Um dia nas ciclofaixas de domingo
VEJA SÃO PAULO percorreu os 29 quilômetros do Villa-Lobos ao parque das Bicicletas
Stella tem apenas 5 anos e tirou as rodinhas de sua bicicleta há três meses. Esperta, ela faz curvas fechadas e sorri com seu pequeno capacete rosa na entrada do Parque Villa-Lobos, apinhado de gente. Às 7 horas da manhã de domingo (13), nem ela nem a maioria das pessoas que faziam fila para alugar uma bike estavam a postos para pedalar pelas ciclofaixas que ligam quatro grandes parques da cidade e costumam receber 40.000 pessoas em média por dia de funcionamento. Cinco minutos após o horário da abertura das pistas improvisadas com cones, apenas cinco ciclistas passavam pelo ponto de partida — ou de chegada. Todos eram orientados pela monitora Marinalva Rosa Oliveira Silva, uma das 355 que ficam ao longo dos 29 quilômetros de ciclovia. “Acho interessante essa iniciativa, mas teria de ser expandida para bairros mais pobres”, diz ela.
O funcionário da Green Bike, empresa que aluga os veículos no Villa-Lobos, chega de moto às 7h15. Abre uma das portas e já depara com a família Pott. O analista de sistemas Fabio Pott, acompanhado do filho e da filha, ambos com bicicletas, está à espera de uma quarta magrela para a mãe — o aluguel custa de 6 a 8 reais por hora. Ele já fez o percurso pela ciclofaixa e aprovou. “O trajeto é bem sinalizado, tranquilo, com só dois trechos mais pesados.” Os pontos mais difíceis a que Pott se refere são a Passagem Subterrânea Dr. Euryclides de Jesus Zerbini, que dá acesso à Avenida Lineu de Paula Machado, e a subida da Rua Inhambu, antes da Avenida República do Líbano.
O percurso teve sua primeira parte inaugurada em outubro de 2009, com extensão até o Villa-Lobos em janeiro deste ano — não há previsão de novas ampliações. Tem muitos trechos arborizados e passa por quatro parques. É uma boa oportunidade para admirar paisagens que não se veem do carro ou do ônibus.
No número 2.022 da Rua Alvarenga, o mecânico de bicicletas Thiago do Carmo estava preparado para mais um domingo de trabalho. Ele costuma oferecer roda, câmara, pneus, bomba, bancos e tudo o que um ciclista que não fez a revisão precisa para pedalar. Quando não está consertando bicicletas, equilibra-se em cima de uma, mas teme pela segurança. “O paulistano ainda não respeita a bike. É comum ouvir pessoas dizendo que um motorista jogou o ônibus em cima delas ou que foram fechadas por um taxista”, afirma.
Às 8h42, um grupo maior começa a circular pelo Parque do Povo. Com cerca de 1 quilômetro de pista, o espaço é usado pelos menos preparados fisicamente como ponto de parada, onde é possível descansar e repor as energias. Por volta das 9 horas, o bloco de ciclistas chega a doze nos semáforos da Avenida Henrique Chamma. Farol fechado, uma respirada, um gole d’água e força nas pernas para o trecho mais íngreme, na Rua Inhambu. Muitos passam bem, outros dão o último gás para subir e alguns colocam os pés no chão e carregam a bicicleta ladeira acima.
Agora é só reta para o ponto final do passeio. No Parque das Bicicletas, o clima é de festa. Às 9h16, uma versão de Gal Costa com Zeca Baleiro para a canção “Vapor Barato”, de Jards Macalé e Waly Salomão, ecoa nas caixas de som. Ali, o publicitário Giuliano Springhett se preparava para enfrentar a ciclofaixa pela terceira vez. “Acho muito boa a iniciativa, mas o ideal seria ter sempre esse espaço para o ciclista”, diz. Para sua namorada, a pedagoga Sara Yoshikawa, a recompensa pelo esforço é tomar uma água de coco no Villa-Lobos no fim do percurso.
Às 10h40, o número de bicicletas aumenta vertiginosamente. Nos semáforos da Avenida Ibirapuera, cerca de 25 ficam em duas filas à espera do sinal de um dos funcionários da ciclofaixa. Ele levanta a sua bandeira como se fosse um árbitro auxiliar de futebol. Os carros param e os ciclistas seguem.
Às 11, Carmo já faturou cerca de 100 reais e prevê ganhar o dobro até o fim do dia. “Vendi dois selins, fiz regulagens de câmbio e troquei alguns pneus”, revela o anjo da guarda dos descuidados, aluno do curso profissionalizante para mecânicos de bicicletas do Senai.
Por volta do meio-dia, o fluxo atinge o auge. A dificuldade para os iniciantes aumenta e o trânsito de automóveis ao lado também começa a complicar. Os motoristas olham com algum estranhamento. Para o analista de marketing Fernando Mafra, o clima entre os carros e as bicicletas ainda não é de confraternização. “Eu já fui xingado por um motorista às 3 da tarde de domingo por ‘não estar na minha pista’, sendo que o código de trânsito estipula que as bicicletas devem trafegar à direita e a ciclofaixa, já desativada, fica à esquerda”, explica.
Às 14 horas, horário do fim da ciclofaixa, mesmo com o calor de 27 graus, o trânsito de ciclistas é intenso no Parque Villa-Lobos. Entre eles está o empresário de cicloturismo Eduardo Green, de Florianópolis, que dava um passeio com as sobrinhas Stella e Helena. “A ciclofaixa é uma ótima iniciativa para aprender a conviver com as bicicletas. Mas vemos muita negligência dos ciclistas com os motoristas e principalmente dos motoristas com os ciclistas. Ainda há muito que aprender”, diz Green.