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Bagunça ética

Por Ivan Angelo
Atualizado em 14 Maio 2024, 11h54 - Publicado em 10 set 2011, 00h50

Os sinais se multiplicam. Carros com motoristas embriagados atropelam pedestres até nas calçadas, ampliam estatísticas de morte nas estradas. Gangues de punks e de nazicarecas espancam gays e cidadãos pacíficos nas ruas. Policiais executam detidos, dão tiros em ônibus onde há passageiros sequestrados. Mulheres dão à luz e jogam bebês no lixo ou no córrego. Cuidadores espancam velhinhos doentes indefesos. Padrasto bêbado atira criança de 2 anos na parede e ela morre. Jovens espancam até a morte rapaz na porta da boate.

Isso não acontece do nada, veio sendo gerado e disseminado; há algum tempo percebem-se sinais de exasperação na linguagem da sociedade.

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Nos lugares mais cândidos, surpreende-se o aparato dessa exasperação; por exemplo, numa loja de brinquedos. Aqueles pequenos módulos coloridos de plástico, com os quais se montavam homenzinhos e casas, agora formam também alienígenas agressores e artefatos de guerra. Há nas lojas de crianças uma quantidade incrível de monstros, de armas que disparam dardos como metralhadoras, de automóveis que se transformam em robôs de combate.

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A música funk é agressiva, no ritmo e nas palavras.

Físico bom é o dos bombados e sarados, os que se impõem, prontos para qualquer coisa. Que que é, vai encarar?

Cão para impressionar a garota já não é aquele para o qual se atirava uma bola ou um pedaço de madeira e ele os trazia festeiro, é o pit bull de grossa coleira de pinos.

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Nos filmes, o lado de dentro dos corpos fica para fora. Tudo é explícito: o sangue, a amputação, a perfuração, a descarnadura — para que todos se acostumem, para banalizar o horror.

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Os esportes se abrutalham. Futebol é correria, tranco e carrinho; proibido o drible moleque. Vôlei é aquela pancada e preparação para ela. Até o esporte antes considerado o mais violento, o boxe, que já havia abandonado a arte da esquiva e da dança dentro do ringue, em favor da pancada seca dos lutadores de cintura dura, na era Mike Tyson, até o boxe, repito, foi superado por outro espetáculo de maior violência, no qual valem socos, cotoveladas, joelhadas, pernadas, pé na cara, enforcamento, cujo objetivo é o massacre do adversário, mesmo caído.

As tardes da televisão são de horrores. Apresentadores selecionam e exibem atrocidades com a pretensão de “mostrar a realidade”. Só aquela que lhes convém.

A violência explícita das pancadas, dos tiros e das perseguições de carros que se destroem pelas ruas é reforçada por outra, mais insidiosa, presente no jeito estúpido de falar, aos berros, de dirigir, agressivamente, e de amar, aos trancos. Repare nas novelas, como as pessoas se tratam aos berros, mesmo dentro das famílias. A montagem dos filmes é nervosa, tensa, reforçada pela música e pelos efeitos sonoros agressivos, buscando impacto, choque. O filme agride até quem fica de olhos fechados. Aqueles feitos para as crianças seguem o currículo dessa escola.

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O pior do pior é que a violência é praticada tanto pelo mal quanto pelo bem. Aplicada com sadismo pelo mocinho contra os bandidos, torna-se uma ação positiva, para olhos ingênuos. O herói bate, mata e até tortura em nome do bem. Por extensão, quem é do bem também pode espancar, assassinar e torturar, como os do mal. E aí estamos a um passo da bagunça ética.

e-mail: ivan@abril.com.br

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