Há tempos que não faço uma listinha de presentes que gostaria de ganhar no Natal. Já foi costume, nas famílias, nas escolas. Minha primeira professora, dona Nadir, tinha uma relação entusiasmada com o Natal. Professoras antigamente ficavam com a mesma turma por vários anos, dependendo dos recursos da escola. No último dia de aula do primeiro ano ela perguntou à turma se Papai Noel existia. A resposta mais esperta foi que existia, sim: “Porque ele dá presente. Os pais só dão presente no dia do aniversário”. Quando estávamos mais grandinhos, e já ninguém acreditava na lenda do velhinho, ela pedia no fim do ano letivo que todos fizessem uma listinha do que seria bom ganhar durante o ano que ia começar, e guardava as listas. No fim do ano seguinte cada um lia na frente dos colegas o que havia pedido, e se dava muita risada e se aprendia um pouco como a vida e os desejos mudam. Aqui vou eu, no espírito da brincadeira da professora Nadir.
Na televisão, eu gostaria que acontecesse algum milagre, mais amor e menos mau humor, mais carinhos e menos carrinhos, mais bichinhos e menos bichices, mais bola e menos parola, mais belas e menos balas, mais finura e menos grossura, mais políticas públicas e menos homens públicos, menos assédio, mais panelas e menos paneleiros, mais fatos e menos fofocas, mais falas e menos gritos, mais castigos e menos crimes, mais graças e menos desgraças, mais dramas e menos dramalhões, mais séries e menos novelas — elevar o nível para ter mais qualidade em vez de baixá-lo para ter mais público.
Cidadão, eu queria que os culpados fossem punidos, que todo o poder emanasse realmente do povo e não do dinheiro, que todos fossem iguais perante a lei e que a Justiça praticasse isso, que fosse assegurado também aos presos comuns e não só aos colarinhos-brancos o respeito à integridade física e moral, que “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” fosse realmente um objetivo nacional e não palavras adormecidas na Constituição, que a representação de cada estado na Câmara Federal fosse mesmo proporcional e não uma mentira, que os cidadãos assumissem sua parte e não cobrassem tudo do governo, assumissem sua parte na ecologia não jogando esse lixo todo pelas ruas, sua parte no bom cuidado das crianças e dos velhinhos, sua parte no respeito a raças, religiões, ideologias e diferenças, sua parte na civilidade, na educação, no respeito às leis e aos costumes — oh, tanta coisa se poderia fazer para melhorar o mundo, não o mundão, mas o nosso mundo, nossas esquinas, nosso condomínio.
Na área dos desejos vagos, eu queria alguma coisa que compensasse meus esforços para ser feliz, alguma força moral para resistir a certos apelos como doce de leite e chocolate, ter um olhar mais ousado para as belezas merecedoras, comedimento que me facilitasse manter o mesmo furo do cinto por mais tempo, manter oxigenado o mínimo necessário de neurônios a fim de que possa dialogar com alguma esperteza e compreender textos da poesia mais nobre ao mais pernóstico internetiquês, ter discernimento para me deixar cair em umas tentações e não em outras, boa memória para não errar a senha na hora H, previdência necessária para o que der e vier, como estar calçando sapatos confortáveis caso a caminhada se torne longa, ter um mar no horizonte de minhas errâncias mas com montanhas por perto caso alguma coisa dê errado, trazer tudo organizado para não perder o último trem.
No futebol, eu queria que meu time ganhasse de novo.