Fiz um teste: percorri o mesmo trajeto duas vezes, uma sem chapéu e outra com chapéu. Um dia depois do outro, mesma temperatura, mesmo sol, cinco quarteirões, de casa até o banco, e a volta.
No primeiro caso, bons-dias formais no elevador, depois na portaria; ninguém me observa na rua, passante habitual; olhares no chão; anônimo anódino; pessoas-paisagem; gentilezas profissionais no banco; a volta, igual.
No dia seguinte… Antes, vou descrever o chapéu. Branco, de palha italiana, fita preta em volta da copa, aba elegante meio caída na frente, leve, uma simples carneira de gorgorão, para ficar mais leve, afundado no alto e com duas pequenas depressões simétricas na parte da frente. Não era um autêntico panamá Montechristo, apenas uma contrapartida siciliana para proteção contra o sol alucinado da ilha. Comprei lá, na Sicília.
No dia seguinte, de chapéu, fui recebido no elevador com um olhar de franca avaliação, sorriso discreto e balançadinhas de cabeça em repetida aprovação. Quase se ouvia o pensamento: “Bom, ficou bom”. Ou seria ilusão minha, desejo meu de apoio? O bom-dia do porteiro não foi o de sempre, soou um tonzinho acima. Tenho ouvidos afinados para bons-dias. Na rua, olhares, em vez de olhos baixos. Não tive coragem de olhar para trás, a fim de conferir a duração da impressão. Alguns passantes até murmuravam “bom dia”, encorajados pelo chapéu, confiantes em receber de volta a mesma cortesia. No banco, o segurança, habituado à clientela, firmou a vista, no susto me cumprimentou, e rapidamente se recompôs. Seria impressão minha ou a caixa alargara o sorriso mais do que pedia a formalidade profissional?
Ao voltar, alonguei um pouquinho a caminhada até a feira. Todo mundo sabe como é feirante, a liberdade que ele se dá. Um: “Ô, magnata! Vai fruta?”. Na volta, um estudante da PUC: “Maneiro! Onde é que o senhor comprou?”. Ficou decepcionado ao saber que foi tão longe. E: “Quer vender?”.
Fiz esse teste para pôr à prova as palavras de um homem que vende chapéus num shopping dos Jardins, cuja loja dá um toque nostálgico àquela passarela de juvenilidades. Nostálgico? O homem disse que as vendas crescem, e mais parecia defender uma tese do que o seu negócio:
– Pode reparar. Homens que usam chapéu são pessoas finas, educadas, não são pessoas comuns. Têm estilo.
Nos dias de hoje, é preciso convicção para usar chapéu, personalidade. Não muito antigamente, sessenta anos, ele fazia parte do vestuário masculino. Vejam as fotos. Nos restaurantes, nas casas, nos teatros, havia cabides para pendurá-los. Humphrey Bogart não seria ninguém sem aquele chapéu. Nem Indiana Jones, nem Dick Tracy. Quer saber? Era aquele chapéu que dava estilo a Santos Dumont. Fernando Gabeira, quando voltou do exílio na Europa, há quase trinta anos, tinha visto lá o filme de Ingmar Bergman, O ovo da serpente, no qual David Carradine usa um chapéu charmosíssimo, um Borsalino de pêlo de lebre. Trouxe um igual, usava-o de vez em quando na noite paulistana, divertia-se compondo um tipo. Chapéu pede atitude.
Por que os chapéus saíram de moda se são úteis? Foi o automóvel que os tornou dispensáveis, ainda mais com o manobrista levando o carro até a porta. De quebra, matou a capa de chuva.
Muitos carecas que queimam o couro ao sol gostariam que eles voltassem; pessoas que procuram um estilo adorariam a volta; gente de pele clara e indefesa ficaria mais à vontade para se proteger. O que os inibe? Corrigindo: o que nos inibe?
Desde que o médico me recomendou com veemência o uso de chapéu sob o sol, vacilo entre a inibição e a obrigação. As palavras do homem do shopping, o teste positivo da rua e o sorriso da caixa do banco me animaram.