Moradores e comerciantes improvisam para driblar quedas de energia
Além dos transtornos com o trânsito e as enchentes, o paulistano enfrenta também apagões em dias de temporal
Dona de um imóvel no Pacaembu, a pedagoga Cláudia Sodré instalou estabilizadores de energia para os equipamentos eletrônicos e espalhou lanternas e lampiões pela casa, além de reforçar o estoque de velas na despensa. “Não quero mais ser pega desprevenida”, conta ela, que sofreu com a falta de luz por quatro ocasiões no começo de março. Sufoco parecido foi enfrentado pela família do publicitário Wagner Vidal Volpi, na Pompeia. Seu pai é diabético e depende de remédios que precisam ficar na geladeira. “De uns tempos para cá, tivemos de colocar os medicamentos em uma caixa de isopor com gelo para evitar que eles estraguem”, afirma Volpi.
No restaurante argentino La Recoleta, em Perdizes, o deque de madeira ao ar livre ganhou no início do mês passado uma iluminação à luz de velas. Mais do que criar um clima romântico para os clientes, a iniciativa teve como objetivo dar conta de uma emergência. No fim da tarde do dia 8 de março, um galho de uma árvore caiu sobre os fios na Rua Caiubi, deixando a região às escuras por quase oito horas. “A previsão inicial da Eletropaulo era que tudo seria resolvido em duas horas”, lembra o proprietário Julio Escandar. “Perdi vários fregueses, não tenho nem como calcular o prejuízo.”
Problemas como esses passaram a atormentar boa parte dos paulistanos nos últimos meses. A cada temporal, não bastassem os transtornos com o trânsito e as enchentes, várias regiões sofreram com quedas de energia. Um dos maiores apagões foi registrado no dia 18 de fevereiro, quando cerca de 50 mil pessoas ficaram no escuro em bairros como Perdizes, Barra Funda e Tatuapé. Em alguns desses locais, o blecaute durou mais de dez horas.
A recorrência dos defeitos na rede, que obrigou vários moradores e comerciantes a improvisar esquemas para não ficar no escuro, continua preocupando os paulistanos. No Jardim América, a residência da administradora Maria Zanforlin ficou sem luz em três ocasiões seguidas em março. Uma delas se estendeu por doze horas. “Meu filho de 3 anos me perguntou, tenso: ‘Mamãe, isso vai acontecerde novo?’”, conta ela.
Segundo a AES Eletropaulo, companhia responsável pelo fornecimento de energia na capital e em outros 23 municípios da Grande São Paulo, a situação verificada desde o começo do ano é anormal. “Não podemos levar a culpa por tudo o que ocorreu”, diz Sidney Simonaggio, vice-presidente de operações da empresa. Segundo o executivo, não há problemas de distribuição de energia elétrica na cidade. “Em sua grande maioria, as interrupções são desencadeadas por fatores externos”, justifica Simonaggio. A queda de árvores na rede, por exemplo, é apontada como um dos principais motivos que provocam a falta de luz. Apenas entre os dias 18 e 20 de fevereiro, foram registrados pela Eletropaulo cerca de 700 casos do gênero.
A interrupção de energia também afeta os semáforos da cidade. Já aconteceram cerca de 2.300 ocorrências de faróis desligados só neste ano, sendo uma das principais causas a parada no fornecimento de energia. Um complicador citado pela Eletropaulo para explicar a demora em restabelecer o abastecimento seria a dificuldade em deslocar pela cidade em dias de caos as equipes de manutenção, que (também) ficam presas nos congestionamentos.
Para o Procon-SP, no entanto, as justificativas não atenuam a responsabilidade da companhia. “É obrigação dela buscar soluções tecnológicas para que o cliente não seja prejudicado”, entende Renan Ferraciolli, assessor-chefe do órgão de defesa do consumidor. Desde o começodo ano, a Agência Reguladora de Saneamentoe Energia do Estado de São Paulo (Arsesp) aplicou à Eletropaulo duas multas por falhas no serviço, totalizando 6,9 milhões de reais. A empresa diz que vai recorrer.
A situação já foi pior. Segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em 2010 o paulistano passou em média dez horas sem luz — tempo que caiu para oito horas em 2012. No Brasil, essa média é de dezoito horas.
Para minimizar os transtornos atuais, a Eletropaulo tomou algumas medidas, a exemplo da instalação de 3 mil equipamentos que religam automaticamente a rede em caso de defeito transitório, como quando um galho de árvore bate no fio, e digitalizou todas as 150 subestações, o que permite que elas sejam controladas a distância. Os especialistas dizem que a melhor solução para pôr fim de vez aos transtornos seria a criação de uma rede subterrânea. A substituição, porém, emperra devido ao seu alto custo: de acordo com estimativas da prefeitura, para cada quilômetro de aterramento seria necessário desembolsar cerca de 3 milhões de reais.
Considerando-se os 41 mil quilômetrosde rede da Eletropaulo, a conta ultrapassaria 120 bilhões de reais. A concessionária afirma estar concluindo um estudo sobre a viabilidade da troca, projeto que demoraria, no mínimo, uma década para sair do papel. Enquanto isso não ocorre, resta ao paulistano munir-se de velas, lampiões e lanternas para não se sentir de volta à Idade das Trevas.
A CONTABILIDADE DA ESCURIDÃO
Números relacionados ao problema na capital
6,9 milhões de reais é o valor total das duas multas recebidas no começo de março pela Eletropaulo po rfalhas no seu serviço. A empresa vai recorrer
50 minutos é o tempo médio em que os clientes da Eletropaulo ficaram sem luz em janeiro
4 vezes é o número médio de interrupções de fornecimento de energia no último ano
SEM PANE
O que fazer se equipamentos eletrônicos queimarem durante blecautes
■ O consumidor tem até noventadias para entrar com um pedido de ressarcimento na Eletropaulo
■ Ele deve ter em mãos dados importantes, como data e horárioda queda de energia, além da marca, do modelo e da tensão do aparelho. Se não for o titular da conta, será preciso uma procuração
■ A Eletropaulo tem dez dias para fazer a avaliação do pedido (no caso de geladeiras, o prazo cai para um dia)