CASACOR abre nova edição na Paulista com foco em arte e ancestralidade
Maior evento de arquitetura de interiores das Américas começa na terça (21) no Conjunto Nacional totalmente conectado aos novos tempos
A CASACOR, maior evento de arquitetura de interiores das Américas, prepara uma nova edição especial no Conjunto Nacional, na Avenida Paulista. Após bater recorde de público nos últimos dois anos — 115 000 visitantes em 2022 e 124 000 em 2023 —, a mostra chega à capital paulista na terça-feira (21) e vai até 28 de julho, repleta de novidades.
Ao todo, 9 000 metros quadrados do edifício modernista projetado por David Libeskind (1928-2014) serão ocupados por setenta ambientes, entre estúdios, lofts, casas e jardins, e quinze espaços culturais, gastronômicos e comerciais, que marcam a ampliação da sua atuação.
“Notamos que o público trazia consigo outros interesses, como arte, moda, música e viagem”, afirma André Secchin, diretor-geral da CASACOR. “Temos posicionado a mostra para falar sobre esses outros territórios porque queremos que ela seja reconhecida como uma instituição cultural”, acrescenta.
A atenção à arte é um dos reforços mais notáveis. As obras, que antes ocupavam uma única galeria ou se espalhavam de maneira pontual, ganham agora cinco salas próprias. Logo na entrada, o visitante é recebido com um gavião e uma videoinstalação de Denilson Baniwa, que formam a obra Segurar o Céu, criada para a ocasião.
Todas as salas foram pautadas pelo tema De Presente, o Agora, que trata da busca por respostas na ancestralidade para questões do presente e do futuro. “Não é só olhar para trás, é também refletir sobre que ancestrais queremos ser lá na frente”, afirma Livia Pedreira, presidente do conselho curador do evento (leia ao fim deste texto), que mapeou tendências do morar na atualidade.
A obra do artista indígena na entrada tem inspiração no livro A Queda do Céu (2010), de Davi Kopenawa Yanomami, que fala sobre o fim do mundo e a destruição da natureza pelo homem branco. Baniwa, que foi curador do pavilhão brasileiro na Bienal de Veneza, traz o gavião como símbolo de proteção da natureza e, na instalação, mostra um vídeo de florestas com sons característicos na parede, “segurado” por fios ligados a desenhos rupestres no chão, como se fizessem a ligação da terra com o céu. Por meio da cosmovisão indígena, ele exprime sua relação íntima com a natureza e reflete sobre o que é necessário para salvar o mundo.
Adiante, o visitante depara-se com a exposição Ecos Armoriais, inspirada no movimento fundado por Ariano Suassuna (1927-2014) em 1970, que tinha a intenção de valorizar a cultura popular do sertão, fincada nas raízes brasileiras, com uma linguagem erudita.
“Trazer o homem sertanejo com cunho artístico vem da necessidade de explorar a cultura dos ancestrais”, comenta Pedro Ariel Santana, curador e diretor de relacionamento e conteúdo do evento. O movimento armorial durou cerca de 25 anos, mas foi tão marcante que influenciou o que veio depois. “Criou a imagem que o Brasil tem do Nordeste. Durante minha pós-graduação na PUC, detectei uma geração de artistas que beberam na fonte armorial e continuam produzindo até hoje”, diz.
Foi assim que ele conheceu o trabalho dos recifenses Derlon Almeida e Joana Lira, parte do elenco de 25 artistas da exposição, todos nordestinos — exceto por um paulistano, filho de nordestinos. Eles se destacam pelos dois murais de grandes proporções, posicionados frente a frente em um corredor, cada um com sua simbologia e estilo. Enquanto Joana tem uma estética mais colorida, Derlon produz um trabalho em preto e branco.
“Estou em São Paulo há 25 anos e, quando recebi o convite para participar, tive que revisitar momentos da minha trajetória profissional”, conta Joana. A obra, intitulada Sei de Onde Eu Vim. Para Onde Eu For, Eu Chego!, apresenta mulheres em uma atmosfera fantástica, com sereias e quimeras (combinação de humano com peixe). Há ainda aquelas com línguas de cobra e olhos de pássaros.
Para a ilustradora, a conexão com símbolos ancestrais serve de base. “Sempre digo que não se voa sem chão. Saber de onde venho me dá contorno para poder alçar esses voos”, afirma. “Meu desejo é que a obra tenha a potência de inquietar os visitantes e se renove no olhar de cada um que passar.”
Por sua vez, Derlon fez uma peça que lembra a estética da xilogravura. “O Pedro (Ariel) visitou o meu ateliê e viu que eu tinha iniciado a inserção do elemento caju, que fazia parte da sua pesquisa sobre o movimento armorial, como um símbolo de nacionalidade”, conta o artista. “E me convidou para fazer um painel usando o caju como protagonista.” A figura aparece centralizada na obra e é apresentada como mais do que uma simples fruta. “Misturei um pouco espiritualidade e religiosidade; chega a se tornar algo sagrado”, ele acrescenta.
Uma extensão de seu trabalho pode ser vista em painéis na Avenida Paulista, celebrando o início da CASACOR. “São figuras que tocam no íntimo da minha estrutura e dos meus afetos e me sensibilizam”, analisa. “Sou uma pessoa muito saudosista, tenho essa relação da memória e da reflexão entre as pessoas e o tempo. Sempre pinto pensando em como o espectador vai se relacionar com a obra.”
O pernambucano, que começou sua trajetória no grafite, vê sua origem como algo essencial. “Se eu tivesse nascido em outro estado, dificilmente seria o artista que sou hoje. A produção do Recife tem muito esse olhar para dentro.” Além de Derlon e Joana, o elenco da exposição conta com nomes como Jonathas de Andrade, Juraci Dórea e Rodrigo Ambrósio, que também colaborou na curadoria.
As duas instalações que completam o circuito artístico são Terreiro, de Alexandre Salles, e Memento Habilis, de Henrique Oliveira. A primeira aborda as religiões de matriz africana, fazendo referências aos orixás, reunindo obras de cinquenta artistas e trazendo elementos da história do arquiteto.
“Além da ancestralidade, o terreiro é sinônimo de quintal, o mais democrático. Ele pode ser entendido como um lugar de encontro, em uma abstração do termo para o contemporâneo”, comenta Salles, CEO do Estúdio Tarimba. Filho de Ogum com Oxum, ele carrega o candomblé como herança familiar, desde seus avós, que tinham um terreiro em Andaraí, na Bahia, e depois se mudaram para São Paulo.
O espaço receberá rodas de conversa sobre ancestralidade, educação, arquitetura, gastronomia e moda. A proposta é refletir sobre os vestígios do tempo e os caminhos para o “terreiro do futuro”. Um dos recursos para isso foi o uso de inteligência artificial nos bancos que formam a palavra em iorubá Ayé (que representa a Terra), feitos com robótica por alunos da Escola Politécnica da USP, reutilizando resíduos de bauxita advindos da mineração, mas livres das substâncias tóxicas.
Esse também é o foco de Henrique Oliveira, que criou grandes troncos de árvores a partir de materiais reciclados de construções, como galhos e madeira compensada — o resultado é uma obra imponente. A combinação entre tecnologia e sustentabilidade também é trabalhada pela própria CASACOR, que tem a certificação Lixo Zero e fará 100% de compensação para suas emissões de carbono.
Na gastronomia, o evento traz de volta o buffet brasileiro do Badebec, a doceria saudável de Isabela Akkari e o moderno Bar Caracol, além dos estreantes Ristorantino e Bardega. Todos esses espaços podem ser acessados independentemente de ingresso.
A seção de lojas reúne a Livraria Unisaber (livros de arte e arquitetura), a Gustavo Eyewear (óculos de grau e de sol), a Oficina Francisco Brennand (cerâmicas) e a estreante Feira na Rosenbaum (design).
Múltiplos lares
Para a baiana Livia Pedreira, 67, a CASACOR é como um “microcosmos do morar” — tem desde espaços espetaculares até pequenos estúdios. Há quase dez anos, Livia encerrou sua carreira jornalística, após ter sido editora de revistas de arquitetura, para atuar como curadora do evento ao lado de Pedro Ariel e Cristina Ferraz. “Meu desejo era que o grande público entendesse a arquitetura como aliada na mudança da qualidade de vida. Na CASACOR, vi que seria possível fazer uma revista viva”, reflete.
A edição deste ano promete exibir a pluralidade e a brasilidade dos profissionais e seus projetos, aliadas à arte e à tecnologia, cada vez mais presentes na mostra. “Todo ano, vamos às principais feiras de design, estamos atentos à indústria de cerâmicas e acabamentos e monitoramos o que acontece no mundo das artes. Dessa forma, montamos um grande cenário com todas essas visões”, resume ela, que, para desenvolver esta mostra, fez viagens de pesquisa para Minas Gerais, Pernambuco, Bahia e Alagoas, e para países como Itália (Milão e Veneza), Inglaterra (Londres) e Colômbia (Bogotá e Medellín). “O maior desafio é orquestrar um ambiente harmônico.”
Ao falar do tema desta edição, De Presente, o Agora, Livia deixa claro que a preocupação com a sustentabilidade também se tornará mais tangível a cada ano. “Não há mais o amanhã. Precisamos viver o agora para deixarmos um legado pela passagem por este planeta”, pontua. A variedade de origens, materiais e ideias atrai um público cada vez mais jovem e heterogêneo, segundo a curadora, ainda que 70% dos visitantes sejam profissionais das áreas de arquitetura, design e paisagismo. “Uma das nossas metas é manter os grandes nomes do setor e caçar jovens talentos”, diz.
Além de receber interessados em apenas contemplar as novidades, a mostra também é um espaço de oportunidade para novos negócios. “No ano passado, um dos profissionais chegou a fechar oito projetos”, conta, sem entregar o nome. “A CASACOR serve como pesquisa para o profissional do segmento, como inspiração para quem está pensando em se mudar e como diversão para quem simplesmente gosta do belo.”
Nas escolhas dos arquitetos e designers, a beleza também estará nas histórias por trás dos ambientes e objetos. “Estamos com uma mostra muito colorida e com muita memória, colocando a xicrinha da avó com protagonismo na sala de estar”, exemplifica. “Na pandemia, os murais cobrindo as empenas de prédios explodiram pela cidade. E hoje eles estão chegando aos lares das pessoas. Tudo está interligado.”
Já em seu apartamento, na região central de São Paulo, menos é mais. “Tenho uma paixão pela arte cerâmica, mas não sou colecionadora. Minha casa é muito clean porque não quero coisas demais”, descreve.
Mesmo no tempo livre, Livia acredita que seu maior hobby continua sendo mergulhar no território do morar. “Meu papel sempre foi contar boas histórias a partir da casa, esse universo íntimo que carrega símbolos tão reveladores e que retrata tão bem quem nós somos.” (Humberto Abdo)
CASACOR 2024. Conjunto Nacional, Avenida Paulista, 2073. Ter. a sáb., das 12h às 22h; dom. e feriados, das 11h às 21h. R$ 111,00 (inteira) e R$ 56,00 (meia-entrada), com pacotes promocionais.
Publicado em VEJA São Paulo de 17 de maio de 2024, edição nº 2893