Cadeiras dos anos 50 e 60 voltam à moda
Peças de designers brasileiros retornam a lugares de destaque nas melhores salas de estar
Até outro dia, para um projeto de decoração ser considerado chique, era preciso que cadeiras e poltronas de metal e couro desenhadas por nomes como Marcel Breuer e Mies van der Rohe — os modernos da escola alemã de design Bauhaus — ocupassem um lugar nobre nas salas de estar. Pouco a pouco, no entanto, Barcelonas e afins vêm perdendo lugar para Verônicas, Oscars e Girafas, ícones do mobiliário brasileiro dos anos 50 e 60, que pareciam relegados para sempre às páginas dos livros de design. Quando a onda vintage começou a bater nos tornozelos de americanos e europeus, eles notaram a existência de poltronas, cadeiras e mesas de desenho elegante feitas com madeira de cores variadas e acabamento primoroso. “Os estrangeiros mais uma vez nos acharam primeiro”, afirma Lissa Carmona Tozzi, sócia da Etel Interiores.
+ Nostalgia: móveis e objetos de decoração
+ O barato dos outlets de moda e decoração em São Paulo
+ Fachadas chamativas aumentam o movimento das lojas
A procura por esses móveis, que nasceram para acompanhar as novas linhas da arquitetura brasileira (leia-se Oscar Niemeyer), teve início nos antiquários e nas casas de leilões — onde continuam sendo garimpados, mesmo se tratando de itens que nunca saíram de catálogo. Peças-chave da época vêm ganhando reedições e conquistando uma fatia do mercado disposta a pagar caro por elas. “São móveis de difícil execução”, diz Etel Carmona, que mantém uma fábrica com 100 artesãos em Valinhos, no interior de São Paulo, para fazer com a madeira o que ela chama de “alta-costura”. Uma poltrona assinada pelo arquiteto Jorge Zalszupin, como a sua famosa Dinamarquesa, custa 9.189 reais.
Talvez o melhor exemplo dessa produção “alta-costura” seja Joaquim Tenreiro, um português que se instalou no Rio de Janeiro em 1928 com a bagagem herdada de uma família de marceneiros. Tenreiro utilizou as madeiras brasileiras com plasticidade de escultor e trouxe de volta a espaldares e assentos a palhinha, material que considerava, com toda a razão, adequado ao clima tropical. “Ele elevou à máxima potência o uso da madeira”, comenta Adélia Borges, professora de história do design, curadora e autora de diversos livros especializados. Suas peças, de estrutura extremamente elaborada, jamais foram reeditadas.
Uma das razões é o fato de que algumas delas requerem madeiras que já não estão mais à disposição do design: são consideradas espécies ameaçadas e, portanto, protegidas pelo Ibama. E, nesse caso, por questões técnicas, a substituição por outra matéria-prima não parece viável. “Só o jacarandá-da-baía, uma madeira extremamente dura, permitia que Tenreiro fizesse peças com linhas tão delgadas e ainda capazes de sustentar o peso-pesado de um corpo”, explica Graça Bueno, que mantém móveis do designer português em sua galeria Passado Composto Século XX. “Ele quebrou inúmeras ferramentas para executá-las.”
Felizmente, há móveis que permitem a mudança. Zalszupin chegou a hesitar diante da necessidade de substituir a madeira usada em seus projetos, que empregavam espécies como o jacarandá, por madeiras certificadas. Mas aprovou o resultado e desde 2004 vem confiando seus sofisticados desenhos à Etel Interiores e às madeiras de certificação. As reedições de seus móveis fizeram o gosto pelo design voltar a aflorar nesse polonês naturalizado que chegou ao país no Carnaval de 1950. No ano passado, aos 88 anos, Zalszupin criou a poltrona Verônica, estofada. E foi em 2004, quatro décadas depois do lançamento da marca, que a Branco & Preto saiu dos croquis e das fotos da literatura especializada para se concretizar em peças como a emblemática poltrona MF5. O grupo era formado por seis arquitetos — Roberto Aflalo, Jacob Ruchti, Miguel Forte, Plínio Croce, Carlos Milan e o chinês Chen Y Hwa — que apostavam nas linhas niemeyerianas e na matéria-prima nacional.
“O sucesso do design brasileiro se deve ao desenho original, às madeiras e à criatividade na apresentação das peças”, diz Carlos Junqueira, dono da galeria Espasso, em Nova York. Aberta um ano depois do atentado às Torres Gêmeas, a loja cresceu, saiu de Long Island City para o descolado bairro de Tribeca, em Manhattan, e chegou também a Los Angeles. Em outubro, inaugurou a primeira “store in store” do arquiteto carioca Sergio Rodrigues, um dos maiores mestres da matéria, em solo americano, na unidade de Tribeca. “É uma honra ter o Sergio na ponta dessa turma”, conta. A “turma” a que Junqueira se refere traz, além de Zalszupin, os também modernistas Zanine Caldas, Branco & Preto e até Joaquim Tenreiro — hoje restrito a poucas galerias, antiquários e casas de leilões — ao lado dos já consagrados (e atuais) Claudia Moreira Salles e Carlos Motta.
Um bom exemplo é a Cadeira de Três Pés, de Joaquim Tenreiro, de 1947, feita com tiras de duas a cinco madeiras: jacarandá, roxinho, pau-marfim, imbuia e mogno. Graça conta que recentemente surgiu uma delas num renomado leilão em Portugal pelo lance de 150.000 reais. Mesmo com todo esse preço, ela desconfiou da autenticidade. E estava certa: a cadeira era falsa. Em sua galeria, Graça já vendeu uma Cadeira de Três Pés por 250.000 reais, valor considerado baixo hoje. Mas, se um Tenreiro é para poucos, uma Poltrona Mole original restaurada, de Sergio Rodrigues, sai por 12.000 reais na Passado Composto Século XX, que aumentou a clientela estrangeira a partir de 2009, quando resolveu somar aos designers escandinavos os modernos brasileiros.
“Os móveis nacionais de época têm a favor a riqueza de variedade das nossas madeiras”, afirma o arquiteto Francisco Fanucci, da Marcenaria Baraúna. “Os exemplares produzidos no resto do mundo, sobretudo na Europa e nos Estados Unidos, usam sempre coníferas, madeiras de desenho sem variação.” Ao lado do sócio, o arquiteto Marcelo Ferraz, Fanucci produz na Baraúna um mobiliário que ganhou espaço em galerias parisienses. Entre eles, duas peças desenhadas pela arquiteta italiana Lina Bo Bardi em parceria com Ferraz e Marcelo Suzuki: as cadeiras Frei Egidio e Girafa, que deu origem a uma família composta de mesa e bancos baixo, alto e de bar.
Inicialmente feitas com grumixava, as peças são hoje elaboradas com freijó e outras madeiras claras, como Lina gostava. Em sua passagem por São Paulo, em agosto, o arquiteto holandês Rem Koolhaas visitou a Casa de Vidro, projeto e residência por quarenta anos da autora do prédio do Museu de Arte de São Paulo. A casa será palco de uma exposição internacional de arte em 2012, com curadoria de Hans Ulrich Obrist. O arquiteto integra a crescente legião de admiradores de Lina pelo mundo. Mais um indício de que o Brasil finalmente pode expor seu traço tão genuíno quanto sofisticado.