Fernando Alterio reinventa maior casa de shows e anuncia o UnimedHall
O empresário também vai trazer Taylor Swift para a cidade e diz que regras podem tornar inviáveis os musicais da Broadway por aqui
Fundador do gigante do entretenimento Time for Fun (T4F), o empresário Fernando Alterio, de 67 anos, inaugurou o formato de casa de shows no Brasil no distante 1983, quando ele e outros onze sócios transformaram um rinque de patinação no Palace (posteriormente DirecTV Music Hall, depois Citibank Hall, fechado em 2012). Até então, os artistas costumavam se apresentar em bares, teatros e ginásios. “Ouvi do meu pai: ‘É um cabaré mesmo que você quer fazer?’ ”, lembra. Pois o tal cabaré abriu as portas com uma turnê de Roberto Carlos. “A história já começou grande”, gaba-se o paulistano que veio de uma família de industriais e nunca teve de sonhar pequeno. Se todo mundo tem o show daquele artista que almeja um dia acompanhar ao vivo, Alterio já viu e/ou produziu todos os espetáculos que queria. Na verdade, quase. Falta reunir Chico Buarque e Maria Bethânia no palco sob seu guarda-chuva. Para além das ambições artísticas, seu objeto de desejo agora é manter-se no topo, num cenário com cada vez mais concorrentes e instabilidades. “Estamos em uma nova fase por aqui.”
Organizador de festivais como o Lollapalooza, responsável por trazer ao país desde Paul McCartney e os Rolling Stones até os irlandeses do U2, e mecenas das montagens de Les Misérables e O Fantasma da Ópera na cidade, Alterio está reinventando a principal casa de espetáculos do seu grupo, que hoje emprega 362 funcionários. Nesta semana, por uma quantia estimada no mercado em 25 milhões de reais, o Credicard Hall foi rebatizado de UnimedHall pelos próximos cinco anos. Para além dos naming rights, a mudança no espaço, que abriga até 7 000 pessoas na Zona Sul, vem acompanhada de uma repaginada no visual, com grafites assinados por Ronah Carraro e diversos ambientes instagramáveis, ou seja, pensados para que os visitantes posem para fotos. “Hoje o público quer a experiência: tudo muda a uma grande velocidade, e eu tenho de me adaptar”, afirma. Um sistema digital de geolocalização que conecta o celular do visitante à cozinha deve entrar no ar em seis meses. Ao chegar ao estacionamento, o pedido dos drinques e comidinhas já será encaminhado, para que tudo esteja pronto assim que o espectador se acomodar em seu assento.
Em outro front, as incertezas abundam. Alterio foi o responsável pelo pontapé inicial que fez com que o gênero do teatro musical virasse uma potência econômico-turística em São Paulo (segundo pesquisa encomendada à Fundação Getulio Vargas, o mercado movimentou 1 bilhão de reais na capital no último ano). Em 2001, ele trouxe a peça original da Broadway Les Misérables. Depois, outras treze produções vieram para o atual Teatro Renault. A recente mudança da Lei Rouanet que estabeleceu o teto de arrecadação em até 1 milhão de reais inviabiliza novas produções do gênero, afirma Alterio, em uníssono com diretores e atores. O Fantasma da Ópera, que fica em cartaz até dezembro, custou cerca de 62 milhões de reais, 24 milhões captados via incentivo. “Suspendemos as negociações para a obra no ano que vem”, afirma. “Mirando em artistas de esquerda, o governo acertou em uma indústria que estava se desenvolvendo bem”, completa, sem descartar a possibilidade de aparecer com uma obra nacional no lugar de uma da Broadway.
O diálogo com o governo não deu tão certo na escala federal, mas Alterio mantém bom relacionamento tanto com o governo estadual quanto com a prefeitura. No início do ano, por exemplo, um temporal na cidade fez a equipe de segurança evacuar o Lollapalooza. Com o atraso dos shows, o festival, que já teve quase 1,2 milhão de frequentadores desde 2014, terminou além do horário previsto. “Eu precisava que a linha da CPTM que atende Interlagos estendesse também seu horário de funcionamento”, conta. Ao falar com o governador João Doria, conseguiu explicar a situação ao secretário de Transportes e garantir a alteração. “Não sou de direita nem de esquerda, mas o cara resolveu um problema”, elogia. “As duas administrações entenderam a importância do evento.” Possivelmente, disputar a concessão do Autódromo de Interlagos ou do Ginásio do Ibirapuera não está fora do seu radar. “Este teria de ser um complexo maior, mas a localização é muito interessante”, diz, sem dar detalhes.
No segmento de importação de artistas estrangeiros, as disputas nunca estiveram tão acirradas. Em 2011, por exemplo, quando a T4F contratou o U2 para três noites de apresentação no Estádio do Morumbi, evento que somou 270 000 fãs reunidos, era praticamente a única empresa de seu porte no jogo. Hoje, outras três disputam as cobiçadas turnês internacionais: a Move Concerts, que trouxe o último show do Iron Maiden também para o Morumbi, a Mercury Concerts, que vem com o espetáculo da banda Kiss para o ano que vem, e, mais recentemente, a Live Nation, a maior produtora de shows do mundo, que fincou o pé no país em 2017 e já colocou na estrada a dupla Sandy & Junior (com faturamento estimado de 35 milhões de reais e 500 000 ingressos vendidos, recorde absoluto no Brasil) e anunciou para 2020 Billie Eilish, Metallica e Backstreet Boys. “A concorrência mantém a gente se mexendo, o que é bom”, diz Alterio.
Em mais de trinta anos no mercado, Alterio já passou por muitas saias-justas. Na abertura do Credicard Hall, que completou vinte anos em setembro, programou duas apresentações em formato voz e violão. Caetano Veloso abriu a noite para João Gilberto, inventor da bossa nova, que faleceu em julho de 2019, aos 88 anos. Na vez de Gilberto, porém, ele reclamou de tudo: do ar condicionado, do eco, do barulho da plateia. Mostrou a língua (uma das fotos mais impagáveis da música brasileira) e retirou-se. “Era uma festa com bebida liberada, uma tragédia anunciada”, lembra Alterio, que não larga o osso fácil quando se trata de negócios. O incidente foi contornado e o artista trabalhou diversas vezes com a companhia nos anos seguintes.
Foi na sequência da inauguração cercada de bafafás que Alterio se juntou à Companhia Interamericana de Entretenimento, do México, e expandiu os negócios para os grandes shows internacionais. Eles trouxeram para o país Backstreet Boys e Os Três Tenores (ingressos dos eruditos-pop encalharam). A parceria terminou quando Alterio comprou novamente sua parte no negócio. Aquisições, aliás, fazem parte da conduta por vezes explosiva desse showman dos bastidores, que não resiste a uma transação disputada. Em 2006, por exemplo, a Planmusic, liderada por Luiz Oscar Niemeyer, foi responsável pelo megashow dos Rolling Stones, na Praia de Copacabana, no Rio. Dez anos depois, a empresa foi incorporada pela T4F, e Niemeyer se tornou o diretor de show da companhia. Ele está organizando um grande festival, ainda sem nome anunciado, que promete atrações internacionais para o segundo semestre do ano que vem. “Alterio é um visionário e tem musculatura para pôr os projetos em prática”, diz Niemeyer sobre o patrão.
Entre os planos que começam a se desenhar para um futuro próximo estão a saída da presidência e o início do processo de sucessão. Um coach vem ajudando no passo a passo, que só deve ser efetivado em três anos, quando Alterio completar 70. “Não vou trabalhar até os 90 anos e venho me organizando para entrar no conselho”, explica.
Na Casa das Figueiras, como chama a mansão de 2 637 metros quadrados nos Jardins assinada por Isay Weinfeld, o empresário mora sozinho a maior parte do tempo. É pai de quatro filhos: Giulia, 29, e Francesca, 27, do casamento com a modelo Candy Brown, e Raphael, 13, e Mariano, 11, do relacionamento com a estilista Paula Raia. No mercado de entretenimento, Alterio tem fama de ser genioso (ironias em reuniões fazem seu sangue ferver), extremamente detalhista e competitivo. Dentro de casa, porém, a história é outra. Depois da separação de Paula, o ex-boêmio conquistador optou pela guarda compartilhada dos meninos pequenos. Semana sim, semana não, os garotos passam com ele. “Dormem no meu quarto quando estão comigo”, garante. Os frutos não caíram nem um pouco longe da árvore. Raphael já gosta de dar palpites na escalação do line-up do Lollapalooza, um dos braços da T4F. Com a mesma vocação para negócios do pai, Francesca anda pelos corredores do escritório em Santo Amaro há pelo menos dois anos. “Eu e o Rapha brincamos de quem vai ser CEO e vice da empresa”, diverte-se Francesca. Ambos ainda precisam de muitas horas de backstage para chegar lá.
Menos acelerado, Alterio garante ter adotado hábitos saudáveis (e mais caseiros). Pratica intensamente diversos esportes, entre eles corrida, natação, musculação e tênis, além da fisioterapia. A disciplina dos treinos o ajudou a controlar a ansiedade assumida. “Vou dormir no máximo às 22 horas e acordo às 5h45 para malhar”, explica. Vem tentando se desconectar do celular, especialmente aos sábados e domingos, quando parte para o interior. Festas durante a semana? De segunda a quinta, não há quem o tire de casa, garante. Quando recebe alguém, faz questão de escolher pessoalmente as receitas. “Sou um bom dono de casa: monto o cardápio dos jantares que ofereço, não gosto de contratar bufê”, afirma. Newton Simões, fundador da construtora Racional, lembra do aniversário de 60 anos do amigo. “Foram sessenta amigos e familiares para Mykonos, na Grécia, com uma programação excelente”, diz. “Ele sabe se divertir.”
A atriz Mônica Martelli, sua namorada, confirma os dotes culinários e a dedicação à casa e à família. “Eu divido as pessoas entre as que cuidam da cabeça e as que não. Quando ele falou que ia ao analista, me ganhou”, diverte- se ela, que não esconde que fez o galanteador suar a camisa para conquistá-la. “Eu tinha me interessado por ele, mas sempre com o receio de que seria um playboy, e não era isso que eu queria”, conta Mônica. “Ainda bem que ele insistiu, e eu descobri um cara resolvido, inteligente, bem-humorado e que entende a minha vida cheia de trabalho”, comemora. Alterio também não esconde a felicidade: “Não achei que engataria um namoro, não”. Uma das surpresas da maturidade, ao lado do entendimento, é que não é preciso entrar em todas as brigas. Só em algumas. Além do novo (e misterioso) festival do ano que vem, a T4F anunciou Taylor Swift, queridinha do pop atual, que nunca fez show aberto para os fãs brasileiros. Inicialmente sem patrocínio, Alterio topou bancar o risco. Em 2020, ele acredita que os ventos soprarão a seu favor.
EX-CIDADE DOS MUSICAIS
Após mudança na Lei Rouanet, grandes espetáculos originais da Broadway como estes estão fora de cogitação para a T4F em 2020
Les Misérables
Abril de 2001 a março de 2002
Público: 300 000
A Bela e a Fera
Junho de 2002 a dezembro de 2003
Público: 600 000
Chicago
Abril a dezembro de 2004
Público: 250 000
O Fantasma da Ópera
Abril de 2005 a abril de 2007
Público: 880 000
A Família Addams
Março a dezembro de 2012
Público: 300 000
O Rei Leão
Março de 2013 a dezembro de 2014
Público: 850 000
Mudança de Hábito
Março a dezembro de 2015
Público: 300 000
Wicked
Março a dezembro de 2016
Público: 340 000
Les Misérables
Março a dezembro de 2017
Público: 345 000
O Fantasma da Ópera
Desde agosto de 2018
Público: 500 000 (até o momento)
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 23 de outubro de 2019, edição nº 2657.