Prefeitura propõe alterações na Lei de Zoneamento
Mudança concederia descontos a construtoras; entidades acusam gestão de favorecimento ao mercado imobiliário
Responsável por determinar o que pode e o que não pode ser construído na cidade, a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, mais conhecida como Lei de Zoneamento, está prestes a sofrer mudanças significativas menos de dois anos depois de entrar em vigor. Neste mês, a prefeitura pretende enviar à Câmara Municipal uma proposta de alteração do texto aprovado no último ano da gestão Fernando Haddad.
Entre os pontos mais polêmicos estão a liberação de prédios mais altos no miolo dos bairros, a concessão de desconto de 30% na taxa que as construtoras pagam para poder erguer edificações maiores que o permitido (a chamada outorga onerosa) e a suspensão do limite de uma vaga de garagem por apartamento em áreas com ampla oferta de transporte público (confira mais detalhes abaixo).
A gestão João Doria alega que a atual regra desestimula a construção de novas moradias. “Mas não serão mudanças profundas, apenas pontuais”, afirma a secretária de Urbanismo e Licenciamento, Heloísa Proença.
De todos os tópicos, um dos que têm causado mais alvoroço é o da outorga onerosa. Somente em locais próximos a corredores de transporte, que correspondem a apenas 6% do território da cidade, pode-se construir quatro vezes o tamanho do terreno. No miolo dos bairros (14% do município), a permissão é de duas vezes o tamanho do lote. No restante da capital, é permitido erguer edificações com uma vez o tamanho do terreno — acima disso, é cobrada uma taxa. Até 2014, o valor médio da outorga era de 535 reais (valores atualizados) por metro quadrado excedente. Após a nova lei, o custo passou para 1 084 reais, uma alta de 102%.
A vontade de arrecadar mais se impôs em ambas as gestões. Movimentos sociais e entidades, porém, reclamam que a prefeitura quer favorecer o mercado. “Trata-se de um feirão em que só um lado ganha”, afirma o presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Fernando Túlio.
Do outro lado, os empresários acenam com a possibilidade de reaquecimento do setor, após anos de crise, e um retorno financeiro para os cofres públicos. Em 2011, no auge do boom imobiliário, o município arrecadou 476 milhões de reais (em números atuais) com a taxa, destinada ao Fundo de Desenvolvimento Urbano. No ano passado, esse valor despencou para 200 milhões. “É melhor a prefeitura arrecadar mais cobrando menos imposto do que ganhar menos e exigir mais das construtoras”, afirma Flávio Amary, presidente do Secovi, o sindicato patronal da habitação.
Esses e outros tópicos foram discutidos em cinco audiências públicas realizadas pela prefeitura no fim de fevereiro. Em uma dessas reuniões, ocorrida na última segunda-feira (26) na sede da Unibes Cultural, em Pinheiros, o clima esquentou — um grupo de manifestantes levou cartazes com frases contrárias à proposta e houve bate-boca.
A intenção da prefeitura é aprovar o texto na Câmara até a metade do ano. Antes, no entanto, será preciso combinar o jogo político. “A porteira foi aberta e outras propostas devem surgir, ninguém sabe o que pode acontecer”, afirma o vereador José Police Neto, do PSD. Outro entrave é a possibilidade de a prefeitura mudar de comando, caso João Doria concorra ao governo do estado e deixe a cadeira para Bruno Covas. “A experiência mostra que, em trocas de governo, as prioridades mudam, independentemente do partido”, afirma o professor de gestão pública Marco Antonio Teixeira, da Fundação Getulio Vargas.
PRINCIPAIS PONTOS EM DISCUSSÃO
Prédios mais altos. No miolo dos bairros, o tamanho dos edifícios poderá aumentar, desde que respeitada a quantidade original de unidades prevista no projeto.
Desconto na outorga onerosa. As construtoras ganharão um abatimento de 30% na taxa que libera prédios maiores do que o permitido por lei.
Mais vagas de garagem. Cai a regra que impõe o limite de uma vaga por apartamento em áreas próximas a corredores de transporte público.
Grandes empreendimentos. Shoppings e universidades poderão ser construídos em terrenos de até 40 000 metros quadrados, o dobro do limite atual.
Fachada ativa. Desaparece a obrigatoriedade de escolas e hospitais construírem salões no térreo. Quando houver aclives e declives no terreno, a medida será facultativa.