Li recentemente a notícia da morte do escritor José Agrippino de Paula. Um dos fundadores do movimento tropicalista, foi o autor de PanAmérica, obra escrita em 1967 mas considerada inovadora até nos dias de hoje. Esteve presente no melhor dos movimentos culturais dos anos 60. Esquizofrênico, segundo consta, viveu os últimos anos refugiado em sua casa no Embu, absolutamente solitário, sem falar com ninguém, a não ser com um irmão que o ajudava. Misturava presente e passado, vestia-se com uma espécie de túnica, ausente da realidade. Minha tristeza teve bons motivos pessoais. No final da minha adolescência, tive uma breve mas intensa amizade com Agrippino.
Eu queria ser ator, e vivia às voltas com o mundo do teatro. Fiz pequenas participações em peças profissionais. Descolava convites para grandes montagens, onde entrava escondido, pois era menor de idade. Assisti à primeira montagem de Hair, em 1969. Vi, sim, a grande cena de nudismo de todo o elenco, um escândalo para a época! Antes, fui muitas vezes ao histórico O Rei da Vela, com a direção de José Celso Martinez Corrêa. Era tão conhecido em certos teatros que nem pedia ingresso. Entrava e assistia!
Tive também meu momento macrobiótico. Ia diariamente almoçar num pequeno restaurante da Avenida Brigadeiro Luís Antônio. Todos os dias, encontrava Agrippino. Sentávamos diante de pratos de arroz integral e bardana, e discutíamos a vida. Bem mais velho que eu, Agrippino tentou me convencer a participar de um espetáculo que criava junto com sua mulher, a genial bailarina Maria Esther Stockler, também falecida: O Rito do Amor Selvagem. Resisti:
– Não sei dançar! – expliquei.
– Não tem importância – garantiu.
Resolvi não me aprofundar no tema. Uma vassoura solta no palco se movimentaria melhor! Sempre tive uma dolorosa consciência de certas limitações. Não tenho ritmo. Nem ouvido. Faço feio no Parabéns pra Você. Duas amigas minhas, gêmeas, entraram para o elenco. Vi O Rito… inúmeras vezes. Uma das cenas era inesquecível: uma gigantesca bola de plástico transparente era jogada sobre a platéia, que brincava com ela!
Agrippino era um homem entregue a seus sonhos. Maria Esther, também. Herdeira de uma grande fortuna, abandonara a vida luxuosa pela arte. No início dos anos 70, a residência do casal no Pacaembu foi invadida pela polícia em busca de drogas. A brutalidade da situação os fez viajar para fora do país. Embora, até onde eu saiba, nada tenha sido encontrado. Tiveram uma filha, Manhã, mais tarde falecida em um acidente. Dizem que a truculência da invasão despertou a esquizofrenia de Agrippino.
Prefiro achar que o sonhador já não queria se relacionar com este mundo. Hoje as pessoas lutam por sucesso, dinheiro e prazer, muitas vezes sem se importar com as questões éticas. Naquela época buscavam significado para sua vida. Tentaram novas formas de trabalho, de expressão artística e até de amar. Quebraram a cara, muitas vezes, porque a sociedade não estava pronta para entender gente assim. Dói saber que Agrippino partiu sozinho, depois de anos de isolamento. E ainda com tanta coisa para dizer! Com ele desapareceu mais um pedaço de uma geração que queria fazer diferença. Lembro com saudade nossos papos macrobióticos. Ainda tenho um lado romântico. Acredito que Agrippino e sua geração nos deixam o legado de que os sonhos estão aí, prontos para renascer, e para falar de idéias que iluminem nossas almas.