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O cinzeiro

Confira a crônica da semana

Por Mário Viana
Atualizado em 30 mar 2018, 06h00 - Publicado em 30 mar 2018, 06h00

Procura-se um martelinho de ouro. Aceitam-se indicações de profissionais pacientes e com certa delicadeza para restaurar um cinzeiro que está na família há mais de cinco décadas. Não se trata de joia de valor financeiro incalculável, mas de uma peça que teve seus momentos úteis nos tempos em que muita gente fumava. Hoje, é apenas o símbolo de uma época.

Arredondado e de alumínio, o cinzeiro chegou lá em casa porque meu pai o ganhara de presente de seu patrão, o empresário Baby Pignatari — como ficou mais conhecido o napolitano Francisco Matarazzo Pignatari (1917-1977). Baby misturou na mesma medida as ousadias de industrial com as estripulias de playboy. No corpo do cinzeiro destaca-se um “P” todo trabalhado em relevo.

Nunca soube direito se meu pai ganhou o cinzeiro das mãos de Baby ou de sua mulher, a dona Ira — era assim que a princesa e socialite italiana Ira von Furstenberg era conhecida lá em casa. Só muitos anos depois, já adulto e jornalista formado, descobri a linha de nobreza que fazia de dona Ira uma celebridade internacional.

Não faço ideia de como era a comunicação entre o contínuo pernambucano e a ricaça romana, hoje na flor dos 77 anos. Só sei que o tal cinzeiro fazia sempre surgir algum comentário sobre a beleza classuda de dona Ira, seguido de uma inevitável lição de moral dada por minha mãe. “Toda hora eles esqueciam moe das e dinheiro trocado pela sala”, contava ela. “Era um jeito de testar a honestidade do seu pai. Ele recolhia tudo e deixava em cima da mesa.”

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Para as crianças era apenas uma fala a mais, exortando-nos ao melhor dos comportamentos. Bons conselhos nunca são demais, mas o que nos interessava mesmo era brincar com o cinzeiro. Ele tinha um mecanismo que fazia girar a tampa onde caíam as cinzas, escondendo a sujeirada fumante dentro do pote. Era de um requinte tecnológico para nós equivalente ao de uma nave intergaláctica.

Pois esse objeto que já passou pelas mãos de uma princesa — italiana, mas principessa, que diacho — despencou outro dia do 12º andar até o térreo. Amassou, coitado. A tampa giratória ficou toda prejudicada. E o botão de borracha que era pressionado também foi para o devido beleléu.

Mesmo assim, não acredito em perda total. Tenho fé em que um bom desamassador dê um jeito e devolva o cinzeiro, se não a seus dias de glória, pelo menos a uma aparência menos miserável. É o símbolo de uma trajetória, afinal de contas, há que respeitar isso.

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Praticamente aposentado — a maioria dos meus amigos e eu deixamos de fumar —, o cinzeiro ocupava lugar de destaque na memorabilia do meu hipotético museu pessoal. Aquele que todos nós criamos em nosso pensamento mais secreto, com um acervo repleto de pequenos objetos desimportantes para o mundo.

Cabem nessa vitrine imaginária o primeiro livro sério que ganhamos, com a capa rasgada e meio desmontado; o chaveiro que alguém especial trouxe de um rolê mochileiro pelos Andes; o LP com dedicatória de outro alguém ainda mais especial; uma caneca comprada na Disney; o calção usado aos 2 anos de idade… e o velho cinzeiro carente de reparo.

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