Houve falha na comunicação. Só isso explica o fato de as livrarias dos aeroportos exibirem todos os títulos de autoajuda do mercado. Ficam num humilhante e distante segundo plano os títulos de ficção — não estou sequer avaliando a qualidade, mas o gênero. Biografia, só de mega-celebridades, algumas com tempo de carreira insuficiente para justificar um bilhete à faxineira.
Na visão do gerente da livraria, o sujeito que vai pegar um voo não quer saber de romance, suspense, aventura, nada disso. Só se interessa mesmo em ficar mais rico, influenciar pessoas ou vencer na vida sem maiores esforços (no máximo, pisando um pescoço ou outro que apareça no caminho). Sorte que existem revistas, gibis e palavras cruzadas.
Na verdade, livrarias são apenas um dos espinhos na vida de quem espera o avião. Os apavorados nem se importam com o que se vende. Mas pessoas com espírito minimamente consumista vivem um calvário a cada vitrine.
Perfumarias e farmácias não entram no balanço. Sempre haverá quem tenha esquecido o creme dental na bancada do banheiro, quem morra de dor de cabeça ou precise dos comprimidos contra ressaca — a viagem promete uma festinha daquelas, e é bom evitar revertérios.
Também deixamos de lado a loja de bordados artesanais. Se ela está em todos os aeroportos do Brasil, é porque existe uma demanda surpreendente de fronhas com monograma e camisolas com rendinhas catitas.
E as lojas de roupa? A julgar pelas vitrines, o estoque não é renovado desde os loucos anos 90. O público-alvo com certeza não sou eu nem você, mas aquele infeliz passageiro que ia de São Paulo a Curitiba e viu a bagagem seguir, impávida, rumo a Roraima. Mais nada explica aquelas bermudas e camisas polo que o passageiro desfila, constrangido.
Os balcões dos produtos teoricamente livres de impostos fazem qualquer viajante sentir-se um exaltado apreciador de uísque que esteja com o desodorante vencido. Só há perfume e bebidas na lista de ofertas. Às vezes, aparece um chocolate — sim, aquele que seu colega de repartição trouxe de lembrança saiu de uma cesta dessas.
Joalherias de aeroporto também são admiráveis em sua visão otimista da sociedade brasileira. Nas vitrines, todos os passageiros são tratados como milionários árabes que não se importam com uma longa fileira de zeros à direita de um número qualquer. Acho bonito. Isso desperta na gente aquela autoestima fundamental antes de encarar o lanchinho de peito de peru no avião.
A gastronomia também está muito presente nas salas de espera dos aeroportos. Em alguns terminais já dispomos de marcas internacionais para além da pizza e do hambúrguer com fritas. Não daria para reclamar. Mas, se seu apetite não passa do café com pão de queijo, prepare-se. Conforme o horário do seu voo, o pãozinho terá tempero de tempos passados. E o preço de uma raríssima esmeralda.
Quem fez o cardápio do café foi o mesmo otimista das joalherias. Não me espantará o dia em que a mocinha do caixa perguntar ao cliente do café e pão de queijo, fazendo voz de superpromoção: “Quer parcelar em três vezes? É sem juros”.
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