Capitão Valdir Pavão: defensor da cidade
A tragédia com o avião da TAM e o desmoronamento das obras do metrô mostraram a importância do trabalho do nosso maior especialista em salvamento dentro de estruturas em colapso
Imagine escombros lambidos pelas chamas, a fumaça espessa e o cheiro de queimado de carne humana. Enquanto se avança sob lajes caídas de um edifício em colapso, o relógio lembra que ao lado há o reservatório de um posto de gasolina capaz de explodir como uma bomba de quarteirão. O caminho é calçado com barras de ferro e madeira, garantia precária em espaços cada vez menores, enquanto os cães farejam os corpos de 200 pessoas com certeza sem vida. Nada disso foi um mero pesadelo. Era esse o cenário da queda do vôo 3054 da TAM, ocorrida em 17 de julho passado, bem diante do Aeroporto de Con-gonhas, em que trabalhou ao lado de outros 225 colegas de corporação o capitão Valdir Pavão, 41 anos, comandante da 1ª Subdivisão do Terceiro Grupamento do Corpo de Bombeiros de São Paulo.
Pavão é pioneiro no Brasil na Busca e Resgate em Estruturas Colapsadas (Brec). Especializou-se no Peru, onde esse atendimento é comum devido aos terremotos. Começou como aprendiz, mas fez suas vezes de professor. Proferiu a soldados e oficiais uma palestra sobre sua experiência no comando de uma equipe após a explosão do Osasco Plaza Shopping (42 mortos e 472 feridos em 1996), originada no sistema de gás, quando foram salvas dezenas de pessoas, entre elas um bebê. Neste ano, a atuação de Pavão mostrou-se essencial não só no acidente com o avião da TAM como no resgate dos corpos das sete vítimas fatais no desmoronamento das escavações da estação do metrô em Pinheiros, arriscada e prolongada operação de cuja fase final ele participou.
Estreante nas grandes tragédias urbanas com a queda do vôo 402 da TAM (99 mortos em 1996), também diante do Aeroporto de Congonhas, o capitão, sempre que acontece uma tragédia, faz hora extra: depois de concluída a missão, aproveita o cenário para treinar novas equipes na Brec. Hoje são vinte os bombeiros da cidade habilitados em suas técnicas. O dia-a-dia do capitão é recheado de outros eventos muitas vezes dramáticos. Seu grupamento, com quarenta homens, baseado em um quartel ajardinado no Tatuapé, atende mais de 200 ocorrências por mês. Trata-se de uma vocação. O primeiro salvamento de Pavão foi aos 16 anos de idade: um amigo afogado, com quem surfava. Casado pela segunda vez, sem filhos, ele usa o tempo livre para fazer escalada, mountain bike e mergulho. E para ir à praia, com a velha prancha de surfe, que coloca no rack do seu CrossFox preto. “Ajuda no trabalho e esvazia a tensão”, diz. O que faz o capitão enfrentar o risco? A resposta está na ponta da língua: “O amor à vida”.