Fui à Bienal com um amigo artista plástico. Queria me ajudar a entender, o coitado! Começamos pelo 3º andar. Ao chegar, quase fui atropelado por dois rapazes seminus, de cócoras, com as pernas enganchadas, rastejando.
— Sofreram um acidente? — assustei-me.
— É uma performance — explicou meu amigo.
Calei-me. É feio ter dó de obra de arte. Entro na sala dedicada a Lygia Clark. Uma expoente da arte brasileira. No chão, uma fieira de colantes presos uns nos outros. Uma monitora da Bienal explicou:
— É para as pessoas vestirem juntas. Ficam presas umas nas outras e têm a sensação do coletivo.
— Ninguém espirra? Parecem meio sujinhos — perguntei.
Ela me observou como se eu fosse um pré-histórico. Pegou um macacão de plástico, abriu o zíper. Havia dois macacões, para serem vestidos. Sem um ver quem era o outro. Para depois enfiar a mão dentro do zíper. Não vesti a peça, mas botei a mão lá dentro. Senti um naco de espuma.
— É para você ter a sensação do feminino.
— Existe um jeito mais fácil de ter a sensação do feminino.
Quase fui expulso da sala. Mais adiante, extasiei-me diante de uma tela inteiramente branca, de Robert Rauschenberg. Meu amigo entusiasmou-se:
— É um marco.
Calei-me. Admirável, o tal Rauschenberg. Que talento! Seria capaz de vender o Viaduto do Chá, aposto. Mas não deve reclamar do mundo da arte. Continuei a contemplar maravilhas. Caixas com pedras. Um livro feito de bifes pretejados, precavidamente protegido por acrílico, ou todos nós fugiríamos devido às, digamos, emanações aromáticas. Outro livro, com ilustrações de Matisse, coberto com talco. Importantíssimo. Soube que um museu não conseguiu comprá-lo, por falta de fundos.
— Mas, se encher de talco um livro igual, também posso vender?
— Não banque o insensível — censurou meu amigo.
Aproximo-me de uns quadros feitos com calda de chocolate. O artista Vik Muniz pinta com a calda. Depois fotografa e expõe.
— Será que ele come os quadros no final?
— Acho que lambe — arriscou meu guia.
Mais maravilhas! O artista Edgard de Souza se fotografou pelado de mãos dadas com ele mesmo. Tem coragem. Com aquela barriguinha, eu não ficava pelado, não! Havia uma área cheia de lustres, de todos os tipos. Parecia uma loja da Rua da Consolação. Mais adiante, um caminhão cheio de trouxas coloridas, de uma coreana. Ela viaja com o caminhão pela Coréia e se filma fazendo isso. É arte. E haja arte! Focas no meio de placas de isopor. Um livro com as páginas cobertas por pregos. Uma estrutura com escadas e buracos. Subi e botei a cabeça. Estava tudo pintado de azul. Observei os outros incautos com as cabeças azuladas, todos com a mesma expressão de “que roubada é essa?”
Quase caí em cima de uma pedra coberta de chicletes coloridos. Notei uns recipientes vazios em torno. Era uma obra interativa, como é chique dizer. O artista botou a pedra e chicletes nos recipientes. O público mascou e pregou na pedra, que ficou toda salpicada. Para minha decepção, não havia mais chicletes. Só me restou admirar mais essa maravilha.
Minhas pernas latejavam. Meus neurônios também. Entre Magritte, Francis Bacon, Van Gogh, como entender esse samba do crioulo doido?
— A arte não lida com beleza, mas com a transgressão — explicou meu guia.
Mas a transgressão existe mesmo se tendo tornado tão banal? Quando custa caro e é guardada em espaços de segurança? Acho muito suspeito esse negócio de que para apreciar arte é preciso conhecer teoria. A obra não devia falar por si mesma? Um livro cujas páginas são bifes enegrecidos é mais importante do que um quadrinho com flores? Eu me revolto. Gosto de coisas bonitas. De enfeitar minha casa. Segundo uma amiga psicóloga, sou mesmo um insensível. Arte não tem nada a ver com o decorativo, e é isso que a Bienal está demonstrando.
— As artes plásticas são o pulsar do inconsciente coletivo.
Puxa! Tudo bem. Sei. Compreendi, mas não entendi. Sou mesmo um insensível.