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Ó que perigo

Leia a crônica da semana

Por Ivan Angelo
Atualizado em 14 fev 2020, 16h03 - Publicado em 18 Maio 2018, 06h00
 (Negreiros/Veja SP)
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Puxa vida, como você demorou, meu bem. Já tava ficando preocupado. Tudo bem? E por que a demora? Ah, é? Comprinha? E eu aqui, esperando feito bobo. Podia ter me ligado, eu ia tomar um café enquanto isso. Não, tudo bem, tudo bem. Sabe, me aconteceu uma coisa que você nem vai acreditar. Escuta só. Tava parado aqui na esquina quando passou um carrão desses importados, nem sei qual é a marca. De relance, vi que era dirigido por uma mulher. Calma, vai escutando. Bom, passou, acabou, continuei aqui te esperando. Dali a pouco veio o carrão de novo. O mesmo. A mulher olhou pra mim, assim, abaixando a cabeça, como o motorista tem de fazer para olhar alguma coisa pela janela do outro lado. Eu me abaixei um pouco, olhei pra ela, pensando que fosse pedir alguma informação, ela sorriu. Meu bem, foi ela que sorriu pra mim. Sorri de volta, claro que sorri. Então eu ia fazer cara feia pra uma pessoa que sorri pra mim? Tem cabimento? Ela sacudiu a cabeça, como quem muda de ideia, ou como se tivesse se enganado de pessoa, e foi embora. Continuei no mesmo lugar, te esperando, olhando o relógio, já achando que você tava demorando. Dali a pouco o carrão passou outra vez, encostou bem aqui do lado, ó, e ela me chamou. Claro que eu fui, meu bem, claro. Como assim, chamou como? Psiu? Eu sou lá homem de psiu! Como, pelo nome? E ela sabia lá meu nome? É pegadinha, é? Tá querendo me pegar? Ela abaixou o vidro, falou aquele “oi” básico, meio interrogativo, meio comprido, de quem chama alguém de maneira simpática, e eu atendi, claro, me abaixei. Podia ser uma pessoa precisando de informação, foi isso que eu pensei de novo. Não tinha olhado a placa do carro, podia ser alguém de fora. Na verdade… Como? Era, era sim, muito bonita. Não, quase loura, assim com uns reflexos. É, azuis, acho que sim, azuis. Bom, foi a maior surpresa ela perguntar o que é que eu tava fazendo ali. Eh-eh, pensei, com um pé atrás. Que interessa isso pra uma pessoa que vai pedir informação, né? Se ela perguntasse “O senhor é daqui?”, ou “O senhor conhece aqui?”, teria sentido, no caso. Ainda pensei que podia ser uma conhecida, mas olhei bem e não, nunca tinha visto aquela moça. Falei pra ela que tava esperando uma pessoa. O.k., meu bem, agora eu também acho que era o que eu deveria ter falado, que tava esperando minha namorada, mas é isso que as pessoas que não se conhecem respondem normalmente, que tão esperando uma pessoa. Depois de hesitar um tiquinho, ela perguntou se eu podia entrar no carro um minuto. Assim, menina, de cara. Pode? Disse pra ela que não, que você, minha namorada, aí eu falei namorada, ia chegar a qualquer momento. Ela disse que tava de passagem pela cidade e precisava de ajuda urgente, caso de vida ou de morte. Ó que perigo. Olhei desconfiado, não vi nenhum sinal de que ela estivesse em dificuldades sérias. Eu disse que realmente não podia, lamentava muito etc. Desconfiado, e a dona percebeu. Aí, menina, aconteceu a coisa mais estranha do mundo, você nem vai acreditar. Olha que perigo, olha o mundo em que a gente vive. A mulher abriu o porta-luvas, tirou de lá de dentro sabe o quê? Um revólver! Apontou pra mim e…

— Tá falando sozinho, seu bobo? — disse a namorada, acabando
de chegar.

— Puxa vida, como você demorou, meu bem — falou encabulado.

 

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