Numa crônica de semanas atrás falei de um restaurante do centro de São Paulo onde os fregueses comiam de pé, lado a lado, pratos no balcão, filas atrás de cada pessoa. Disse que era uma das coisas extraordinárias que encontrara na cidade ao chegar, vindo de Minas. Havia mais coisas, como o salário que pagavam aos jornalistas e certas pequenas felicidades. Fico só na área gastronômica.
O restaurante Giratório foi uma delas. O nome dá uma ideia, mas não chega a descrever a coisa, meio escondida na antiga rua amador Bueno, hoje do Boticário, perto do Largo do Paissandu. a comida era simples, mas cuidada, pois tudo era feito à vista do freguês, o qual girava, literalmente girava, em volta da ilha de preparação e de lavação. Tentem visualizar: o freguês entrava por uma porta vaivém, tipo faroeste, lia o cardápio de pratos numerados escrito na parede, enquanto esperava na fila, escolhia, pagava, subia na geringonça giratória que tinha a altura de um degrau de escada, sentava-se na primeira cadeira vaga que passava, de frente para o balcão e para a ilha envidraçada dos cozinheiros e garçons, recebia seu prato por uma abertura, comia girando muito lentamente, olhando o movimento da cozinha e da copa, ao terminar entregava por uma abertura o prato e os talheres, que iam para uma grande máquina de lavar fumegante, tudo à vista, depois comia a sobremesa, sempre girando, terminava exatamente quando chegava à saída, portas no mesmo estilo saloon. Tudo, máquinas e o mais, foi inventado pelo dono, um imigrante italiano de nome Ezio Barioni.
Outro lugar surpreendente foi um restaurante de carnes de caça na rua Caio Prado, entre a augusta e a Consolação. não consigo me lembrar do nome, hoje ele seria politicamente incorreto, ilegal, caso para os fiscais do ibama enquadrarem todo mundo, prisão inafiançável. Comiam-se cobra, jacaré, tartaruga, veado, capivara, tatu, paca, perdiz, marrecão-do-sul, cateto. Só comi jacaré, uma bobagem desnecessária.
Espetacular visão de fartura naqueles anos de consumo mais franciscano e de brasileiros mais magros foi descer certa escadaria na rua nestor Pestana e deparar com o convés de um grande barco viking repleto — é a palavra — repleto de comidas escandinavas para você se servir à vontade a preço fixo: salmão inteiro, salmão em filés, em fatias fininhas marinado em ervas, filé de hadoque, hadoque fatiado como carpaccio, arenques defumados ou enrolados em molho de iogurte, bacalhau norueguês fresco, ovas de vários peixes, queijos diversos, saladas, pasta de lagosta, de camarão, de caranguejo, carnes frias, embutidos, sopas, pães pretos, brancos, finos como biscoitos, e geleias, gelados, compotas, tortas — céus! Chamava- se Os Vikings, e, como se não bastasse a comida, loirinhas de tranças em vestidos típicos coloriam os espíritos.
na rua augusta, lá embaixo, perto da Oscar Freire, ficava outro lugar que era um espanto, o Mondo Cane. Lá para dentro era um tipo de venda eclética — e lanchonete — moderna; na frente, exposto para a rua como uma vitrine, ficava o bar, piso mais baixo que o da calçada, almofadões gigantescos e coloridos no chão, onde se acomodavam conhecidos e desconhecidos misturados, mesas baixas, drinques enormes, o detalhe espantoso eram os drinques enormes, coloridos, servidos em aquários redondos e ovais, à base de vodca e rum com ramos de funcho, galhos de limão e frutas cortadas para aromatizar. Bebia-se coletivamente, cada um com seu canudinho. as comidinhas também eram divertidas, como o lanche de “galinha porém honesta”.
Tive outros prazerosos espantos, como o restaurante no Caminho do Mar, vista estupenda da baía, e um bacalhau no ipiranga que vinha inteiro, grelhado, dourado, para as famílias domingueiras. Ficam para outra vez.