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Corpos bronzeados

Confira a crônica da semana

Por Ivan Angelo
Atualizado em 1 dez 2017, 06h00 - Publicado em 1 dez 2017, 06h00
 (Negreiros/Veja SP)
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O verão, como o conhecemos hoje, foi inventado. Mar era paisagem. Ipanema não tinha moça nenhuma de corpo dourado em doce balanço a caminho do mar. Quando começou essa coisa de bronzear a pele? Não houve registro, foi acontecendo. O travesso Dom Pedro I não ia à praia, sua neta Isabel não ia, o poeta Olavo Bilac tampouco, a graciosa paulista Zezé Leone, miss Brasil de 1922, também não ia, e o mesmo acontecia com a primeira miss Brasil que foi miss Universo, em 1930, a pelotense Yolanda Pereira. Não iam à praia porque não se usava, não era um must. Mesmo porque, até o começo do saneamento das capitais praianas, a orla marítima das nossas cidades era lixeira, servia para jogar todo tipo de lixo, dejetos humanos, bichos mortos, escravos mortos.

Na Europa, na segunda metade do século XIX, médicos começaram a recomendar banhos de mar terapêuticos, que eram tomados sem exposição de pele, o que seria uma sem-vergonhice. Mais e mais gente foi indo para as frias águas europeias, ainda vestindo aquela roupa toda, até por volta de 1920. O banho terapêutico chegou ao Brasil no começo do século XX, junto com o saneamento urbano, mas, ah, com que pudicos cuidados! O excelente escritor Luís Edmundo, delicioso memorialista carioca, dá uma ideia de como era, em O Rio de Janeiro do Meu Tempo, publicado em 1938: “Uma mulher de respeito, por essa época, toma seu banho sempre de madrugada, não raro entrando numa água onde ainda se reflete a luz prateada das estrelas”.

Se era assim, quem foi que inventou o corpo bronzeado de verão? Quem teve força para decretar essa moda, quando, dos dois lados do atlântico, a beleza era pálida, brancos braços, alvo colo, leitosos glúteos? Era essa a beleza cantada por poetas, descrita por romancistas, retratada por pintores. Pessoas de pele morena ou eram mestiças de alguma raça “inferior” ou trabalhavam no campo condenadas ao sol, gente “da baixa” e não “da alta”.

Consta que essa mudança radical foi comandada por Coco Chanel, a estilista francesa criadora de tantas outras modas dos anos 20, 30, 40 e 50, como o corte de cabelo Chanel, as calças compridas para mulheres, o pretinho básico, o tailleurzinho sem gola, o perfume Chanel nº 5, o look marinheiro listrado de azul e branco, os chapeuzinhos Chanel, as bolsas de alças curtas e outros apelos do tipo “se eu não tiver um eu morro”. Em um dos últimos verões dos anos 20 ela viajou para a riviera Francesa, entusiasmou-se com o sol, descuidada, voltou de lá sapecada e decretou: “a garota de 1929 tem de ser bronzeada, a pele dourada é o chique”. Pegou. Foi pegando pelo mundo, como tudo o que ela lançava, e o bronzeado se tornou símbolo de saúde e glamour.

Mudou a imagem. a pele amorenada pelo sol passou a sugerir uma pessoa vigorosa, atlética, corajosa, saudável, que curte o lazer e o ar livre, gosta da vida e dos seus prazeres.

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Daí que, por aqui, a partir dos anos 40, desde dezembro até março, as praias começaram a receber quantidades cada vez maiores de gente, imobiliárias a construir prédios na orla, indústrias de cosméticos a lançar bronzeadores e protetores, modistas foram diminuindo os panos, liberando os umbigos, as ancas, os arredondados de cima e de baixo; espertos foram criando utilidades para o conforto do veranista, e vieram o coco gelado, a limonada, o mate, a cervejinha, o picolé, a sandália — estava pronto o verão.

Da pele branca sensual do passado só restou a marca do biquíni quando ele vai para o varal.

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