos ou potenciais parceiros, eles me perguntam se a água vai ficar limpa mesmo”, diz Thiago Nagib, sócio da Usina SP. Spoiler: já ficou. Não 100% limpa, claro. Mas é um “novo” rio.
Dos 2 800 litros de esgoto que caíam por segundo no Pinheiros, 2 400 foram saneados. O restante deixará de atingir o leito até o fim do ano, quando o projeto chega a 100% da meta (está em 86%). Falta instalar cinco estações de tratamento, em córregos de regiões onde não era possível fazer tubulações de esgoto. “Resolvemos a raiz do problema. Não é como se existisse uma barcaça limpando o rio que, se parar de trabalhar, ele volta a ficar sujo”, diz Marcos Penido, secretário de Infraestrutura e Meio Ambiente do estado. “Demos uma ‘vacina’ para o Rio Pinheiros”, ele completa, em alusão a outra bandeira da gestão de João Doria e Rodrigo Garcia (PSDB). Dezenas de biguás, garças e outras aves viraram habitués do manancial.
Com o rio renovado, o dinheiro privado apareceu. A JHSF se tornou sócia de Nagib na Usina SP. (Aproveitou para inverter, no projeto, o lado da fachada que irá projetar as atrações culturais, agora voltada para o shopping e os prédios de alto padrão da empresa, na Cidade Jardim.) Os primeiros testes com público estão previstos para o segundo semestre de 2023. O espaço terá restaurantes, lojas e uma área de lazer flutuante.
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O parque — em si uma iniciativa privada — já tem patrocinadores como Santander, Heineken, Votorantim, Sabesp, Asics, Caloi e Strava. “Ele demandou mais investimento do que a ciclovia no lado da CPTM, onde foram gastos 30 milhões de reais, porque ali o asfalto para as bicicletas já estava pronto. A expectativa, no momento, é de apenas recuperar o dinheiro gasto”, diz Michel Farah, que administra a ciclovia leste e é sócio do consórcio do novo parque. A experiência mostra que, assim como a infraestrutura pública atrai o dinheiro, o dinheiro atrai os frequentadores. Antes da nova gestão, iniciada em 2020, a ciclovia recebia 17 000 pessoas por mês; agora, são 160 000.
De acordo com os empresários do parque, o fluxo se inverteu: agora são eles que recebem o assédio de interessados em participar da empreitada. O que dá asas à imaginação do grupo — e, de fato, é difícil calcular o potencial de um rio agradável na maior cidade da América Latina. “Temos planos de fazer uma piscina próxima à Ponte do Morumbi. No futuro, seria possível até implementar um ‘Uber barco’ no rio”, diz Daniela Amarante, arquiteta responsável pelo projeto.
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“No trecho em frente ao Parque Global, a ciclovia foi afastada do curso d’água, para permitir um deque com restaurantes e cafés”, ela explica. Entre os sócios do empreendimento imobiliário, a ideia já é chamada de “Puerto Madeiro paulistano”, em referência à região turística de Buenos Aires. (Vale lembrar que o Rio Pinheiros vai ganhar também uma roda-gigante, no parque Candido Portinari, vizinho ao Villa-Lobos, no fim do ano.)
A inauguração do Bruno Covas é uma das principais apostas da gestão estadual para acelerar a candidatura do governador Rodrigo Garcia, atualmente com 5% nas pesquisas. De certa forma, o parque torna visível as obras de saneamento dos últimos anos, um investimento que carrega a pecha de não render votos justamente por acontecer longe dos olhos do eleitorado. Na campanha, Garcia prometerá replicar o projeto no Tietê. “Será um desafio quatro vezes maior em termos de saneamento”, diz Penido, confiante em que tucanos também se beneficiarão do novo hábitat do rio.
Encontro das águas
A foto acima, feita recentemente sobre o Cebolão, mostra a diferença entre a cor da água do Pinheiros e a do Tietê (no alto da imagem).
Acima, dois biguás, espécie de pato, perto da Usina de Traição.
No meio do caminho
Nos anos que antecederam a Copa do Mundo de 2014, disputada no Brasil, tornou-se comum chamar de “obras-Copa” todas as melhorias urbanas prometidas pelas cidades-sede do evento. São Paulo tinha um único compromisso: um monotrilho para ligar o Aeroporto de Congonhas ao trem da CPTM, na Marginal Pinheiros. A chamada Linha 17-Ouro não ficou pronta naquela Copa, não ficou pronta na Copa da Rússia (em 2018) e não ficará pronta antes da Copa do Catar (em novembro próximo).
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A explicação para esse 7 a 1, protagonizado por sucessivas gestões estaduais do PSDB, está em uma série de brigas judiciais entre as empresas que participaram da licitação do monotrilho, o que paralisou a obra por diversas vezes.
Desde 2011, a construção ocupa um trecho da margem leste do Pinheiros (foto abaixo), interditando a ciclovia no local. Agora, ela impede um dos acessos planejados para o Parque Bruno Covas, na ponte velha do Morumbi.
A nova promessa do Metrô é entregar a obra-Copa paulistana em 2023. A empresa afirma também que o canteiro de construção que afeta a ciclovia e o parque será finalizado ainda em 2022. A ideia faraônica já custou 2,6 bilhões de reais ao contribuinte. O valor final está previsto em 4,7 bilhões.
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Publicado em VEJA São Paulo de 27 de abril de 2022, edição nº 2786