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Corredora Neide Santos treina moradores do Capão Redondo

Maratonista amadora que superou pobreza e violência é fundadora do Vida Corrida, projeto que beneficia população da região

Por Carolina Giovanelli
Atualizado em 1 jun 2017, 18h34 - Publicado em 16 abr 2011, 00h46
Vida Corrida no Parque Santo Dias - 2213
Vida Corrida no Parque Santo Dias - 2213 (Mario Rodrigues/)
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O Parque Santo Dias é um recanto silencioso e arborizado em meio ao cenário de pobreza e violência do Capão Redondo. A praça também se destaca por ter se transformado num centro de atividades esportivas. Logo cedo, de segunda a sexta-feira, cerca de cinquenta mulheres (e alguns poucos rapazes) em roupas de ginástica se reúnem ali. Em uma das quadras do local, encontram colchonetes, cones e bambolês espalhados pelo cimento. Sons tranquilos no estilo new age embalam o alongamento. A calmaria dura pouco. Em quinze minutos, canções pop em alto volume incentivam polichinelos e abdominais.

O RETRATO DA CAMPEÃ

Idade: 50 anos

Cidade natal: Porto Seguro, na Bahia

Tempo que mora em São Paulo: 42 anos

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Família: Os filhos Linda, 26 anos, e Marcelo, 28. O primogênito, Marcos, morreu em 2000, com 21 anos

Altura: 1,60 metro

Peso: 51 quilos

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Corrida inesquecível: São Silvestre de 1996, quando chegou na nona posição

A coisa pega fogo de vez quando a rigorosa e animada instrutora põe a turma para suar de verdade, em percursos pelo parque. “Vamos lá, não para!”, diz Neide Santos, de 50 anos, uma maratonista amadora que fundou em 1999 o Vida Corrida, projeto responsável pelo treinamento gratuito dos moradores da região. Com um cronômetro e um apito nas mãos, ela coordena as atividades, que duram uma hora. “Nossa treinadora é sargentona, não dá moleza”, conta a agente escolar Sônia Sanguinette, de 51 anos, no grupo desde 2010.

O Vida Corrida começou informalmente com um grupo de cinco mulheres atraídas pelas voltas que Neide dava pelas ruas do bairro, durante seu treinamento para competições como a São Silvestre. “Foi crescendo, crescendo…”, lembra ela. “Vieram os homens, as crianças. Comprei os primeiros aparelhos com meu dinheiro e montei pesinhos com latas de molho de tomate cheias de cimento.” Atualmente, há 325 inscritos, 260 mulheres e meninas, de 4 a 80 anos, entre eles. As atividades se expandiram para campanhas de doação de sangue e alimentos, mutirões de limpeza e a formação de uma biblioteca.

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Moradora da região, a comerciante Fátima Mota, de 31 anos, é frequentadora há quatro anos do programa de Neide. Agora, ajuda a monitorar os alunos e compartilha a atividade com mais onze membros da família, entre eles sua mãe, Anorinda, de 67 anos, e o marido, Celso, 30. Evangélica, Anorinda relutava no início em tirar a saia na altura dos joelhos para participar. “Com jeitinho, a professora me convenceu a ficar só de short para não atrapalhar os movimentos. Mas, para ir embora, ponho logo a saia de volta.”

Neide veio com os pais da Bahia em 1969, e a família se fixou nas redondezas do Capão Redondo. Seu envolvimento com o esporte começou na adolescência. Aos 14 anos, estreou nas pistas quase sem querer, para substituir uma garota do colégio que havia faltado a uma prova de revezamento 4 x 100 metros. Atingiu o melhor tempo entre todas as meninas de sua equipe e, logo depois, recebeu um convite para treinar no Clube Atlético São Paulo, um dos mais tradicionais da cidade. “Tive de recusar, porque trabalhava o dia todo como vendedora em loja de roupas para ajudar a sustentar meus cinco irmãos”, conta. “Sem sombra de dúvida, poderia ter me tornado uma boa atleta profissional, mas não tenho mágoa disso.”

Nova sede Vida Corrida - 2213
Nova sede Vida Corrida – 2213 ()
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Marcas muito mais profundas foram deixadas pelos graves problemas de violência que ela teve de superar. Em 1980, seu primeiro marido foi morto por um PM durante uma perseguição. Segundo a polícia, ele era suspeito de um assalto e tentou fugir depois de ser abordado pelo soldado. Se não bastasse, em 2000 ela perderia um filho de 21 anos, vítima de assassinato cometido por um adolescente durante um roubo. “Após essa tragédia, resolvi usar parte do meu tempo para mudar, com ajuda do esporte, a realidade das crianças que vivem aqui”, afirma a treinadora, que tatuou nas costas o nome do filho morto.

A rotina da maratonista começa quando o dia ainda está escuro. Às 4 e meia, corre pelo menos 10 quilômetros. Depois, treina um grupo de idosos até as 7 e meia, para então cuidar da preparação dos adultos. Terça e quinta à tarde e sábado de manhã são os momentos dedicados às crianças. Em meio às ações solidárias, ela faz trabalhos de artesanato como bordado e costura, suas únicas fontes de renda. Por mês, ganha aproximadamente 1.200 reais. “Tive a oportunidade de conhecê-la recentemente durante um evento no Rio de Janeiro”, afirma o ex-meio-fundista e campeão olímpico Joaquim Cruz, que também se dedica hoje a treinar crianças carentes. “Fiquei com lágrimas nos olhos depois de ouvir sua história.”

Em 2009, a voluntária inscreveu o Vida Corrida em um concurso da Nike voltado para mulheres esportistas. Conseguiu 5.000 reais e uma doação de materiais esportivos. Mais recentemente, venceu outro concurso promovido pela marca americana, o Gamechangers, que contou com 250 inscritos de sessenta países. A empresa vai bancar uma nova sede para o projeto. O terreno de 2.100 metros quadrados no próprio Capão Redondo foi doado pela prefeitura, e quem vai construir o espaço é a ONG americana Architecture for Humanity. Neste domingo (17), a partir das 8 horas, serão realizadas uma corrida e uma caminhada ao redor do Parque Santo Dias, seguidas do anúncio da construção da associação. “Não virei uma maratonista profissional, mas me sinto hoje uma verdadeira campeã”, afirma Neide. E é mesmo.

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