Tem uns começos que são muito bons, e o do ano é um deles. Não pelas festas que tivemos. O champanhe, os abraços, a comida, os fogos e o beijo fazem parte, mas não são a coisa principal, que vem chegando desde o fim do ano, insinuando uma nova atitude, ali um projeto, aqui uma retomada, mais para a frente uma ousadia, e mostra o oportuno espaço para uma abertura, a hora certa para uma concessão, o modo de reaproximação para selar a paz. É essa coisa que nos põe em estado de fraternidade, digamos assim. Poderíamos chamá-la esperança, não estivesse essa palavra tão gasta. É o desejo de nos refazermos em mais gostáveis criaturas. De fazermos a coisa certa para chegar aonde queríamos. De realizarmos afinal coisas que fomos deixando para trás. O começo de ano torna a gente melhor pessoa, pelo menos em intenção.
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Outra delícia que se acrescenta ao começo dos anos é termos a cidade só para nós, os que nos deixamos ficar; um mês inteiro sem aquele milhão de automóveis que saíram por aí e o milhão de pessoas que nos deixaram mais confortáveis nos ônibus, trens e metrô.
Há outros bons começos, alguns de coisas tão simples que o pequeno e encantador prazer que nos proporcionam se torna quase inexplicável. Mas é real, porque várias pessoas e gerações o experimentam.
Para a menina caprichosa, o começo de um caderno da escola no primeiro dia de aula é o máximo. Aquela folha lisinha, que ninguém tocou, o cheiro de papel novo, tudo convida o lápis ao capricho, ao talhe bonito; a atenção se redobra para não haver erro que torne aquela página menos bela. A segunda página já não é a mesma coisa, marcada que foi pela pressão do lápis na página anterior.
A agenda nova do ano também dá esse gosto, quando mão zelosa anota os endereços, os aniversários, os compromissos. Mais para o meio do ano haverá na mesma agenda rabiscos e clipes, mas não agora, não agora.
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E começo de namoro, tem coisa melhor? Quer sejamos adolescentes, jovens, adultos, coroas, velhos — tem coisa melhor? Mais plena de expectativas? Ao iniciarmos um namoro, acordamos em nós aquele desejo de ser mais gostáveis e, para tanto, gentis, doces, bonitos, cheirosos, bem-arrumados, bem-humorados, positivos. Vai durar? Não dá para saber, e não é isso que nos alvoroça no momento. Será o amor? Não, não houve tempo para isso: é inquietação, carregada de deliciosas antecipações e de inseguranças.
Há, é verdade, começos complicados de coisas que podem ser boas. Começo de festa, por exemplo. Nunca se sabe se ela vai bombar, é sempre uma angústia para quem convida. “Detesto ser a primeira a chegar às festas que dou”, diz uma personagem de romance, já não sei se é a Nicole Diver, de “Suave É a Noite”, ou a Holly Golightly, de “Bonequinha de Luxo”. Enfim, pode ser de uma delas. Outro começo difícil é o da vida: sair de uma situação deliciosa e irresponsável na barriga da mãe para uma complicação de luz, fome, ruído, calor, frio, cólica, ardência… Depois melhora, quando dá certo.
São mais numerosos os começos que nos dão prazer: o das férias, quando você chega ao hotel, toma aquele banho e relaxa no lençol fresco e perfumado; a primeira mordida na fruta suculenta e fresca ou no hamburgão quentinho escorrendo venenos calóricos; a estreia da roupa nova cheirando a loja, carícia de fibras macias que ainda não se crisparam no stress da máquina de lavar; o primeiro beijo e tudo o que ele promete; o primeiro gole do chope que nos relaxa da estafa de um dia quente; o livro novo que emite leves estalinhos ao se abrir para os olhos; dirigir o carro novo, com seus cheiros de fábrica, esmalte, resinas, filtros; mudar para o apartamento novo cheirando a tinta, verniz e limpeza; a lenta entrada nas portas do sono…
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