Por Mário Viana (mario@abril.com.br)
A tecnologia esconde armadilhas invioláveis. Uma vez preso no laço, você só escapa à custa de muito esforço. Fotos de família, por exemplo. Houve um tempo em que as pessoas usavam carteira para carregar algum dinheiro, um documento — não havia cartão de crédito, imagine — e duas, no máximo três fotos: uma da mãe, outra da mulher e uma terceira, dos filhos. Apenas uma foto bastava para exibir a prole.
Hoje em dia, os smartphones vêm com cada vez mais espaço de memória. Resultado: centenas de fotografias de crianças nas mais diversas e, muitas vezes, desgraciosas situações. Pior ainda é quando a criança nasceu — como direi? — desprovida de qualidades estéticas. Nessas horas, não há imparcialidade possível. Os pais acham seus filhotes uma coisa do outro mundo. Você acha a mesma coisa, mas por motivos diferentes.
Não estou adotando como modelo os bebês de comercial de sabonete infantil, mas é preciso pôr o dedo na ferida. Assim como existem homens mal proporcionados e velhinhas esquisitas, existem também as crianças feias. Não é pecado dizer isso, nem alguém vai arder nas chamas do inferno por pensar assim. Acontece. A criança feiosa é um dos mais delicados testes da vida em sociedade. Primeiro, porque o conceito de beleza é extremamente pessoal. Segundo, porque julgar uma pessoa pela estampa é de uma cretinice sem par. Uma criança linda tem as mesmas qualidades de uma não tão linda. Os mesmos defeitos também.
O terceiro ponto para pensar: quem tem coragem de dizer a uma mãe que sua criança está longe de ser bonitinha? Mesmo quando a própria mãe fala isso, você se constrange. Tenho uma amiga que dizia, baixinho, para a menina não escutar, que a filha jamais faria um comercial de xampu. Pagou a língua. A menina, hoje, transformou-se numa mulher bonitona. A mãe não desdiz o passado: “Minha filha está de fechar o comércio. Mas como era feinha, a pobre”.
Em situações assim, a sinceridade de amigo é perfeitamente dispensável. Se você não for um cirurgião plástico em pleno horário de trabalho, de que adianta falar que o moleque tem orelhas de abano e a menina tem o nariz caído para o lado? Olhe, pense e guarde o parecer consigo.
Creia, ser elegante não é tão difícil quanto disfarçar o espanto com nomes estrambólicos. Confesso ter dificuldade diante de um bebezinho batizado com um prenome que mais parece código de produto radiativo. Nesses momentos, a voz cala e o olhar perde o foco. Tenho casos na família: o menino nasceu saudável, mas ganhou registro digno de pomada para micose.
Nessa hora, a vontade é sacudir o pai, convocar a mãe e processar o escrivão do cartório. Ninguém deveria ser obrigado a arrastar vida afora um apelido de mau gosto. Mas, no fundo, até isso é relativo. Com o tempo, todo mundo acaba se acostumando com o nome exótico. Isso garante um lugar de destaque entre os milhares de Brunos e Biancas, que enfrentarão problemas para criar um perfil nas redes sociais. Sempre imagino receber mensagem de “Bruno728567”. Mas, até lá, a informática dará um jeito.