Continua após publicidade

Como pais e filhos adolescentes podem se comunicar melhor no confinamento

"A convivência ininterrupta e imposta requer flexibilidade, boa vontade e compreensão", escreve a psicóloga Verônica Cezar-Ferreira

Por Verônica Cezar-Ferreira
Atualizado em 27 Maio 2024, 18h15 - Publicado em 15 Maio 2020, 06h00
 (Polyana Ventura/Getty Images/Divulgação)
Continua após publicidade

A expressão mais usada pelos adolescentes quando algo dá errado é “deu ruim”. E, nestes tempos de confinamento em que vivemos, os mais velhos rapidamente aprenderam seu significado também.

No primeiro instante: um choque. Choque daqueles em que não se acredita muito. Um pouco depois, o ataque de rebeldia: “Eu, não. Imagine ficar sem meus amigos! Não sair de casa? Não existe. Sem chance”. Pois é, “deu ruim”. É verdade, e estamos todos vivendo em isolamento, confinados, cada qual em seu pequeno universo, literalmente. O fato é que ficou todo mundo bodeado, de tromba, de cara feia e espumando. algumas dessas expressões são de hoje; outras, de outros tempos, mas todas revelam a indignação e o inconformismo com as peças que a vida prega.

Desta vez foi coisa pra gente grande. Gente grande, mesmo, porque é preciso um limiar de frustração significativamente alto para aceitar e é preciso muita resiliência para enfrentar e superar o impacto e as perspectivas.

Assine a Vejinha a partir de 6,90

E assim entraram nossos jovens no período de quarentena. Com uma agravante. Também os adultos de sua família se surpreenderam e se assustaram. Foi difícil para os próprios pais acreditar que tal calamidade estava acontecendo. Então, foi mais por impulso de preservação dos seus do que por convicção que eles seguraram os meninos em casa. Meninos e meninas, é claro, pois, quando digo meninos, falo, em bom português, deles e delas.

No início, muita confusão; no início, muita pasmaceira. Em seguida, rebeldia, grosseria, malcriação, arrogância. “Comigo, não. imagine, eu.” Depois, o começo da queda na realidade, o olhar baixo, a vontade de chorar, a sensação de se deprimir. As conversas meio truncadas entre pais e filhos. Serviços domésticos nunca antes executados. Ter de arrumar o quarto, pôr ou tirar a mesa. Mas faz mais de quarenta dias que “deu ruim”, e isso não ajuda em nada em termos de equilíbrio emocional.

Continua após a publicidade

Um pouco de conversas virtuais com os amigos ajudou. As aulas, no início, tão estranhas, passaram a fazer parte da vida. Aquelas horas infindáveis diante do celular, do computador e da televisão já não satisfaziam. O excesso de notícias só piorava. Tudo muito bom enquanto elas traziam informações; porém, mais do que isso, só neurotizam. Resultado: fazia-se urgente encontrar uma nova rotina de vida, uma vez que não se vive sem rotina, ainda que ela seja caótica. O próprio caos é uma forma de organização.

Assine a Vejinha a partir de 6,90

Quarenta dias depois, quanta mudança! As pessoas realmente se preocupando umas com as outras; o lavar excessivo de mãos, até então sintoma primário de TOC (transtorno obsessivo compulsivo), virou norma básica de comportamento saudável e preventivo contra o inimigo implacável (o coronavírus). Os pais passaram a ser bons companheiros aos olhos dos filhos; os filhos, idem, aos olhos dos pais, já não mais vistos como tão aborrecentes. Conversas virtuais com os avós foram incluídas, não apenas como fruto de recomendação, mas para, efetivamente, estar com eles.

Consequência: as transformações que atingiram a natureza, que deixaram o céu mais azul, que trouxeram mais peixes aos rios e tartarugas às praias, que tiraram multidões desenfreadas das ruas, que causaram tanto medo diante do novo vêm transformando também as relações humanas e afetando, diretamente, as familiares.

Continua após a publicidade

Que bom para quem já consegue conversar! E fazer pequenos arranjos de convivência! Que bom para quem redescobriu a delícia dos jogos de tabuleiro! E a respeitar a privacidade alheia dentro de casa! E a aceitar que o outro é diferente de si, e sempre foi.

Nem sempre é assim.

Raras vezes podemos usar a expressão “é verdade”, por ser ela fruto de sentimentos, percepções e crenças individuais. Nesta inusitada quarentena, no entanto, é verdade que todos estamos impactados, o que eleva o nível de ansiedade e pode exacerbar a agressividade. É hora de ter calma. Da parte de vocês, filhos, tentar lembrar que seus pais não são culpados de nada. Então, é bom evitar grosseria, evitar extravasar a ira com portas batidas, raivosamente, com sujeira espalhada pela casa, esquecendo que sua aparente prisão, no momento, é seu abrigo mais seguro. Da parte de vocês, pais, a mesma disponibilidade, evitando manifestações agressivas, mas sendo assertivos, sem medo de estabelecer limites, de dizer sim e não de maneira adequada, sem exagerar na dose, o que nada mais seria que uma forma de expressão da própria angústia, legitimada por um indesejável autoritarismo.

A convivência ininterrupta e imposta requer flexibilidade, boa vontade e compreensão da parte de todos os conviventes, sem esquecer que a hierarquia não dá tréguas e que quem age com autoridade não precisa, nunca, ser autoritário.

Continua após a publicidade

Se você ainda não conseguiu alcançar esse estágio, não desanime. Esforce-se. Você pode. É nisso que temos de acreditar. E, se não conseguir sozinho, saiba que há muita gente disposta a ajudar.

Ninguém é aquela maravilha que descrevi um pouco antes neste texto, mas somos gente e, por isso, pensamos e podemos tentar melhorar.

Ufa! “Deu ruim” e não está nada tão bem, ainda. Mas já que é o que está aí, se é o que temos para hoje, que tal tentar mudar o olhar, por difícil que seja, e usar outra das expressões dos nossos jovens e reaprender a viver? “De boa!”

Assine a Vejinha a partir de 6,90

Estamos vivendo uma experiência horrível. Em minha longa vida, seguramente, a mais terrificante em termos sociais globais: uma hecatombe universal.

Continua após a publicidade

O adolescente, de seu lado, experimenta a difícil travessia da infância para a vida adulta. Ele é muito frágil e se desestabiliza com facilidade. Necessita que lhe demos norte e que fixemos limites claros a fim de ajudá-lo a conter os impulsos desafiantes, para impedir que se machuque além do inevitável. Daí, a leveza que busquei imprimir neste texto, uma metáfora de aproximação de gerações pela linguagem.

Cada família encontrará sua forma de agir, mas uma coisa é certa: nosso adolescente precisa de nós: de nosso afeto, nosso acolhimento, nossa força, nosso equilíbrio emocional e nossa condução. Precisa e precisará muito. Ele tem essa necessidade sempre, mas, de modo peculiar, nestes tempos de confinamento.

Verônica Cezar-Ferreira
(Arquivo Pessoal/Divulgação)

Verônica Cezar-Ferreira é advogada e psicóloga. Psicoterapeuta individual, de casal e de família, perita e consultora psicojurídica. Diretora de relações interdisciplinares da Associação de Direito de Família e das Sucessões (Adfas)

Continua após a publicidade

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 20 de maio de 2020, edição nº 2687

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Semana Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe semanalmente Veja SP* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Para assinantes da cidade de São Paulo

a partir de 35,60/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.