Querem que eu fale um pouco mais da gente de que dei umas pinceladas na crônica passada, relembrando meu avô que tinha um tio visconde. Quando a gente é criança, não liga para o passado, menos ainda para o futuro. O alongado presente é a nossa única e aplicada ocupação.
Esse avô foi menino de uma família enorme que se espalhava por muitas fazendas da mesma região, no miolo de Minas Gerais, lugares como Santa Luzia, Matosinhos, Sumidouro, Esmeraldas, Lagoa Santa, Vespasiano, Ribeirão das Neves, Pedro Leopoldo, em fazendas de nomes sonoros como Angicos, Mocambo, Maçaricos, Bom Jardim, Jaguara, ao longo dos anos de 1800. Eles eram os Fonseca Vianna, aparentados por cruzamentos com os Souza, Teixeira, Belisário e outros ilustríssimos, de raízes portuguesas, todas as suas fazendas bebendo água nos rios que iam engrossar o Rio das Velhas e depois o São Francisco. Na Jaguara, o engenheiro diamantinense Henrique Dumont, pai de Santos Dumont, inventava máquinas, projetava pontes e construiu o barco a vapor Saldanha Marinho, que navegou pelo Rio São Francisco até Pernambuco durante muitas dezenas de anos. Tinha a quem puxar o menino Alberto.
Voltemos aos Fonseca Vianna. Gente interessantíssima ou mais que isso. Tinham sempre muitos filhos, pode ser que só pelo gosto de fazê-los, mas não sei se esse deleite era usual naqueles tempos. José e Maria, casal que juntou primeiro os dois sobrenomes, ela Fonseca, ele Vianna, tiveram quinze filhos! A partir de 1815, quando nasceu o primogênito, Francisco, tiveram filho todos os anos, inclusive um casal de gêmeos, e nesse batidão foram até 1830, tendo saltado apenas 1827 e 1828. Imaginem esses quinze tendo outros dez, doze, oito, sete, catorze filhos — baita família! E aí teve muito primo casando com prima; tio casar com sobrinha era comuníssimo, sobrinho com tia, parentes idosos casavam-se com meninas de 13 anos para cima… Um Celestino, casado também com prima nova, viveu até os 102 anos. Um Joaquim casou-se com uma Joaquina e tiveram vários Joaquins e Joaquinas, por gosto pelo nome e homenagem a si mesmos.
O primogênito Francisco foi barão e depois visconde do Rio das Velhas. Também se casou com uma sobrinha; daí, sua irmã Bernarda ficou sendo também sua sogra. Fazendeiro, industrial fundador de tecelagens, político, coronel da Guarda Nacional, arregimentou voluntários para a Guerra do Paraguai. O agradecido imperador Pedro II concedeu-lhe por isso o título de barão, em 1867. Visconde ele se tornou depois que dom Pedro II e a imperatriz visitaram sua famosa fazenda Mocambo e pousaram na sua casa em Matosinhos, em 1881. O imperador conta no seu diário de viagem: “O barão do Rio das Velhas, ao sair da casa onde pousa, caiu da escada de pedra, de grande altura. Feriu bastante a testa e contundiu fortemente o olho esquerdo. Tem vomitado. Fui vê-lo antes de sair”. Teria bebido na festa, o barão?
Um dos seus catorze irmãos, José, também casado com prima de primeiro grau, minerador, industrial, fazendeiro, foi riquíssimo; seu inventário de bens tem 536 folhas!
De quase todos se sabe dessas e muitas coisas, graças às ferramentas de busca na internet, que fuçam cartórios, batistérios e histórias familiares. Estranhamente, nada aparece sobre um dos irmãos do visconde, Manuel da Fonseca Vianna, e seus filhos. Um deles foi meu avô, Lauro, Sô Lau. O que sabemos dele são fiapos. Era estafeta, entregas feitas em lombo de burro. Cadê ouro, cadê fazendas? Quando chovia, botava os burros dentro de casa. Minha mãe contava que, mocinha, morria de vergonha daqueles dois burros olhando pelas janelas da sala.