De anjo, só a cara
'Boca de Ouro', de Nelson Rodrigues, ganha montagem que encontra vigor ao fugir do óbvio
Nos últimos dois anos, o Grupo Gattu, liderado pela atriz e diretora Eloisa Vitz, tem recriado o universo do dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980) com encenações que dialogam com o circo, a dança e a música. Depois de apostar no tom farsesco em ‘Doroteia e Viúva, Porém Honesta’ — de volta ao cartaz nesta semana no Teatro João Caetano —, Eloisa dirige Boca de Ouro, a clássica tragédia carioca já vertida duas vezes para o cinema e revisitada também por José Celso Martinez Corrêa no Teatro Oficina. Escrita em 1959, a peça centra-se em um bicheiro parido em uma pia de gafieira, líder do subúrbio carioca e que troca a dentadura natural por outra, feita de ouro.
‘Boca de Ouro’ ganha interpretação de Elam Lima, jovem, loiro e de cabelos encaracolados, bem distante do estereótipo do contraventor. Em um grupo no qual o elenco feminino mostra força, o ator alcança expressividade nas contradições do personagem usando para isso, inclusive, o tipo físico. A história é contada em três versões por uma de suas amantes, dona Guigui (a atriz Laura Knoll), depois do assassinato do protagonista, envolvendo o casal Leleco (Marcos Machado) e Celeste (papel de Eloisa). Plasticamente admirável, a montagem, que pode ser vista em sessões gratuitas no Teatro Gil Vicente, ainda traz realistas coreografias de luta e os músicos Rodrigo Scarcello e Gustavo Araujo na execução da trilha sonora ao vivo. Com atenção aos detalhes, a diretora confere efeito revigorante a um texto bastante explorado.
AVALIAÇÃO ✪✪✪