Brás vê duplicar número de templos evangélicos desde 2009
Hoje há pelo menos quinze deles no bairro que se expande como reduto de peregrinação religiosa na cidade
A fábrica de embalagens metálicas da família Matarazzo está desativada desde 1996, mas o barulho que emana de dentro do galpão de 43.000 metros quadrados na Rua Carneiro Leão, no Brás, revela que algum trabalho pesado segue em andamento. “Câncer, aids, diabetes, artrite, artrose, doença do sangue? Deus vai curar”, anuncia um apóstolo. Minutos depois, obreiros percorrem o espaço com envelopes amarelos que trazem os dizeres “Ouro: a mão de Deus está aqui!”. Berrando ao microfone, o líder espiritual reforça o pedido do dízimo: “Vocês vão me trazer uma nota de 50 reais ou de 100 reais no próximo domingo?”. Do lado de fora, camelôs se apressam em montar as barracas e expõem álbuns com os maiores sucessos da música gospel.
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No fim do culto, um mar de gente começa a sair pelas portas do prédio. Como as calçadas não dão conta da enxurrada de fiéis, a rua fica tomada pelos 10.000 frequentadores diários da Igreja Mundial do Poder de Deus. É o mesmo exército que, minutos depois, lota as estações de metrô, trens e pontos de ônibus. A cena surpreende visitantes de primeira viagem. Para os vizinhos, no entanto, os cultos viraram rotina. Como uma espécie de Jerusalém paulistana, o Brás se expande como reduto de peregrinação religiosa, graças à proliferação de organizações pentecostais e neopentecostais.
Hoje, há pelo menos quinze delas no bairro, se contabilizadas as áreas fronteiriças. “Está havendo uma explosão de templos por aqui”, atesta o pastor Paulo Darcio, titular da Batista Unida do Brás, nascido ali há 66 anos e testemunha dessa transformação — nas contas dele, o número dobrou desde 2009. Quatro grandes igrejas elegeram o Brás para erguer por lá as matrizes. Por serem unidades centrais, elas tornaram-se palco para a pregação dos líderes máximos de cada corrente e, por isso, atraem romeiros de todo o país.
A Assembleia de Deus Brás-Madureira, por exemplo, escolheu a Avenida Celso Garcia para instalar o maior de seus 7.500 templos do estado, com capacidade para 5.000 pessoas. A Deus É Amor e a Mundial do Poder de Deus fizeram o mesmo, montando espaços que, juntos, chegam a reunir 30.000 pessoas em um único fim de semana. A Renascer, por sua vez, após o desabamento trágico do teto de sua sede no Cambuci, mais de dois anos atrás, inaugurou em outubro do ano passado o Renascer Hall, galpão na Rua Doutor Almeida Lima que é a sede temporária do grupo e conta com design digno de uma casa de shows.
Já a Universal do Reino de Deus marca presença com seu segundo mais importante prédio na cidade, que tem 10.000 metros quadrados e capacidade para quase 4.000 fiéis. A organização do bispo Edir Macedo se prepara para erguer uma obra ainda mais impressionante nas redondezas. Ocupando quase um quarteirão, o chamado Templo de Salomão será sua principal unidade no país, maior que a Catedral da Sé e o Cristo Redentor, como os responsáveis adoram lembrar, capaz de abrigar 10.000 adeptos e com previsão de inauguração para 2014.
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Além dessas, pipocam ali várias outras igrejas menores, instaladas entre as lojas apinhadas de rolos e trapos de tecido que caracterizam o bairro. Em seis quarteirões da Avenida Celso Garcia, por exemplo, podem ser contadas oito, todas em funcionamento em antigas fabriquetas. São pequenos salões, normalmente ocupados por algumas dezenas de cadeiras de plástico, um palco improvisado e um baú para recebimento do dízimo. O número 238 abriga a Nova Geração Mundial de Deus. No 777 fica a Mundial de Cristo. No 243, a Comunidade Cristã Amor e Graça. No 899, a Plenitude do Trono de Deus. “Atualmente, existe uma absoluta fragmentação religiosa”, diz Gedeon Freire de Alencar, sociólogo especializado no pentecostalismo brasileiro. “O pastor faz parte de uma facção. Se começa a não gostar do modelo, sai e monta outro”, explica.
No vácuo dessa expansão que toma conta das ruas do Brás, surge uma estrutura paralela para receber tantos fiéis. Nas proximidades das casas de culto, pequenas hospedarias acomodam visitantes de outros estados, com quartos a partir de 20 reais. “Saímos de Vitória às 17 horas do domingo e chegamos aqui na segunda de manhã”, contava, orgulhosa, a guia capixaba Elisângela Guasti, que organiza pacotes de 300 reais, incluindo pernoites, para os visitantes de fora.
Nos bares e lanchonetes, os turnos são ampliados para abocanhar a clientela, que só para de orar tarde da noite. O comerciante Marcos Barros, de 48 anos, está entre os que faturam com o movimento. Com a chegada do templo da Mundial, há três anos, ele abriu uma lanchonete, uma pousada com 24 quartos e um estacionamento para 28 carros. “Gosto dos crentes mais que nunca”, brinca.
Segundo uma pesquisa do Instituto Datafolha de 2008, o Brás é o mais católico de todos os dez distritos da região central de São Paulo (62% dos habitantes). Então, o que explica a peregrinação de evangélicos, que são apenas 14% dos moradores? Ótima localização e bom acesso a transporte público estão entre os fatores citados para a chegada dos templos. A oferta de imóveis também.
“Após a desvalorização das últimas décadas, construções fabris ficaram ociosas e perderam valor, tornando-se ideais para os pastores”, observa Jean Makdissi Junior, conselheiro executivo da Associação de Lojistas do Brás. Para ele, a vinda de frequentadores de dentro e fora de São Paulo tem um peso crescente nas vendas, até porque muitos se tornam assíduos. “Para mim, a pregação passou a ser um programa de fim de semana”, conta a dona de casa Patrícia Pereira, que se desloca de Itaquera para lá em companhia do marido, Alexandre Jales.
Como lado negativo, moradores citam o barulho excessivo e o trânsito caótico nos dias mais agitados. “Em dias de concentração, isso aqui vira um inferno”, afirma o padre Marcelo Monge, vigário de uma pequena igreja católica em frente às obras do Templo de Salomão. Nem ele nem os moradores imaginam como ficará o bairro no dia em que a gigantesca igreja estiver concluída.