Campeonatos de slam ganham adeptos na cidade
Competições de poesia falada levam vencedor a disputar mundial na França
Desde o ano passado, toda segunda quinta-feira do mês o Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, em Perdizes, fica lotado. Mesas e uma pequena arquibancada improvisadas são voltadas para o microfone em um dos lados do salão. Esta é a noite do slam Zap!, competição de poesia falada onde cada jogador precisa recitar versos próprios em apenas três minutos. Jurados definidos na hora dão as notas para cada poema. Os que somarem mais pontos seguem para as próximas rodadas, que acontecem na mesma noite. “Os vencedores de cada mês disputam em dezembro a grande final”, diz Roberta Estrela Dalva, uma das fundadoras e organizadoras do campeonato, ao lado de Eugênio Lima, Cláudia Schapira e Luaa Gabanini. Apesar de existir desde 2008, foi nos dois últimos anos que o slam ganhou força – e mais competidores. Quem levar a melhor no fim do ano garante a vaga para representar o Brasil em junho, na França.
A modalidade nasceu em 1986 em um bar de jazz em Chicago, pelo grupo Chicago Poetry Ensemble, como tentativa de popularizar a poesia falada. O jogo ganhou força nos Estados Unidos na década seguinte, chegando em São Francisco e Nova York. Em 2002, atravessou o oceano e chegou à Europa, espalhando-se principalmente por França e Alemanha, onde ocorrem competições que reúnem milhares de pessoas.
Por aqui, são apenas dois slams oficiais na cidade. O Zap! e o Slam da Guilhermina. Com as mesmas regras, este acontece toda última sexta-feira do mês próximo à estação de metrô da Vila Guilhermina. Os vencedores também concorrem as passagens para o torneio francês. Há ainda a opção não-oficial para aqueles que gostariam de testar suas habilidades poéticas – ou apenas ouvir poesia: o Menor Slam do Mundo, que acontece também uma vez por mês, na Casa das Rosas. Organizado por Daniel Minchoni e Ge Ladera, o desafiado deve recitar versos próprios em apenas 10 segundos.
A reportagem acompanhou uma das noites do Zap!, na qual 21 nomes se increverem para o jogo. Entre eles, o vencedor do ano passado, o músico Lews Barbosa. Organizador do Ter Sarau, em Heliópolis, ele participou de apenas quatro competições e uma delas o consagrou campeão em 2012. “Eu faço músicas e talvez isso tenha ajudado”, diz. “Agora participo porque preciso treinar mais. A pressão lá fora é grande”, conta. O microfone é aberto para todos que quiserem participar, sem precisar de inscrição prévia e a atividade é gratuita (paga-se apenas os petiscos e bebidas oferecidos no bar improvisado).
Os próprios organizadores se revezam na animação da festa. Entre uma apresentação e outra, Eugênio comanda os pick-ups com black music – entre James Brown, Isaac Hayes e Sabotage. Roberta sorteia a ordem dos participantes e dá início à disputa. Dez segundos ultrapassados do tempo limite não geram punição. Mais do que isso, o competidor perde meio ponto. Luaa é responsável por avisar a penalidade, com a gaita. No fim, com aplausos ou não, cada jurado levanta a placa com a nota. O grupo vaia cada nota baixa e o júri tem a obrigação de não ceder à pressão da plateia. “É assim mesmo. Uma poesia pode impactar as pessoas de várias formas. Por isso, é importante a variedade de jurados”, diz Lu’z Ribeiro, uma das poetas que se apresentou na noite e por pouco não passa para a segunda fase.
Além das palavras, a performance do poeta ao microfone também é levada em conta. Vale deitar no chão, dramatizar e até cantar. No aquecimento, quando a competição ainda não está valendo, até versos sobre cervejas foram declamados. Na hora da disputa, os assuntos ficam mais sérios. Temáticas sociais, como o preconceito, drogas e miséria, e a rotina na favela são os mais abordados. Dos 21 participantes, sobram cinco para a segunda rodada e na terceira, apenas três. Este mês, os finalistas foram Lews, James Bantu e Emerson Alcalde, que está por trás do Slam da Guilhermina. “Aqui está a nata dos slams paulistanos”, diz Minchoni. Na última etapa, nenhuma nota ficou abaixo dos nove, o que deixou a disputa acirrada.
Com a voz grave e interpretação suave, Bantu levou a melhor da noite ao cantar sobre as desigualdades do Brasil. “Tinha um tempo que não participava. Eu faço música também e estou gravando um CD”, contou o vencedor, que apesar da sua altura de 1 metro e 90 centímetros, responde em tom baixo e fica tímido ao elogiarem o poder da sua voz.
Para os participantes, o grande desafio é conseguir levar a modalidade para outros bairros e, quem sabe, outros estados. “Eu sei de algumas iniciativas parecidas em outros locais e eu estou conversando para poder alinhar e fazermos um campeonato nacional. Imagina quantos poetas podemos ter por aí?”, planeja Roberta.