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Cumbica tem problemas com o desembarque de passageiros

Os dois terminais de Cumbica recebem até 52% a mais de passageiros em horários de pico. Os viajantes chegam a levar duas horas para vencer as etapas do desembarque

Por Maria Paola de Salvo e Sara Duarte
Atualizado em 5 dez 2016, 10h20 - Publicado em 19 out 2009, 12h42

Depois de voltar tranquilamente de Milão a bordo de um Boeing da Alitalia num voo de brigadeiro, o consultor em internet Renato Mendes enfrentou turbulência inimaginável em terra firme. Desembarcou no Aeroporto Internacional Governador André Franco Montoro, em Guarulhos, na última terça (13), às 5h45, e só conseguiu sair de lá às 7h10, quase uma hora e meia depois de deixar a aeronave. O tempo que perdeu no labirinto de cordinhas seria suficiente para ir e voltar do Rio de Janeiro. O calvário começou na fila da imigração. Foram dez minutos. Levou outros 35 para recolher a bagagem e quarenta minutos para vencer a etapa da alfândega. ‘Essa última foi a pior e a mais desorganizada’, conta Mendes. ‘A confusão e a ânsia para furar a fila eram tão grandes que vi umas três pessoas batendo boca.’ Cansado e insone depois de doze horas de voo, ele até desistiu de dar aquela passadinha pelo free shop, outro famoso gargalo do aeroporto.

Naquela manhã, dezenove aviões e cerca de 4 750 viajantes aterrissaram em São Paulo entre 5 e 7 horas da manhã nos dois terminais de passageiros, que recebem tanto desembarques domésticos quanto internacionais. Essas duas horas são críticas porque concentram a maior parte dos voos que vêm da Europa, Estados Unidos e América Latina com destino ao Brasil. As manhãs em Cumbica costumam ser caóticas. Dependendo do dia da semana, até 22 aeronaves chegam ao aeroporto nesse intervalo, o que significa 5 500 pessoas circulando pelos quase 10 000 metros quadrados dos dois terminais. Trata-se de um movimento 52% maior do que aquele que o aeroporto comporta. Resultado: brasileiros e estrangeiros chegam a gastar até duas horas para enfrentar a fila da imigração, recolher as malas nas esteiras e passar pela alfândega — nos voos domésticos, é necessário apenas retirar a bagagem. ‘A situação daqui só se compara à de aeroportos africanos’, diz Dario Chemerinski, diretor da divisão internacional da empresa alimentícia Gomes da Costa, que viaja duas vezes por mês para o exterior. ‘É um verdadeiro congestionamento de gente.’ Ele não é o único a reclamar do inferno do desembarque. A chiadeira é geral (veja depoimentos na pág. 36).

A Infraero, empresa estatal que controla os aeroportos do país, considera aceitável um intervalo entre 45 minutos e uma hora para cumprir todo esse périplo. Os parâmetros internacionais recomendam uma espera de, no máximo, trinta minutos. No aeroporto Incheon, de Seul, inaugurado em 2001 e considerado o melhor do mundo pelo quarto ano consecutivo em pesquisa do Airports Council International (AIC), realizada em 108 aeroportos, a espera no desembarque não ultrapassa os tais trinta minutos. Para comportar um movimento de 30 milhões de passageiros por ano, Seul conta com cinquenta postos de alfândega e 120 de inspeção de passaporte. ‘Além dessa infraestrutura, a maioria dos bons aeroportos é administrada pela iniciativa privada’, afirma Eduardo Flores, secretário regional do AIC na América Latina. ‘Isso ajuda no diálogo com órgãos como a imigração e a alfândega.’

A demora na chegada reflete a saturação vivida pelo mais movimentado aeroporto da América do Sul. Projetado para receber 17,5 milhões de passageiros por ano, Cumbica fechou 2008 com 20,4 milhões de usuários e a projeção é que esse número ultrapasse 21 milhões neste ano. Aviso aos viajantes: a situação tende a se complicar nas férias de dezembro, quando o movimento costuma aumentar até 15%. ‘É no horário de pico que esse estrangulamento fica mais evidente’, explica o engenheiro Oswaldo Sansone, especialista em planejamento de aeroportos da Escola de Engenharia Mauá e superintendente de Cumbica na década de 90. Desde sua inauguração, em 1985, Guarulhos sempre teve de lidar com um movimento maior do que o que poderia suportar. Pensado inicialmente para ser um terminal doméstico, o aeroporto logo passou a receber voos da América do Sul e teve de improvisar a estrutura de imigração e de alfândega. ‘Naquela época, o governo militar queria que o principal aeroporto internacional do país fosse o do Galeão, no Rio de Janeiro’, explica o engenheiro Nicolau Fares Gualda, professor de engenharia de transportes da Poli-USP e um dos idealizadoresdo projeto. Não deu certo. Em 1991, quando parte do terminal 2 entrou em operação, o primeiro já estava saturado.

Pressionadas por uma demanda cada vez maior, muitas companhias aéreas transferiram suas operações do Rio de Janeiro para São Paulo. Há cinco anos, a alemã Lufthansa, por exemplo, mantinha sete voos semanais de Frankfurt para São Paulo. Atualmente são doze. A espanhola Iberia também dobrou o número de voos diários desde 2004. E todas querem chegar ao Brasil no horário da manhã, mais conveniente para o passageiro que prefere viajar na madrugada e aproveitar o dia por aqui. ‘Hoje já não aceitamos mais novos voos entre 5 e 7 horas’, diz o superintendente de Guarulhos, Jaime Parreira. ‘Estamos tentando ocupar os horários da tarde, quando o aeroporto fica mais ocioso.’ O caos que reina na chegada a São Paulo é uma combinação de carências. Faltam tanto infraestrutura e espaço físico como também funcionários da Polícia e da Receita Federal para fazer literalmente a fila andar. A Infraero afirma que até 2013, quando deve ficar pronto o primeiro módulo do terceiro terminal, terá de quebrar a cabeça para ampliar os 10 000 metros quadrados disponíveis hoje para o desembarque. ‘Achar áreas livres no térreo, onde está localizada a chegada dos voos, é quase uma missão impossível’, admite o superintendente Jaime Parreira. De fato, há pouca opção para crescer, mas uma das alternativas seria desapropriar lojas, cafés e outros pontos comerciais. No desembarque, poderiam começar pelo free shop, que ocupa mais metros quadrados que os setores de imigração e alfândega (veja as soluções dos especialistas na pág. 40). A Polícia Federal precisa investir na compra de mais máquinas leitoras de passaporte para povoar oito dos vinte guichês que estão vazios. Já à Receita cabe disponibilizar o mesmo efetivo que recruta para atender os passageiros na temporada de férias. ‘Isso acontece quando todas as esferas federais trabalham juntas’, afirma Flores, da AIC.

Cumbica é uma cidade. Tem orçamento de 466,9 milhões de reais por ano.Diariamente passam por ali pelo menos 100 000 pessoas. Instalado em uma área de 13,7 milhões de metros quadrados, o aeroporto opera com apenas dois dos quatro terminais projetados. As 44 companhias aéreas nacionais e estrangeiras realizam 475 pousos e decolagens por dia. Aviões de quarenta modelos partem e chegam de 117 cidades espalhadas por 26 países. ‘Guarulhos é a principal porta de entrada de São Paulo e do país, mas conta com terminais que não suportam nem o fluxo de voos domésticos’, afirma Nicolau Fares Gualda, professor de engenharia de transportes da Poli-USP. ‘É inadmissível que o maior aeroporto da América do Sul seja conhecido pelo excesso de burocracia e pela ineficiência de seus serviços’.

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Onde estão os gargalos

Ao lado, a planta do Terminal 1, quase idêntica à do Terminal 2. Com 10 000 metros quadrados de área, ambos recebem desembarques domésticos e internacionais. As situações críticas costumam acontecer no horário de pico da manhã, das 5 às 7 horas, quando há concentração de passageiros vindos do exterior

SETOR DE IMIGRAÇÃO

Quando há concentração excessiva de voos, os cerca de 1 000 metros quadrados destinados às filas de controle de passaporte da Polícia Federal em cada terminal ficam tomados de passageiros. A visão do labirinto de cordinhas, repleto de gente, é desanimadora. O congestionamento de pessoas chega a se espalhar pelos corredores que ligam os fingers à imigração. Há duas filas, uma exclusiva para brasileiros, que costuma fluir mais rápido, e outra para residentes no exterior. Os funcionários gastam de trinta segundos a um minuto e meio para verificar cada passaporte. Existem vinte guichês, mas não há funcionários em todos eles. Na sexta-feira (9), apenas doze funcionavam. ‘Faltam máquinas leitoras de passaporte para colocá-los em operação’, diz a delegada Gilse Landgraf, coordenadora-geral de Imigração da PF. ‘Quatro delas, que estavam ociosas no Rio Grande do Sul, serão instaladas nos próximos quinze dias.’

RETIRADA DE BAGAGENS

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Cada um dos dois terminais dispõe de seis esteiras de bagagem, que, por sua vez, comportam as malas de até dois voos ao mesmo tempo. Ou seja: não há como atender mais que doze aeronaves simultaneamente em cada terminal. Quando isso acontece — e não é raro —, cerca de 3 000 pessoas têm de se espremer, com carrinho e tudo, num espaço de 2 800 metros quadrados. Menos de 1 metro quadrado por passageiro. Efeito sardinha na certa.

ALFÂNDEGA

A última etapa obrigatória do processo de desembarque é a Receita Federal, que seleciona por amostragem os passageiros que terão a bagagem inspecionada. Podem ser retidas de 1% a 100% das pessoas, dependendo da origem do voo. Um funcionário, ao fim da fila, é responsável por apontar quem terá de abrir a mala, numa sala reservada. Segundo a Receita Federal, os dez agentes que trabalham por turno chegam a atender cerca de 2 500 passageiros por hora em cada terminal. Por isso, não raro, a fila costuma invadir a área das esteiras de bagagem. O efetivo dobra apenas em época de férias, quando o movimento aumenta em até 15%.

FREE SHOP

A Dufry responde por 22% da receita comercial do Aeroporto de Cumbica, estimada em 222 milhões de reais por ano. Mas o espaço que ocupa no terminal é maior do que o de muitos setores essenciais à circulação de passageiros. A butique se espalha por 1 516 metros quadrados, 50% mais do que os 1 008 metros quadrados do setor de controle de passaportes, por exemplo.

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