Millennials da decoração: jovens profissionais se destacam na CASACOR 2019
O mega evento de design e arquitetura começa nesta terça (28), no Jockey Club
Profissionais de até 39 anos da geração millennial que mostrarão seu talento na próxima edição da CASACOR lembram suas trajetórias e discutem tendências, o que ficou para trás e o futuro da área. O principal evento de decoração e design da América Latina tem início na terça (28), no Jockey Club, e conta com 75 ambientes para o público se inspirar.
Quase médico
“A geração anterior era um pouco ditadora, os profissionais do setor agora escutam mais o cliente”, acredita Nildo José, 30. O baiano de Feira de Santana, que veio para São Paulo estudar medicina mas acabou trocando o curso pela arquitetura, se considera parte da “geração coworking” — foi em um desses espaços que começou seu escritório, atualmente instalado em Pinheiros. Ele acredita em um trabalho mais colaborativo, sem “picuinhas” ou “vaidades” entre os colegas. Formado apenas cinco anos atrás, cresceu profissionalmente em pouco tempo graças a seu estilo minimalista, leve e contemporâneo. “Minhas preocupações vão desde a área de serviço até a caminha do cachorro, não só os locais que a visita vai ver”, alfineta. Hoje, tem uma equipe com onze parceiros e garante que recusa projetos nos quais não acredita. “Não somos um escritório de arquitetura clássica, então, se o cliente vem aqui pedindo lustre de cristal, preferimos perder esse dinheiro, nem saberíamos fazer.” Na CASACOR deste ano, José mostra um ambiente delicado, repleto de peças de cores claras, inspirado em sua terra natal. Alguns artigos de lá foram garimpados nas redes sociais de artistas pouco conhecidos. “São jovens como eu que ainda não conquistaram espaço no mercado. Gosto muito do novo.”
Vida sem apego
Os dinamarqueses são adeptos de um conceito chamado hygge. O termo descreve sensações de bem-estar, conforto e felicidade. Foi a partir daí que Melina Romano, 34, montou seu espaço na CASACOR. “Quis criar algo vivo”, explica. “Deixei a cama desarrumada, por exemplo. Trouxe mantas aconchegantes, texturas brasileiras como piso de cerâmica, iluminação pontual… Um local sem excessos, voltado para o essencial e o funcional.” A moça, formada em administração de empresas e design de interiores, reforçou seus estudos em Firenze, na Itália, para se destacar da concorrência. “Também me especializei em mobiliário. Meus projetos exibem muita influência europeia”, diz ela, que trabalha com os setores residencial, comercial e hoteleiro. Melina acha que está surgindo um novo olhar na forma de morar e trabalhar. “Aposto na multifuncionalidade dos ambientes. Os layouts engessados e divididos ficaram para trás, tudo se tornou mais integrado”, define. “A nova geração também é menos apegada. Para meus avós e meus pais, a casa era a casa da vida inteira. Isso não existe mais, as necessidades mudam muito rapidamente. Crio projetos pensando nisso, com móveis soltos, sem embutir, por exemplo, para facilitar na hora da mudança.”
De cabeça no fetiche
O rapaz da foto, prestes a mergulhar em uma piscina recheada com 14 000 bolinhas de plástico, é o soteropolitano Ricardo Abreu, 38. Ele, que tem escritório próprio desde 2012 em plena Avenida Paulista, participa de sua segunda CASACOR. No ano passado, destacou-se com um ambiente de míseros 30 metros quadrados inspirado em uma mulher transexual, o que lhe garantiu agora um local quase três vezes maior. Apostou na temática fetichista, com cadeira e quadros influenciados pelo shibari (técnica erótica de amarração), um quadro com tachinhas e um neon que pede silêncio (“sssh…”), luz baixa e a tal piscina de bolinhas que, para ele, sugere desejo. “Tive em mente as antigas garçonnières, ponto de encontro de amantes”, explica. Ele atende principalmente jovens solteiros, recém-casados ou pessoas em seu primeiro negócio. “O que todos querem é um lugar para impressionar, mostrar que estão bem de vida. Às vezes, o foco aparece mais na estética do que na funcionalidade”, diz. “Meus projetos não apresentam muita identidade, mergulho na vida do cliente. É ele quem vai morar, não eu.” Mas não deixa de dar palpites, claro. “Alguns são muito apegados a símbolos de luxo, como mármore, mas não necessariamente aquilo faz parte do estilo da pessoa.”
Aconchego de casa de vó
“Viemos de um período que tinha um estilo muito frio, impessoal, repleto de branco. Pretendemos retomar o conceito de acolhida, de casa de vó”, afirma Kika Mattos, 32. A estilosa sergipana divide o comando do escritório Triart com os paulistanos Marcela Penteado e André Bacalov, ambos de 28 anos. No ambiente do coletivo na CASACOR, surgem tons terrosos, vegetação, materiais naturais, cristais… Os três se conheceram trabalhando com David Bastos, profissional de carreira extensa no setor, até dar início à sociedade, há quatro anos e meio. A experiência em um escritório maduro ajudou a turma a criar as bases para sua linguagem. Nos trabalhos para os clientes, eles apostam, principalmente, em marcenaria e ambientes modulares, com jogos de esconder e mostrar. “A decoração que parece showroom já era, quando o profissional comprava tudo de uma loja só e organizava o local, sem pensar no cliente”, acredita Kika. “Hoje, existe muito mais consciência do que é colocado, tanto pela questão financeira em tempos de crise quanto pela sustentabilidade.”
Rigor vindo do hipismo
O arquiteto Michel Safatle, 36, recebe com bolo e café quem o visita na CASACOR. O profissional, elegante e detalhista, atuou como cavaleiro na juventude em competições brasileiras e internacionais. Atribui ao esporte o rigor com que diz criar seus projetos em um escritório de “alta-costura de interiores”, segundo ele. Logo que recebeu o diploma na Faap, há doze anos, sem ter estagiado, arriscou-se na própria empreitada — e foi bem-sucedido. “Contei com uma educação direcionada à cultura. Quando era pequeno, viajava para visitar museus, enquanto meus amigos iam para a Disney”, lembra ele, que é filho da artista plástica Cristina Gimenes.
Por seus contatos na área, conseguiu pendurar em uma das paredes de seu ambiente no Jockey Club um desenho assinado por Tarsila do Amaral, um estudo para a pintura A Negra. Esse deverá ser um dos pontos favoritos para fotos, assim como uma árvore de flores naturais secas e um quadro com uma foto de mãos apontadas para o céu, que conversa com uma luminária em estilo japonês. “Hoje, precisamos pensar também em como nosso trabalho vai repercutir digitalmente.” Safatle, fã de antiguidades, curte explorar a mistura de culturas, épocas e estilos. “Temos cada vez menos espaço para o efêmero. Precisamos consumir menos e melhor, com foco no que resiste ao tempo, porém de uma maneira fresca.”
Nome em ascensão
O engenheiro Yojiro Takaoka consolidou-se como pioneiro no desenvolvimento de condomínios no país. Hoje, o neto Lucas Takaoka, 27, tem seu escritório de arquitetura no bairro criado pelo avô, na região de Alphaville, em Barueri. “Sinto muito orgulho, ele foi um exemplo, mas tento crescer como Lucas, e não Lucas Takaoka”, avisa. O despontante profissional formou-se há apenas três anos e fez estágio com Arthur Casas. Também designer de móveis, usa o Instagram como plataforma de divulgação de projetos em 3D. Assim, conseguiu seus primeiros clientes, vindos da Bahia. “Foi o que me impulsionou”, lembra. Até agora, trabalhou apenas com apartamentos, porém está prestes a assinar uma linha de casas pré-fabricadas, do tipo modulares. A criação de mobiliário vem igualmente decolando. Em breve, ele vai lançar uma coleção própria. Todas as peças vistas em seu ambiente na CASACOR, um banheiro de área externa de 20 metros quadrados, são desenhadas por ele mesmo. O rapaz é entusiasta da madeira. “Trata-se do material que mais traz aconchego”, acredita. O que mudou no setor para ele? “O arquiteto está mais consciente do método construtivo e vem optando por formas economicamente viáveis, sustentáveis e bonitas.”
Foco no DNA
O arquiteto e designer de móveis Gustavo Neves, 35, tira grande inspiração da natureza para seus trabalhos. “Interfiro o mínimo possível nos materiais e formas, respeito o que já existe. Não tinjo, faço polimento”, define. O profissional, que atuou por treze anos como curador de um grupo de lojas de móveis de Jaú, sua cidade natal, no interior de São Paulo, abriu seu escritório em 2015. “Meus clientes têm um pouco mais de sensibilidade e noção de mundo”, acredita. “Uma vez mandei um orçamento de um lustre e a mulher me disse: ‘Há quem compre carros e quem compre lustres, eu compro lustres.’ ” Neves afirma focar o que é essencial, o que representa o DNA de cada um. “Muita gente está acostumada a fazer o projeto que todo mundo faz. Se não vai usar duas cubas no banheiro, um closet enorme ou uma mesa de jantar para oito pessoas… Não precisa ter uma cozinha gourmet só porque seus amigos têm. É um caminho para quem se preocupa com as próximas gerações, sem consumo desenfreado. Pode ter um só quadro de 1,5 milhão de reais, não precisa de uma parede forrada”, diz o profissional, habituado a lidar com projetos de alto padrão. Seu espaço de 355 metros quadrados na CASACOR ostenta peças e materiais nacionais. O destaque fica para a porta de entrada, revestida por ex-votos, presentes dados pelos fiéis às igrejas após alcançarem uma graça. Com preocupação sustentável, o ambiente traz diversos elementos provenientes de descarte, piso de terra batida, fachada coberta de piaçava, parede preenchida com feno para vedação… “Sempre que puder, opte pelo não consumo em vez do consumo consciente.”
Trabalho mais leve
Formada pelo Centro Universitário Belas Artes, a arquiteta Ticiane Lima, 32, é um dos nomes estreantes desta CASACOR. “Aposto em um ambiente contemplativo e contemporâneo, repleto de elementos naturais e confortáveis”, explica. “Nossa função é mudar o olhar do ser humano, educar. Mostrar, por exemplo, que dá para fazer um projeto acessível sem foco no caro. Tudo o que exibe preconceito, engessamento e falta de acessibilidade é ultrapassado.” Para o evento, ela criou um espaço de trabalho diferente, com 125 metros quadrados, dividido em sala, banheiro e terraço. Vem repleto de cores claras e vegetação, sem estações de serviço fixas, mas um banco com apoio de tomadas e um grande sofá acolhedor. “Fizemos uma área de descompressão do funcionário, uma rede com acesso por uma escada, onde dá para tomar sol, arejar a cabeça… Não é produtivo deixar alguém horas e horas sentado. Deve-se ter em mente um ambiente agradável.”
De Hugo Gloss a Marquezine
Os três bem-apessoados rapazes que compõem o Studio Ro+Ca sabem explorar as redes sociais para garantir clientes. Na conta do Instagram do escritório carioca de estilo moderninho, com 55 500 seguidores, aparecem fotos de celebridades atendidas pelo trio, caso das atrizes Bruna Marquezine e Fiorella Mattheis e do influenciador digital Hugo Gloss. Esse último, por exemplo, compartilhou com seus milhões de seguidores as obras de seu apartamento, enchendo a bola dos meninos. Carlos Carvalho, 32, e Rodrigo Béze, 33, ambos formados na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), conheceram- se durante um intercâmbio na Europa e decidiram criar o próprio negócio em 2013. Mais tarde, entrou na empreitada Caio Carvalho, 29, irmão mais novo de Carlos. Os parentes, que moram no mesmo prédio, fortaleceram o gosto pela arquitetura na juventude construindo casas no The Sims, jogo de simulação da vida real. “Sempre quisemos fugir do estilo associado ao Rio, com cara de praia, muito bege e branco”, define Carlos, que está em sua primeira CASACOR paulistana. “Prezamos por uma pegada urbana, com bastante ferro, concreto e tijolo. Misturamos elementos sofisticados, sem ficar careta.” Eles não são muito do minimalismo. Investem em espaços carregados de informação para contar a história do morador. O trio anda tentando fugir de um acessório que vez ou outra aparecia em seus ambientes: os neons. “Usamos muito e agora queremos dar uma segurada.”
Cidade para as pessoas
O escritório Zoom, fundado há uma década, propõe-se a criar projetos tendo em vista uma cidade mais humana. “Estamos muito dentro de casa, dos próprios pensamentos. Promovemos uma arquitetura para viver mais externamente”, define Guilherme Ortenblad, 35, sócio de Rosa Alves, 31, na empreitada. O negócio foi, por exemplo, pioneiro na implementação dos parklets na capital — projetou mais de cinquenta deles por aqui. “Pensamos em conjuntos que dialoguem com o entorno, levando em conta como as pessoas vão se identificar.” Na CASACOR, desta vez, junto da empresa Lao Design, os sócios transformaram um espaço de passagem em uma espécie de pocket park, com mobiliário, vegetação e um aparelho cujas chamas se movimentam no ritmo de ondas sonoras. “Pegamos pequenos espaços residuais e ociosos e transformamos em locais de convivência. Isso proporciona uma quebra na agitação da metrópole”, afirma Ortenblad. “Queremos trazer conforto ao espaço urbano.”
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 29 de maio de 2019, edição nº 2636.