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Coletivos e grupos de moradores ajudam a melhorar a paisagem da cidade

Seja na recuperação de uma praça, seja na instalação de bancos nas ruas ou na criação de hortas comunitárias, eles se juntam para colocar a mão na massa

Por Juliene Moretti Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Tatiane de Assis Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 15 jan 2019, 16h00 - Publicado em 4 jan 2019, 06h00

Uma das características marcantes do poder público brasileiro é a letargia em processos e tomadas de decisão. Experimente pedir uma poda de árvore ou a construção de uma rotatória em uma esquina perigosa. Sua solicitação pode ficar anos ou até décadas estacionada na gaveta de alguma repartição. Cansados de esperar, grupos de paulistanos têm arregaçado as mangas e encontrado soluções para problemas diversos na cidade. Nesse cenário, há espaço para iniciativas de transformação urbana, como embelezar uma praça ou até reformar uma calçada. O que conta é a união de moradores e comerciantes. Quando o dinheiro é curto, a boa e velha vaquinha entra em ação. Nas próximas páginas, conheça histórias de coletivos informais, muitos iniciados ao acaso, em que as pessoas se juntaram com o intuito de tornar São Paulo melhor para todos nós.

Escorregador novo

Com capacete e roupa de astronauta, Fernando Zanforlin, de 7 anos, passeia pela área infantil do Parque Buenos Aires, em Higienópolis. “Gosto do brinquedo de escalar e de escorregar na casinha”, conta o garoto. Sua mãe, Flávia, rememora: “Antes os balanços estavam quebrados, e a areia, suja. Agora o espaço é colorido e contempla também os pequenos portadores de deficiência”. A repaginação do lugar, realizada em junho do ano passado, envolveu a construção de um brinquedo com escorregador, a retirada de muros e a instalação de grades. A empreitada nasceu da união entre a Associação de Amigos do Parque Buenos Aires, a empresa Erê Lab, comandada pelos artistas Roni Hirsch e Helô Paoli, e a Globosat, no apoio financeiro. O investimento, de 500 000 reais, inclui o projeto e a manutenção do espaço pelos próximos três anos por parte do Erê, mediante autorização da prefeitura. “Ao melhorar a cidade para as crianças, você atinge também os pais”, diz Hirsch.

Shigeeda (à esq.) e seus vizinhos: venda de camisetas para comprar caixas d’água (Ricardo D'Ângelo/Veja SP)

Horta da turma

Um terreno de 420 metros quadrados na Rua Paracatu, no bairro da Saúde, sofria com lixo e mato alto havia cinco anos. Para mudar a situação, um dos moradores da região, o analista de sistemas Sergio Shigeeda, desembolsou 3 000 reais, instalou um sistema para captar água da chuva e começou a plantar alface e outras verduras. A iniciativa sensibilizou não só vizinhos, para ajudar na plantação, como também a prefeitura regional, que deu a autorização oficial para o uso do espaço público. Cerca de quarenta pessoas se revezam hoje na manutenção da área durante a semana. Uma vez por mês, há um mutirão para convocar mais voluntários. Camisetas são vendidas a 20 reais para viabilizar a troca das caixas d’água, que custará 2 000 reais. A comunidade também se especializou nas chamadas pancs, plantas alimentícias não convencionais. São cerca de 400 espécies, como ora-pronóbis (rica em proteínas), chaya, capuchinha, físalis e jambu, além de oito espécies de abelha sem ferrão.

Intervenção na Rua Domingos Leme: plantas para segurar os carros (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Rotatória verde

Criadas pela prefeitura para reduzir a velocidade do trânsito e evitar acidentes, as rotatórias da Vila Nova Conceição, região com um dos metros quadrados mais caros da cidade, próximo ao Parque Ibirapuera, deixaram de exercer sua função com o tempo. “O pessoal passava ‘rasgando’ e não respeitava o obstáculo”, afirma o economista Ricardo Haas, presidente da associação de moradores local. Com a ajuda de vizinhos, que promoveram várias vaquinhas, o bairro conta hoje com quinze rotatórias cobertas por canteiros, o que impede os veículos de passar por cima da área demarcada. Cada uma custou 10 000 reais e sua manutenção é bancada por uma empresa privada. Com isso, os acidentes, que eram diários, deixaram de ocorrer. A próxima ação do grupo, composto de moradores de cinquenta prédios e 200 casas, é implantar lombadas sinalizadas com faixas. “O bairro tem de ser dos pedestres também, não apenas dos carros”, afirma Haas.

Vanessa (à frente), com Fernanda e Rômulo: bancos em vez de carros (Antonio Milena/Veja SP)

Não há vagas

Uma das mais badaladas vias da Zona Oeste, a Rua dos Pinheiros ganhou no início de novembro um projeto de extensão das calçadas. Entre as ruas Cônego Eugênio Leite e Joaquim Antunes foram instaladas 25 floreiras e bancos em uma área de 640 metros quadrados, antes ocupada por vinte vagas de estacionamento. A ideia, inspirada em modelos existentes em Buenos Aires, Nova York e Cidade do México, é transformar um pedacinho de asfalto em uma espécie de lounge a céu aberto. A princípio, a medida terminaria em 10 de dezembro, mas agradou tanto que foi estendida para 15 de fevereiro. Além de ter o mobiliário bancado pela empresa 99, a iniciativa contou com o apoio da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), que reduziu a velocidade na área de 50 para 40 quilômetros por hora. “É uma nova experiência que tem tudo para dar certo”, afirma a empresária Vanessa Rocha, presidente do Coletivo Pinheiros, responsável pelo projeto, com o apoio de 150 empresários da região, como Rômulo Maior e Fernanda Gonçalves.

O comerciante Martinelli: a ideia agora é convocar artistas e pintar a estrutura (Ricardo D'Ângelo/Veja SP)

Para não bagunçar o coreto

Em 2015, a Praça Dom Orione, no Bixiga, passou por uma reforma, bancada pela prefeitura, que incluiu trabalhos de jardinagem, limpeza e recuperação da escadaria. No último Carnaval, no entanto, o movimento de um dos blocos destruiu o coreto do local. Após assinarem um termo de zeladoria com a prefeitura regional, cinco comerciantes das redondezas levantaram 19 000 reais para a reconstrução da estrutura. “Ao contrário da praça, ele não é tombado, e demoraria mais tempo para a prefeitura disponibilizar verba”, diz Eduardo Martinelli, um dos cabeças da iniciativa. A intenção agora é fazer uma festa de reinauguração do coreto e convocar artistas para pintá-lo. Frequentadores também organizam eventos na praça, como a Escadaria do Jazz, com apresentações musicais, e a Jardim Secreto, uma feira de artesanato que ocorre a cada dois meses. Entre os projetos futuros estão aulas de ioga, contação de histórias e instalação de bancos. A manutenção da área chega a 7 000 reais mensais.

Membros do Cidade Ativa no Jardim Nakamura: pintura e biblioteca comunitária (Divulgação/Divulgação)

Escadas criativas

Focado em transformar escadarias em áreas de convivência, o projeto Olhe o Degrau, da ONG paulistana Cidade Ativa, teve sua primeira edição em 2014, na Rua Alves Guimarães, em Pinheiros. Na época, o lugar então cinzento ganhou murais coloridos e mobiliário de madeira. A verba, de cerca de 4 000 reais, veio do concurso Urban Urge, que tem a Universidade Columbia (EUA) como uma das promotoras. Em agosto do ano passado, a entidade implantou uma proposta semelhante em uma escadaria na Rua Agamenon Pereira da Silva, no Jardim Nakamura, na Zona Sul, ao custo de mais de 50 000 reais, valor obtido dessa vez em um programa da ONU. Surgiram bancos de madeira, mesa de piquenique, escorregador e uma biblioteca comunitária. Após negociação com a subprefeitura de M’Boi Mirim, foram realizados serviços como instalação de uma faixa de pedestres, reforma das muretas, do piso e das canaletas de drenagem e colocação de lâmpadas de LED. “Quatro meses depois, a escada continua limpa e conservada”, conta Mariana Wandarti, uma das integrantes do grupo.

Bifone (com a muda nas mãos) e seus “filhotes”: iniciativa espalhada pela cidade (Antonio Milena/Veja SP)

Do começo “clandestino” às 30 000 árvores

Dez anos atrás, o advogado Danilo Bifone atuava quase como um agente subversivo ao sair plantando árvores de forma clandestina, à noite, em ruas da Mooca. Ele se preocupava não apenas em ser flagrado por um vizinho descontente em ver um tronco crescendo na porta de casa, mas também em receber uma multa da prefeitura. Com o tempo, no entanto, descobriu que a legislação não proíbe o plantio, apenas a poda. Assim surgiu o Muda Mooca, grupo de 68 voluntários fixos e outros vários temporários, que, calcula-se, plantou 30 000 árvores na cidade. “O mais complicado ainda é tocar a campainha e convencer o morador de que uma árvore na frente de casa não causa transtornos”, afirma Bifone. Do Muda Mooca nasceram ramificações em bairros como Ipiranga, Itaquera, Bela Vista e Vila Leopoldina. Até a cidade de Piraquara, no Paraná, tem a sua equipe. Cada grupo compra suas mudas e ferramentas. Não são aceitas doações em dinheiro, mas insumos e materiais são bem-vindos. No mês passado, esses grupos se reuniram para um plantio na região da Cracolândia, na Luz.

Nascimento e Cecília: laguinho e preservação da Mata Atlântica (Antonio Milena/Veja SP)

Oásis secreto

Vizinha à movimentada e ruidosa Avenida Corifeu de Azevedo Marques, uma área verde de 40 000 metros quadrados é um verdadeiro tesouro escondido dos olhares menos atentos no Morro do Querosene, na Vila Pirajussara, na Zona Oeste. Por ali, moradores criaram no ano passado o chamado Parque da Fonte, um espaço de convivência com bancos improvisados e até um pequeno lago de 2 metros quadrados, para usufruto da população. No grupo estão o músico Dinho Nascimento, a produtora cultural Cecília Pellegrini, o biológo Murilo Capelini, dentre outros. A intenção é ampliar a iniciativa para o restante do terreno, com a promoção de atividades culturais e a preservação de nascentes e espécies nativas da Mata Atlântica lá existentes. Os trâmites para a criação desse oásis estão em andamento na prefeitura. Por meio de um comunicado, a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente afirmou que um dos proprietários do lote manifestou interesse em doar o espaço por meio da utilização do mecanismo de Transferência de Direito de Construir (TDC). No entanto, não há data para a finalização do processo.

Caldeyro: ação coletiva acabou com ponto de droga (Sergio Quintella/Veja SP)

Festas coletivas e casa na árvore

Quase tudo na Praça Laerte Garcia Rosa, no Jardim Rizzo, no Butantã, tem a mão de algum morador local. Seja pelo banco produzido com estrados de madeira, seja pelos desvios de pedras erguidos com o intuito de guiar a água da chuva, a presença dos habitantes da região é preponderante. Por ali, celebrações de aniversário infantil são abertas a quem quiser se aproximar. No meio do ano, uma festa junina reúne mesas coletivas, quadrilha e brinquedos alugados pelos vizinhos. “Agora estamos começando a construir uma casa na árvore”, conta o empresário circense Martin Caldeyro, um dos residentes do local. Até 2008, quando os moradores se juntaram pela primeira vez para promover uma limpeza, o lugar abrigava um ponto de consumo e tráfico de drogas. “Era abandonado pela prefeitura e por nós mesmos”, diz Caldeyro. O próximo passo dos voluntários é pressionar a prefeitura para reformar o parquinho e construir um espaço para animais de estimação. Enquanto isso, o escorregador fica escorado em um tronco de madeira e amarrado com um arame.

Praça Vilaboim: árvore salva e parquinho recuperado (Divulgação/Divulgação)

Operação figueira

A notícia de que a prefeitura cortaria as árvores, incluindo uma imponente figueira, da Praça Vilaboim, em Higienópolis, por estarem condenadas, espalhou- se em 2013 entre os vizinhos. “Após uma análise, constatamos que ela precisava apenas de cuidados e não havia a necessidade de derrubá- la”, diz Mariana Veríssimo, uma das integrantes da coalizão que se formou para salvar o espécime. Depois de vencer a batalha pela árvore, no entanto, o grupo deparou com brinquedos quebrados e jardins abandonados. As pessoas começaram a debater ideias no grupo SOS Vilaboim, no Facebook, e em 2016 chegaram à plataforma on-line pracas.com.br. O objetivo do site é organizar grupos a fim de melhorar espaços públicos por meio de vaquinhas virtuais. Surgiu assim o Amigos da Vilaboim, que transformou o endereço no período de um ano. Com 350 000 reais obtidos, foram refeitos parquinho, piso, mobiliário e jardinagem. Desde então, cerca de quarenta moradores doam valores mensais variáveis para ajudar na manutenção do espaço.

Croqui do Viaduto do Café: complexo esportivo até 2021 (Divulgação/Divulgação)

Vida sob o viaduto

Até 2021, o vão do Viaduto do Café, localizado entre a Rua Santo Amaro e a Avenida Nove de Julho, na Bela Vista, vai se transformar em um complexo esportivo e cultural, com pista para caminhada, quadra poliesportiva e arena para shows e espetáculos teatrais. No dia 9 de dezembro, foi realizado um mutirão para limpeza da área, que sofre com o descarte de toda sorte de embalagens. A associação que leva o nome do lutador de muay thai Moisés Batista de Souza, mais conhecido como Gibi, encampa a iniciativa, que é realizada mediante a assinatura de termo de cooperação com a prefeitura. A previsão é que 300 000 reais sejam investidos na recuperação total do espaço.

Guaracy e Tadeu: frutas, verduras e galinhas (Ricardo D'Ângelo/Veja SP)

Plantação de cana

Nos anos 80, a Sociedade Amigos de Vila Nancy realizou um mutirão para criar uma horta comunitária no terreno de uma olaria desativada em Guaianazes, na Zona Leste. Desde a regularização da área, em 1991, a comunidade teve de enfrentar vários desafios, como refazer os canteiros, destruídos após a construção de uma rede de esgoto, e uma disputa de território com vizinhos, resolvida há três anos. “Passamos por muitos recomeços”, conta Guaracy Elena Araújo, uma das organizadoras, ao lado do marido, Osmar Tadeu. Em 3 000 metros quadrados, eles cultivam 77 canteiros com verduras, frutas e hortaliças orgânicas, além de criar galinhas, patos e coelhos. O que sai dali sustenta oito famílias da região.

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