Cine Ipiranga, no centro, será revitalizado e terá reprises de clássicos
Outros dois grande cinemas desativados da região, sob responsabilidade da prefeitura, trazem planos de reforma da secretaria municipal de Cultura
Fechado desde 2005 e tombado integralmente, quatro anos depois, pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico (Conpresp), o Cine Ipiranga está prestes a ter um final feliz. Numa iniciativa conjunta do empresário Facundo Guerra (do Grupo Vegas) com o Omelete, que realiza a Comic Con Experience (CCXP), o espaço deverá ser reaberto em 2019. O Art Palácio e o Marrocos, outros dois templos da outrora Cinelândia, que pertencem à prefeitura, estão nos planos de reforma e uso de André Sturm, secretário municipal de Cultura.
“O projeto está a todo o vapor, e o proprietário do imóvel, a imobiliária Savoy, está sendo parceiro na negociação”, diz Facundo Guerra, sem revelar o valor do aluguel. Como o Ipiranga é um patrimônio tombado, sua reforma será cuidadosamente supervisionada e aprovada pelo Conpresp e pelo Departamento de Patrimônio Histórico (DPH), tal como ocorreu com o Cine Marabá.
“Temos de seguir à risca os pedidos. Vamos, por exemplo, reduzir o número de poltronas da sala, que tem 1 936 lugares, mas, mesmo para retirar uma cadeira, precisamos deixar uma marca que sinalize que havia um assento ali.” Inaugurado em 1943, com o filme Seis Destinos, o Ipiranga teve projeto de Rino Levi (1901-1965) e é um dos ícones arquitetônicos do que foi a Cinelândia paulistana.
Assim como procedeu na escolha do longa-metragem exibido na abertura, a curadoria do Omelete pretende se distanciar da programação dos complexos de shoppings. “Não queremos competir com as grandes redes. Teremos reprises de clássicos e maratonas, como de Star Wars e Game of Thrones. O centro precisa de movimentação, e o Ipiranga não ficará restrito à exibição de filmes. Será um ponto de encontro da cultura pop”, revela Marcelo Forlani, do grupo Omelete.
Quanto aos cines Art Palácio e Marrocos, a situação é mais complicada e a resolução, mais demorada. Aberto em 1936 (como UFA-Palace), também com projeto de Rino Levi, o cinema da Avenida São João foi por anos palco das pré-estreias das comédias de Amácio Mazzaropi, sempre marcadas para 25 de janeiro (aniversário de São Paulo). Funcionou até 2012, exibindo produções pornográficas. Foi, então, comprado pela prefeitura por 4 milhões de reais — valor que, atualizado pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), ficaria hoje em torno de 5,8 milhões de reais.
O objetivo do secretário municipal da Cultura à época, Carlos Augusto Calil (2005- 2012), era reavivar a Cinelândia no projeto chamado Praça das Artes. Além de adquirir o Art Palácio, a prefeitura comprou o Marrocos. “Eu queria ter transformado o Art Palácio numa casa de espetáculos, com óperas e teatro de revista. E, para o Marrocos, planejava que fosse a sede da Mostra Internacional de Cinema, com sessões diárias”, relembra Calil. Tudo em vão. “A gestão do prefeito Fernando Haddad, a partir de 2013, interrompeu e abandonou a revitalização”, critica.
O estado atual do Art Palácio é deplorável. Poucas cadeiras de madeira ainda restaram num canto da enorme sala. Nas paredes internas, há grafites e pichações, feitas por invasores. Na calçada em frente ao então palácio do cinema, sem-teto se aglomeram entre restos de comida e, à noite, os ratos fazem a festa “passeando” pelos corredores, o que rende um cenário de filme B. O cinema já ganhou um apelido dos seguranças: Rat-Palácio.
O Cine Marrocos, na Conselheiro Crispiniano, tem um histórico de altos e baixos no decorrer do tempo. Inaugurado em 1951, foi considerado “o melhor e o mais luxuoso da América do Sul”. Possuía detalhes mouriscos na decoração, escadaria de mármore e uma fonte luminosa no meio do imponente saguão. “O sonho de todo interiorano era conhecer o Marrocos. Parecia um cenário e tinha um bar chiquíssimo”, relembra o escritor araraquarense Ignácio de Loyola Brandão, no documentário Quando as Luzes das Marquises Se Apagam — A História da Cinelândia Paulistana, do diretor Renato Brandão, exibido no último festival É Tudo Verdade.
O cinemão fechou as portas em 1992, já na fase de decadência das grandes salas do centro. Em 2010, as poltronas foram retiradas para a festa de lançamento da novela Tempos Modernos, da Rede Globo. Dois anos depois, a prefeitura comprou o cinema da imobiliária Savoy, mas a transação está pendente. A sala é anexa a um edifício de doze andares, e ambos pertencem à Secretaria de Educação. A ação de desapropriação continua em andamento, mas a prefeitura de São Paulo já tem a posse do imóvel desde 2012. Assim sendo, não há um valor pago até o momento porque o processo ainda não foi concluído. Procurada, a Savoy não se manifestou sobre a venda.
Desocupados, o prédio e o cinema foram invadidos, em 2013, pelo Movimento Sem-Teto de São Paulo (MSTS). A reintegração de posse, pedida pela prefeitura, ocorreu em 2016 e cerca de 120 famílias foram retiradas de lá. A inusitada história do Cine Marrocos é, inclusive, tema de um documentário homônimo, em fase de finalização e realizado pelo jornalista Ricado Calil (de Uma Noite em 67).
Mesmo que, desde 2012, nada tenha sido feito com os dois cinemas, as propostas de André Sturm são animadoras. O secretário é taxativo: não acredita na volta da Cinelândia, e sim na revitalização do centro. A respeito do Marrocos, Sturm não o quer mais como um cinema normal, com sessões de segunda a segunda. “Ninguém vai sair da Avenida Paulista para ver no Marrocos o filme que ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes. Mas, para eventos grandiosos, com estacionamento ao lado, tapete vermelho e a rua fechada, tenho certeza de que as pessoas iriam lá”, diz.
Entre as principais atrações culturais paulistanas, cita a abertura da Mostra Internacional de Cinema e a do É Tudo Verdade. Ao contrário do Art Palácio, o Marrocos se manteve bem conservado. Precisa, claro, de uma modernização e de restauração do belo hall de paredes vermelhas. Sturm afirma que, há quatro anos, um orçamento para a reforma girava em torno de 30 milhões de reais. “Estamos fazendo um projeto para buscar patrocínio. Seria ótimo que uma instituição assumisse o espaço. Acho muito bacana que tenha o apoio da iniciativa privada.”
Seus planos para o Art Palácio são outros. “Não seria um cinema, já que tem ‘vocação’ multiúso e pode ser ocupado com várias atividades relacionadas à cultura, como teatro, literatura, cursos…” Sturm avalia que a gestão de um grupo privado seria o melhor destino para o Art Palácio e, segundo ele, há uma parceria em desenvolvimento.
Nas décadas de 40 e 50, mais de trinta grandes salas formavam a Cinelândia. Exceto o Marabá, que resistiu ao tempo, mesmo com todas as turbulências, a maioria teve um destino ingrato. Alguns exemplos: o Broadway, o primeiro a ser aberto, em 1934, foi demolido para a construção de um edifício residencial; o República e o Ritz viraram estacionamentos; e o Metro abriga uma igreja evangélica.
A promessa do retorno da Cinelândia vem de longa data. Uma reportagem de VEJA SÃO PAULO de julho de 2001 abordava um projeto da Secretaria de Estado da Cultura para transformar cerca de dez salas do centro em teatros, casas de shows e multiplex. O plano não vingou. Espera-se que, agora, outro roteiro chegue às telas.
O Marabá deu certo?
Comprado em 1996 pelo Grupo PlayArte, o Marabá, tombado em 1992, precisou esperar três anos para que a prefeitura aprovasse seu projeto de restauro, a cargo do arquiteto Ruy Ohtake. Reaberto em 2009, o complexo de cinco salas é o único do centro com uma programação de filmes do circuito comercial. A resposta para a pergunta do título acima é sim. Passados nove anos, o icônico espaço tem uma taxa de ocupação de 20%, segundo Otelo Bettin Coltro, vice-presidente executivo da PlayArte.
“O porcentual ideal para um multiplex está em torno de 25%. Como se trata de um cinema de rua e de grandes dimensões, acredito estar numa faixa plausível. O Bristol (da mesma rede), por exemplo, atinge 22%”, revela. Coltro, contudo, queixa-se da falta de iniciativas para melhorias no entorno. “A prometida revitalização do centro poderia contribuir para um aumento de público.”