Estamos em plena temporada de sorrisos sinceros e desinteressados. Por um desses mistérios que só os ares de dezembro explicam, o manobrista do estacionamento, que nunca lembra qual é o carro que você deixa ali diariamente há anos, traz o possante mal você desponta na porta da rua.
O porteiro do prédio não o deixa esperando nem um segundo sequer e, pasme, entrega toda a correspondência, já separadinha em seu nome. Dezembro é o mês em que todos os serviços funcionam com perfeição.
Tudo se explica num objeto retangular, recoberto por papel de cores festivas, com uma abertura indisfarçável e um lembrete propositadamente visível: “Caixinha de Natal, obrigado”. É agora que você prova que tem um coração de ouro, uma alma generosa e uma mão bem aberta.
A caixinha de Natal é uma instituição quase sagrada em nossa rotina de compras alucinadas, ceias engordativas e festas de confraternização nem sempre espontânea. É difícil resistir à lista de contribuições recolhidas entre os moradores do prédio ou entre a turma do escritório, que combina dar um agrado à tia do café.
Sempre — veja bem, sempre — haverá um vizinho na lista que dá uma contribuição digna de marajá indiano. É o “exibido”, cujo objetivo descarado parece ser humilhar os demais moradores. Ou comprar o silêncio para suas saliências, que todo porteiro conhece — ninguém é bom por acaso.
No extremo oposto está o muquirana, cuja participação se resume a uns trocados choradíssimos. Não adianta fazer cara de “a situação está difícil”, porque os porteiros não são cegos e, pior, têm boca. Eles sabem exatamente quantas caixas de vinho e de eletrodomésticos novos chegaram em seu nome no último mês.
Também não vale a pena começar com o discurso de “se eu ganhasse uma gorjeta a cada bom serviço prestado”. Isso só vai queimar seu filme. É o tipo de coisa que você pode até pensar, mas não é a melhor época para começar uma campanha conscientizadora.
Antes de ser um presente do Papai Noel, a caixinha de Natal é o reconhecimento público de que certas funções são muito mal pagas. O lixeiro, por exemplo. Não faço ideia de quanto ganha um trabalhador da categoria, mas é pouco. Pense bem, ele acorda todos os dias do ano para recolher os dejetos de uma cidade inteira.
Deve ter sido para amenizar o senso de justiça social da comunidade que alguém criou a caixinha. Dividimos entre todos nós os desníveis salariais de quem nos atende diariamente. Há exceções. Não vejo ninguém fazer lista para as moças que recolhem bandejas nas praças de alimentação dos shoppings.
É bom lembrar que o projeto original desses espaços previa um sistema totalmente self-service: o cliente escolhe, pega a comida em bandejas e, uma vez alimentado, devolve o tabuleiro ao lugar adequado. No Brasil, pulamos essa parte. Fomos direto para a “tia da bandeja”. Há quem diga que isso garante alguns empregos, mas a verdade é outra. Gostamos de escolher o que vamos comer, só não queremos ser vistos fazendo “o serviço da empregada”. Pensando bem, a tia da bandeja merecia uma boa caixinha.