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Cansei de ser Freud

Por Walcyr Carrasco
Atualizado em 5 dez 2016, 19h45 - Publicado em 18 set 2009, 20h18

De uns tempos para cá tudo tem explicação psicológica. Marco um jantar com um amigo. Ele chega 45 minutos atrasado, quando eu já estava indo embora. Reclamo. Em vez de pedir desculpas, responde que sou um chato com horário. Discutimos. Dali a alguns dias, uma amiga comum vem defendê-lo:

– Você tem de entender. O pai dele era muito rígido. Tem problema em cumprir compromisso. É uma espécie de rebeldia, sabe?

Francamente, não sei. Fiquei plantado e nem posso reclamar? A maior parte das pessoas – eu inclusive – nunca estudou Freud e outros mestres do inconsciente em profundidade. Lêem-se artigos de revistas, livros de auto-ajuda. Aprende-se em bate-papos com amigos. Mas ouço explicações para cada coisa! Conheço um senhor que abandonou mulher e filhos. Ela batalhou, criou as crianças sozinha. Quando adolescentes, ele ainda botou os meninos contra a mãe, através de vários artifícios. Foi um horror. Ouvi a ex-mulher, já casada novamente, comentar:

– Ele é assim porque veio de uma família desestruturada.

– Quantos saíram de lares complicados e nem por isso são cafajestes? – arrisquei.

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Ela me encarou, furiosa:

– Você é moralista.

Se isso é ser moralista, sou sim. Acho obrigação do homem separado ajudar na manutenção dos filhos. Tudo o que antes era “errado”, “safado” ou mesmo “maldade” ganhou explicação. A mulher apronta o diabo nas costas do namorado e se descobre que ela tem um problema de rejeição – e para superá-lo quer conquistar a todos que vê pela frente. Bela análise! Mas o que deve fazer o namorado? Dar carona cada vez que ela for resolver seu problema de rejeição com outro?

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Fazer terapia é muito bom. Eu faço há muito tempo. Garanto que se não fosse minha primeira terapeuta, Aurea, não seria um escritor. Até então, nunca tinha conseguido concluir um texto iniciado. Graças ao atual, Vicente, continuo produzindo, tendo uma vida emocional com qualidade e resistindo aos impactos da vida profissional. Não concordo com a mania de todo mundo querer agir como terapeuta. Se a omelete vem salgada, a secretária do lar explica:

– Estou com a cabeça cheia de problemas porque meu irmão pegou mania de roubar. É que sempre tivemos pouco em casa e ele cresceu querendo mais.

O ladrão, em vez de ser advertido, está sendo… compreendido! Alguém está sendo despojado de seus bens por conta do trauma. E eu fico com a omelete salgada!

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Pior quando a psicologia vira argumento em causa própria:

– Sou gorda porque tenho trauma de infância. Minha mãe me dava comida gostosa quando eu ficava doente e agora identifico comida com amor.

– Não suporto tomar banho porque meu pai me obrigava a tomar uma ducha fria de manhã.

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– Não sou safado. Só não consigo me prender a mulher nenhuma porque meus pais viviam mal.

Existem questões sérias a ser resolvidas em um consultório, é claro. A psicologia deu uma grande contribuição ao mundo moderno, tornando todos mais compreensivos. Mas não quero ser terapeuta no dia-a-dia. Para mim, gente que faz maldade com criança é ruim! Conceitos antigos como bom e ruim têm muito valor. Hoje ficou tão fácil! A pessoa acredita que é uma vítima das circunstâncias e desculpa a si mesma. Depois, fica prontinha para outra!

Eu, hein? Posso ser rígido, mas não tonto. Quando alguém apronta comigo, não me sinto disposto a compreender seus traumas de infância. Fico bravo! É melhor nem chegar perto!

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