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Como as lojas se comportam na hora da troca

Compramos trinta peças de roupa e voltamos às lojas para tentar trocá-las por outras de numeração maior. Conseguimos, mas tivemos de aguentar muita cara feia e descaso de vários vendedores. Confira os resultados do teste nas páginas a seguir

Por Giovana Romani e João Batista Jr.
Atualizado em 6 dez 2016, 09h10 - Publicado em 18 set 2009, 20h26

Na última semana, as butiques da cidade começaram a abastecer suas araras com as novidades para o verão. Vão-se embora as blusas de lã e os casacões, entram os vestidinhos curtos de algodão e as camisetas. Uma tendência, no entanto, nunca sai de moda entre boa parte dos vendedores paulistanos: a cara amarrada quando eles percebem algum cliente com uma sacola de troca. Há quem só falte se esconder atrás do balcão. Nesse momento, em muitas lojas, toda a cordialidade – que muitas vezes resvala em uma intimidade forçada – desaparece como que por encanto. Em outras, porém, há atenção e profissionalismo. VEJA SÃO PAULO visitou trinta lojas de grifes masculinas e femininas em dez shoppings e na região dos Jardins para avaliar o atendimento e suas políticas de troca. Nos dias 6 e 7, dois repórteres tiveram a missão de comprar a peça mais barata da coleção atual em cada um dos estabelecimentos. No dia 8, um sábado, véspera do Dia dos Pais, voltaram para substituir o item por outro de tamanho maior. O tempo de espera para ser atendido na venda e na troca foi cronometrado. Para a avaliação do comportamento dos vendedores, levaram-se em conta a cordialidade, a paciência e a clareza com que davam informações (confira os quadros).

Pouca gente sabe, mas o artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor garante às lojas o direito de trocar apenas produtos com defeito, como manchas ou costuras soltas. “A troca por numeração, cor ou modelo funciona em caráter de liberalidade”, afirma Roberto Pfeiffer, diretor executivo do Procon de São Paulo. “Por não ser obrigatória, é determinada pelo próprio lojista.” A maior parte dos empresários permite a substituição na tentativa de fidelizar o cliente. Mas as condições impostas variam tanto quanto a modelagem das roupas. Algumas lojas têm prazos curtíssimos. Outras permitem que o consumidor retorne depois de meses. Todas exigem a manutenção da etiqueta. Como não dá para adivinhar os diferentes pedidos, é uma obrigação dos estabelecimentos informar o procedimento adotado, o que nem sempre ocorre. “Tal descuido é reflexo de mau treinamento”, diz Maurício Morgado, do Centro de Excelência em Varejo da Fundação Getulio Vargas. “É comum faltar comprometimento aos vendedores, que encaram o serviço como temporário.”

Entre as surpresas positivas estão os funcionários da Osklen do Shopping Cidade Jardim. Além de fazerem um workshop a cada temporada para saber detalhes sobre tecidos, estampas e inspiração do estilista, eles são orientados a oferecer cafezinho e água a qualquer cliente. Para os mais assíduos, servem espumante e bombons. “Considero a troca a principal etapa do meu trabalho”, conta a paulistana Gabriela Nassyrius, vendedora da grife desde dezembro. “Nessa ocasião, consigo passar uma boa impressão da marca e, de quebra, oferecer alguma outra mercadoria.” Ela sabe bem o que diz: foi eleita, na semana passada, a campeã de vendas entre os funcionários de todas as unidades do país. Com simpatia e talento, tem como meta (sempre batida) comercializar entre 30?000 e 35?000 reais a cada quinzena. “Ganho 3% em cima de cada item.”

Os rendimentos vinculados à comissão, variável de 2% a 3% sobre o preço da peça, são tidos como o principal motivo da cara fechada ostentada na hora da troca. Um cliente de sacola na mão indica que a visita, a priori, não trará ganhos extras. Segundo a Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop), quase a totalidade dos vendedores do segmento de moda tem o rendimento calculado por tal sistema. “Caso eles não atinjam o piso obrigatório de 808 reais, a empresa fica responsável por inteirar”, explica Marcelo Dornellas, especializado em direito contratual. “Jamais uma troca vai me deixar de mau humor”, diz Alessandra Oliveira, natural de Ibiúna e há três meses na capital. A moça recebeu a reportagem de VEJA SÃO PAULO nas duas idas à Levi’s do Shopping Ibirapuera. Foi cordial e atenta ao informar as condições de troca. Descontente por considerar a quantidade de vendedores excessiva, o que lhe rendia um salário “insatisfatório” no fim do mês, pediu demissão. “O cliente não tem nada a ver com meus problemas”, afirma. Em duas semanas, Alessandra começa a dar expediente em uma loja concorrente, em outro shopping.

Há poucas pesquisas que abordam o universo das trocas. A mais recente delas, realizada em fevereiro pelo Programa de Administração de Varejo, da Fundação Instituto de Administração, em parceria com a Felisoni Consultores Associados, ouviu 500 paulistanos. Chegou à conclusão de que apenas 5% dos consumidores que compram algo para si voltam para trocar. Quando se trata de um presente, 20% dos entrevistados disseram tentar a substituição por outra mercadoria. Esse índice sobe para 30% em datas comemorativas, como Natal ou Dia das Mães. As mulheres são, de longe, as que mais lançam mão da prática: respondem por 70% de todas as devoluções do mercado. Além de ser mais atraído por liquidações, o público feminino acredita que uma boa vendedora deve mostrar diversas opções de um mesmo objeto. Os homens são mais diretos e menos sensíveis aos preços.

Para agradar aos diferentes perfis, há uma tática certeira: seguir a máxima de que o cliente tem sempre razão. Nos Estados Unidos, tal princípio é levado ao extremo. O setor de comércio costuma aceitar devolução de produtos, muitas vezes em prazos indefinidos, e reembolsa o valor pago. Sem necessidade de alegar um motivo, basta dirigir-se ao caixa e pedir o dinheiro de volta no ato. Trata-se de uma concessão das empresas, e não de um benefício garantido por lei. Por aqui, o reembolso só ocorre em caso de compra feita por internet ou telefone, em prazo de até sete dias após o recebimento da mercadoria.

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Em butiques menores, normalmente se encontra maior flexibilidade. Dona da loja Vi and Co., no Itaim Bibi, Viviana Ximenes perdeu a conta de quantas blusinhas banhadas em perfume ou sujas de maquiagem – sinais claros de que o modelo foi usado – já trocou. “Aceito a devolução e assumo o prejuí-zo, pois não vendo mais o produto”, conta, sem sinais de aborrecimento. “Se a pessoa retorna, é porque tem vontade de usar a marca. Pior seria se deixasse a roupa de escanteio.” Viviana também tem bastante experiência do outro lado do balcão. Como cai na lábia de vendedoras facilmente, arrepende-se com frequência. “Aí volto correndo para trocar”, diz. Seja qual for o motivo, é errado pensar que as lojas saem perdendo. “Quando o cliente se sente respeitado, assina uma espécie de pacto de fidelidade com a grife”, afirma Nabil Sahyoun, presidente da Alshop.

Quanto vale a regatinha?

Em busca do modelo mais barato à venda nas grifes femininas visitadas, VEJA SÃO PAULO deparou com um item constante: a regata básica de algodão com frisos verticais, conhecida como canelada. As quatro peças acima são aparentemente idênticas. O que justificaria, então, a discrepância nos preços? “A moda vende status, não apenas o produto”, explica Guilherme Tiezzi, professor de estratégia e marketing da escola de negócios Insper, antigo Ibmec. “Por isso, a marca define seu preço de acordo com a imagem que deseja projetar.” Com um público jovem e descolado, a Farm (cuja blusinha custou 29 reais) aposta em itens fashion e acessíveis. “Queremos que nossa consumidora compre bastante”, afirma André Carvalhal, gerente de marketing da grife. “Obtemos lucro com o volume de vendas.” A Fit, por sua vez, diz prezar por um procedimento especial na confecção de seus produtos. “A peça de 98 reais passou por um processo que modifica a estrutura da fibra de algodão, aumentando seu brilho, maciez e resistência”, conta a proprietária Renata Schmulevich. De acordo com Tiezzi, é preciso ficar atento. “Nem sempre preços elevados estão relacionados a uma melhor qualidade”, diz. “Às vezes, produtos vendidos em lugares diferentes são feitos em uma mesma fábrica.”

Fuja de saias justas

Algumas precauções para evitar dor de cabeça na hora da troca

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Deveria ser uma obrigação, mas, se o vendedor não informar espontaneamente as condições da troca, pergunte

Para não correr riscos, peça que o gerente faça uma declaração das condições da troca por escrito na nota fiscal ou em um cartão

Mantenha a etiqueta na peça

Em caso de defeito, a loja tem o dever de fazer a troca em até noventa dias. Se a roupa não serviu ou não agradou, respeite o prazo estipulado, que varia de dez dias até o fim da coleção

Preste atenção às limitações impostas pelas marcas. Itens em oferta nem sempre são substituídos

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Certifique-se de que a troca pode ser feita em qualquer unidade da rede

Vai presentear alguém? Avise o atendente. As grifes que exigem nota fiscal no momento da troca possuem selos diferentes para essa situação

Nada mais chato do que dar algo em promoção. Mesmo que possa ser trocada, a peça fica desvalorizada em relação a outras disponíveis

Manter o bom senso é indispensável. Devolver um produto já usado, além de desonesto, pode ser constrangedor. Escolados, os vendedores são peritos em perceber cheiro de perfume ou manchas de maquiagem

Muitas lojas não trocam roupas íntimas

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Fontes: Sergio Tannuri, advogado especialista em defesa do consumidor, e Maíra Feltrin Alves, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)

Os pecados dos vendedores

A consultora de etiqueta Claudia Matarazzo destaca as gafes mais comuns cometidas pelos atendentes

Forçar uma intimidade que não existe. Chamar pelo apelido e perguntar sobre a vida pessoal soa falso demais

Questionar repetidas vezes se a peça serviu enquanto o cliente ainda está no provador. A pessoa sente-se pressionada e perde a vontade de experimentar

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Montar guarda na porta do provador. Para não ser invasivo, é melhor colocar-se à disposição e opinar apenas quando solicitado

Não dar preferência ao primeiro cliente a entrar na loja. A prioridade é a ordem de chegada, e não o suposto poder aquisitivo do consumidor

Fechar a cara ou tentar se esquivar quando surge uma troca, situação em que o vendedor não ganha comissão

Oferecer peças que fogem do pedido. Empurrar uma jaqueta de couro quando a pessoa só quer uma bermuda irrita qualquer um

Fazer conchavo com os colegas para dizer ao cliente que outra pessoa deseja aquele mesmo produto, “o último da loja”

Não saber dar informações sobre os tipos de tecido ou a inspiração da coleção, o que passa a impressão de inexperiência

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