Investigações sobre sítio frequentado por Lula movimentam Atibaia
Denúncias se tornaram o assunto preferido dos moradores da cidade, que abrigará dois protestos neste sábado (27)
Um homem vestido de Pixuleco, o já clássico boneco-caricatura de Luiz Inácio Lula da Silva, desfilará no sábado (27) em Atibaia, a 65 quilômetros da capital. Atrás dele, moradores da cidade são esperados em dois atos contra escândalos políticos no país, um liderado por membros do PSDB local e o outro organizado por entidades apartidárias, a exemplo do Centro Nacional de Denúncia (CND). “Viramos o paraíso da corrupção”, consterna-se o advogado Cléber Gerage, diretor do CND, sobre o envolvimento do município de 135 000 habitantes em investigações que têm Lula como alvo.
A suspeita é de que pertença ao ex-presidente um sítio de 17 hectares registrado em nome de Fernando Bittar, cujo pai foi prefeito de Campinas, e Jonas Leite Suassuna Filho, sócio de um dos filhos de Lula. Uma das evidências dá conta de que, durante seu mandato no Palácio do Planalto, Lula visitou dezenas de vezes o endereço, que teria sido reformado por empreiteiras ligadas à Operação Lava-Jato.
Na semana passada, VEJA revelou diálogos de diretores e outros funcionários da OAS em que eles discutem as exigências da “madame” (a ex-primeira-dama Marisa Letícia) e do “chefe” em ambientes como a cozinha.
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Entre as paisagens interioranas, compostas da igreja matriz e de ruas de paralelepípedos, a “terra do morango” viu-se diante de um abacaxi daqueles — e as denúncias tornaram-se o assunto preferido dos moradores. A propriedade rural virou atração turística: há sempre alguém espiando o lugar. A fachada discreta perdeu sua placa principal após o burburinho, mas restou uma menor.
Nela, lê-se, próximo do portão de madeira, “Sítio Santa Bárbara”, referência à santa protetora contra tempestades, raios e trovões, fenômenos naturais muito comuns no pedaço (não apenas metaforicamente). Quem perguntar em qualquer posto de gasolina ou portaria da área sobre “o sítio do Lula” ouvirá informações na ponta da língua. Não faltam comentários como “O pessoal chegava em carrões pretos” ou “O José Genoino já abasteceu o carro aqui”.
Vanessa, caseira do imóvel em frente há cinco anos, está cansada de atender jornalistas e curiosos. Ela conta que os vizinhos se mostravam discretos no entra e sai. Havia algumas festas madrugada adentro, com música alta. “Nunca vi gente para beber tanta cerveja”, comenta ela, sobre o lixo deixado na calçada. O motorista Renato Gonçalves relata que, em 2011, ajudou a levar ao sítio parte da mudança de Lula, armazenada em um caminhão vindo de Brasília. “Contei aos meus amigos na época, mas muita gente não botou fé. Nem eu acreditei quando me chamaram para o trabalho”, lembra.
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Há quem revele ter tido prejuízo por causa do enredo de escândalo. Nestor Lorencini comprou há dois anos o Depósito Dias. Recentemente, Patrícia Fabiana Nunes, ex-dona do comércio de materiais de construção, concedeu entrevistas nas quais disse que a Odebrecht desembolsou ali cerca de meio milhão de reais em itens para equipar o sítio (a empresa nega ter realizado tal compra no estabelecimento).
Para Lorencini, a informação pegou mal entre os clientes. “Liguei para alguns e não adiantou falar que eu não estava envolvido”, reclama ele, que recebeu visitas do Ministério Público para checar notas fiscais e documentos antigos. “Fizeram um marketing negativo.” O lojista argumenta que o faturamento semanal despencou de 10 000 para 500 reais, obrigando-o a fechar as portas e recomeçar em outro endereço.
Também foi escalado involuntariamente para essa novela Matuzalem Clementoni, dono da loja O Relicário Antiguidades e colega do advogado Roberto Teixeira, muito próximo de Lula. Matuz, como é apelidado, conheceu o ex-líder sindical no casamento da filha de Teixeira, em 2009. Desde então, ele gostava de mostrar a foto do ex-presidente à clientela, mas deixou o hábito para não espantar as vendas.
Acabou intimado a depor na Polícia Federal sobre a relação com o político. “Não vendi um prego para esse sítio”, afirma o empresário, que hoje se diz desapontado com o PT. Pelo menos mais dois estabelecimentos, um especializado em fossas e o outro em materiais de construção, viram agentes estacionar junto a suas portas nas últimas semanas.
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Atibaia, onde a população depositou 80% dos votos no tucano Aécio Neves nas eleições de 2014, se vê cercada por outras pessoas ligadas ao líder do PT. Paulo Okamotto, presidentedo Instituto Lula, e Jair Meneguelli, dos quadros do partido, costumam passear por ali. O ex-jogador de futebol Marcelinho Carioca, filiado à sigla, abriu um centro de treinamento na região. Aloizio Mercadante também é visto em Joanópolis, a poucos quilômetros de distância. Já Lula conheceu melhor a área na década de 80, quando frequentava a residência de Murilo Macedo, o já falecido ex-ministro do Trabalho.
Para completar o clima pesado, a política local não anda menos complicada. O prefeito Saulo Pedroso (PSD) foi afastado do cargo em fevereiro sob a acusação de corrupção passiva. Ele teria superfaturado a locação de um prédio para o fórum local. Tempos tumultuados para uma cidade que tem como slogan “O paraíso quase possível na terra”.