Por alguma razão, não comentava os avanços femininos que me deixavam rubro de modéstia e trêmulo de imobilidade quando menino e adolescente. Masculinos, se houve, não registrei, não percebi. Os desejos, na época, manifestavam-se mais em insinuações do que em avanços, produziam mais olhares e palavras do que mãos. A malícia tinha medo de se expor ou haveria mesmo menos maldade? Os pais não preveniam os meninos de que algo impróprio poderia lhes acontecer; já as meninas eram alertadas com frequência e zelo. A ideia, suponho, era que elas tinham mais a perder do que nós.
Os beijinhos e cócegas da vizinha Nair, eu com uns 5 anos, ela não sei, mais de 30, chamada de solteirona, encalhada, titia — seria assédio aquilo? Ou apenas festinha, farra, brincadeira com criança? A distância não me deixa afirmar nada, mas por que eu teria ficado com essa nuvem na lembrança?
Aquela carta escrita secretamente no meu caderno de português durante o intervalo do recreio por misteriosa mão de letra caprichada, creio que na 1ª série ginasial, hoje 5º ano fundamental, seria dela, Maria Rita, a mais linda da sala? Dela, minha paixão secreta? Ao voltar do recreio, lá estava em meia página do meu caderno a declaração. Fixei a vista, cabeça abaixada, rosto em fogo, sem coragem de olhar para os lados à procura de olhos culpados de amor. Nunca soube de quem foi.
A freirinha do Hospital Militar. Linda, passava a mão no meu rosto, na testa febril, no pescoço, em suave carícia. Por certo entendia a intensidade do meu olhar de 12 anos; quando passava pela porta do quarto, sorria, entre travessa e caridosa. Eu ouvia o chacoalhar do rosário na sua cintura, adivinhava que ela ia passar e aguardava, mais febril ainda, sono fingido, a mão que pousava na minha e passeava no meu peito. Nem se despediu quando tive alta.
A moça que trabalhava numa sala do mesmo corredor do escritório onde fui contínuo, aos 13. Eu passava, arisco, coração disparado com um medo que não era medo, e ouvia: “Vem cá, bonitinho”. Nunca fui.
Teresa, uma vizinha da adolescência. Eu voltava do colégio tarde da noite, 16, 17?, e a boazuda na varanda fazia psiu!, psiu!, e eu não tinha coragem de ir até lá, medo do homem dela também. Uma noite, num impulso, fui. E vi, maravilhado, que milhares de pintinhas formigavam no peito e nas costas dela.
No alongado capítulo da mulher do próximo houve a japonesa do Flávio, difícil de afastar, como aqueles cachorrinhos que você bate o pé e eles vão, mas voltam. Houve a namorada de um ator, em surpreendente telefonema para o jornal: “Quero te ver. Hoje, agora!”. Colhi segredos do pomar sob sua blusa, e foi tudo, consciência piscando alertas. Houve a loura noiva, em outro jornal, que me dava presentinhos quase diários: um chocolate, um pão de queijo, uma fruta, em troca de nada. Houve a mulher do colega de outro jornal que enfiou a mão no bolso da minha calça: comemorava-se não sei o quê, turminha encostada no balcão do bar — e aquela mão! Saí fora. Houve a mulher de outro colega, sempre bêbada, sempre se encostando, onde quer que se juntassem uísque e oportunidade. Paro por aqui.
Poderão pensar que estou a me vangloriar, mas não é nada disso: estou juntando casos para uma conclusão. Diferentemente das mulheres, homens tendem a não se ofender com assédios nem denunciá-los. Nobreza? Não: um machismo peculiar. Sentem uma escondida vaidade, levam para o travesseiro, à noite, o sorriso do orgulho masculino.